Acórdão nº 542/14.0TVLSB-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelAFONSO HENRIQUE
Data da Resolução08 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I-Relatório: A A., S., S.A., devidamente identificada nos autos, pugna pela competência deste tribunal para decidir do litígio, alegando em súmula que apesar de atribuída competência aos tribunais ingleses para decisão do litígio referente à validade, interpretação e execução do contrato ISDA outorgado entre as partes, tal pacto de jurisdição mostra-se fora do escopo do artº23 nº1 do Reg. (CE) na 44/2001, não apresentando a relação jurídica qualquer traço de transnacionalidade, uma vez que todos os seus elementos se localizam em Portugal, não se verificando pelas mesmas razões os requisitos do artº94 do C.P.C.

Mais alega em defesa da sua tese que, ainda que assim não fosse, este pacto de jurisdição seria inválido por aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais constantes do D.L. 446/85, no seu art°19 c), uma vez que a escolha dos tribunais ingleses causa graves inconvenientes para a A. sem que exista um interesse atendível da R. que justifique esta escolha.

Citado o R., Banco A, igualmente com os sinais completos nos autos, veio excepcionar a incompetência deste tribunal, por dos contratos celebrados resultar a atribuição de jurisdição aos tribunais ingleses, tendo sido a própria A. a propor ao R. a assinatura do ISDA Master Agreement e do respectivo Schedule, sendo, aliás, esta assinatura condição do concurso por esta lançado e do convite endereçado à R. para apresentação de cotações para as operações em apreço, sendo a alegação de nulidade do pacto um abuso de direito por parte da A.

Alega ainda que os pactos de jurisdição são admitidos pelo Reg. (CE) n° 44/2001 e que, mesmo admitindo que é necessário um elemento de estraneidade, estes critérios de conexão tanto podem ser subjectivos como objectivos, sendo o R. uma filial de um banco internacional, tendo a A. endereçado convites a bancos internacionais e sendo os próprios swaps outorgados para cobertura de contratos de financiamento também internacionais, também sujeitos à lei e jurisdição inglesa e com pagamentos a serem feitos para a conta de um banco em Londres, sendo do interesse da A. de fazer coincidir a lei e a jurisdição aplicáveis aos financiamentos e aos Swaps.

Por último alega que os contratos estão redigidos em inglês, sujeitos à lei inglesa, estando a A. assessorada à data por uma sociedade de Advogados e sendo um investidor qualificado, pelo que atendendo ao quadro negocial, a cláusula não é nula.

Em sede de réplica, a A. defende não existir qualquer elemento de estraneidade, não se encontrando preenchido o pressuposto da aplicação do regulamento de Bruxelas, não sendo tal pacto válido perante a jurisdição portuguesa.

Mais alega que o contrato ISDA é um contrato padronizado que as partes não podem alterar, pré-elaborado por uma entidade estranha à relação negocial, não tendo sido a A. a proponente da cláusula.

Após os articulados e saneando os autos, o Tribunal a quo proferiu o seguinte DESPACHO: “-…- - Pelo exposto, declaro incompetente este tribunal pelo que, absolvo a R. da instância (art°s.96º e 99º do C.P.C.).

Custas pela A. (art° 535 do C.P.C.), fixando-se o valor da causa no indicado (artºs 296, 297 e 306 nº2 do C.P.C.).

-…-.” Desta decisão veio a A. recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir de imediato nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. Na Sentença, considerou-se, erradamente, o pacto privativo de jurisdição celebrado pelas partes válido e eficaz à luz do ordenamento jurídico português e, como tal, o Réu, ora Recorrido, foi absolvido da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 278.º, n.º 1, a), do CPC.

  1. A Sentença merece vários reparos, tendo violado o artigo 23.°, n.º 1, do Regulamento de Bruxelas bem como o artigo 94.º, n.º 1 e 3, e 607.º, n.º 4, do CPC, e o artigo 19.°, g), da LCCG.

    A.

    Decisão da matéria de facto: 3.

    Os factos dados como provados sob os números 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 16.°, 17.°, 18.°, 19.°, 20.°, 21.° e 22.°, apenas respeitam à primeira versão do swap de 2006 e já não à respectiva reestruturação ou ao swap de 2008 e respectiva reestruturação, transacções que constituem o objecto do presente litígio.

  2. Os factos sob os números 36.° e 37.° foram erroneamente dados como provados uma vez que não foram aceites pela Recorrente e carecem de suporte probatório.

  3. Sob o número 26.° encontram-se não factos mas considerações.

  4. Os seguintes factos, essenciais para dirimir a questão em apreço, deveriam ter sido dados como provados: (i) Tal como a Recorrente, o Recorrido é uma sociedade de direito português com sede em Lisboa.

    (ii) Os contratos de swap foram celebrados em Portugal.

    (iii)O lugar previsto para o cumprimento da integralidade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal.

    (iv)Todas as obrigações decorrentes do contrato foram efectivamente cumpridas em Portugal.

    (v) A distância e os custos decorrentes de litigar no estrangeiro, a língua a adoptar no processo, bem como a circunstância de a Recorrente não ter qualquer experiência em litígios do mesmo género e perante jurisdições estrangeiras, são obstáculos a uma defesa eficaz dos seus interesses.

    (vi) O litígio está sujeito à aplicação de todas as normas de direito português de carácter imperativo.

    1. Inaplicabilidade do Regulamento de Bruxelas a situações puramente internas: 7. É entendimento uniforme do TJUE que a aplicação do Regulamento de Bruxelas pressupõe a existência de uma relação transnacional, como o demonstram inequivocamente os Acórdãos Maletic, Owusu e Lindner. Se a relação jurídica subjacente a um litígio não for transnacional, não está, ipso facto, preenchido o âmbito de aplicação pessoal ou espacial do Regulamento de Bruxelas.

  5. Igualmente entendimento foi sufragado pela jurisprudência do STJ e do Tribunal da Relação de Lisboa.

  6. Os contratos ora em crise apresentam conexão com apenas uma ordem jurídica, a portuguesa, apesar de a Sentença ter considerado erradamente que tais contratos apresentavam elementos de conexão com outra ordem jurídica.

    1. Carácter puramente interno da relação jurídica em crise 10. No caso vertente, não há nenhum elemento do tipo dos elencados na jurisprudência do TJUE susceptível de conferir um carácter transnacional à relação jurídica em crise, visto que ambas as partes são pessoas colectivas de direito português, os contratos em crise foram celebrados em Portugal e o lugar do cumprimento da integralidade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal.

  7. Contrariamente ao que concluiu a Sentença, a internacionalidade do litígio não pode fundar-se: (i) no facto de os contratos de financiamento celebrados pela Recorrente com terceiros possuírem elementos de conexão com outras ordens jurídicas, (ii) na actuação do Recorrido como banco internacional (pelo facto de ser definido como uma Multibranch Party no âmbito do contrato e de actuar na celebração destes derivados financeiros no mercado internacional), (iii) no uso da língua inglesa, ou (iv) na aplicação da lei inglesa.

  8. Não há qualquer ligação entre os contratos de mútuo e os swaps em crise, já que os segundos não contêm qualquer referência aos primeiros, sendo a respectiva existência totalmente autónoma.

  9. Ademais, como salienta o Recorrido na sua contestação, a abstracção relativamente à realidade subjacente é característica dos derivados em geral: de facto, e como de resto aconteceu no caso do swap de 2006, o contrato de mútuo, mesmo que sirva de referência a um contrato swap, pode ser resolvido antecipadamente sem que isso implique a resolução automática do contrato swap.

  10. Os swaps em crise não têm qualquer relação material com os supostos financiamentos subjacentes, conforme alegado na petição inicial.

  11. A actuação do Recorrido como banco internacional, ou o facto de, ao abrigo do contrato ISDA, o Recorrido poder receber e fazer pagamentos através das filiais em Londres e no Luxemburgo, não configuram elemento de estraneidade relevante.

  12. Se assim fosse, bastaria (i) a existência de um accionista domiciliado além-fronteiras ou (ii) a mera referência contratual à possibilidade de ocorrerem pagamentos num outro país para que estivéssemos perante uma situação transnacional.

  13. A primeira destas duas condições corresponderia, desde logo, à desconsideração da autonomia jurídica da entidade contratante.

  14. A segunda implicaria que, com uma mera referência contratual, e independentemente da sua verificação factual, se poderia afastar a competência dos tribunais portugueses para dirimir uma situação puramente interna.

  15. O mesmo se diga relativamente à alegação de que o Recorrido actua no "mercado internacional".

  16. Os swaps em crise foram celebrados entre Recorrente e Recorrido, únicas partes em tais contratos, não havendo qualquer referência expressa ou tácita à existência de um terceiro ou à actuação do Recorrido como intermediário.

  17. Seria absurdo que a redacção de um contrato numa língua estrangeira ou a mera escolha de uma lei estrangeira - que só será efectiva na medida em que não contrarie as disposições imperativas da lei portuguesa, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, da Convenção de Roma - fosse critério bastante de transnacionalidade para este efeito.

  18. A teleologia subjacente à exigência de um elemento efectivo de estraneidade como pressuposto de aplicação do Regulamento de Bruxelas prende-se com a necessidade de garantir que cada Estado-Membro mantenha jurisdição efectiva sobre disputas puramente internas, desiderato que manifestamente se frustraria caso fossem considerados relevantes elementos de conexão ténues e, ou, artificiais.

  19. O que releva neste âmbito é a nacionalidade, o domicílio das partes bem como o local efectivo do cumprimento contratual, conforme decorre da jurisprudência acima referida, do TJUE, do STJ e do Tribunal da Relação de Lisboa.

  20. Não se conhece nenhuma decisão de qualquer destes tribunais...

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