Acórdão nº 507/14.2TBFUN-B.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução29 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório: O 2º Juízo Cível do Funchal declarou insolvente G., Lda, por sentença da 2014.03.26, transitada em julgado.

Aberto incidente de qualificação de insolvência, a Secção de Comércio da Instância Central da Comarca da Madeira, por sentença de 2015.03.04, qualificou como culposa aquela insolvência, declarando a gerente AB, afetada pela qualificação, inibida por três anos para administrar patrimónios de terceiros; para exercer o comércio e para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; e condenou-a a indemnizar os credores da sociedade devedora insolvente, no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a efetuar em liquidação de sentença.

A referida gerente AB recorreu desta sentença, invocando nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto; e pedindo que ela seja revogada, qualificando-se a insolvência como fortuita.

O credor EP contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso e pedindo a ampliação do seu objeto, considerando que face à matéria provada, devem responder, pela indemnização em que foi condenada a recorrente, também os gerentes dos últimos três anos da G., Lda, JF e JB.

A recorrente pediu o desentranhamento das contra-alegações, por ilegitimidade do credor, na totalidade ou na parte referente à ampliação do objeto do recurso; ou o indeferimento desta ampliação.

O Tribunal recorrido julgou parte legítima na apelação a recorrente AB; indeferiu a ampliação do objeto do recurso pedida pelo credor EP; e indeferiu a nulidade de sentença invocada pela recorrente.

Cumpre decidir se é ou não de admitir a referida ampliação do objeto do recurso; se procede a nulidade de sentença referida pela recorrente; se é de alterar a matéria de facto provada; e se é de modificar a qualificação da insolvência e a decisão relativa à recorrente AB.

Fundamentos: Factos: Provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo: A. G., Lda, pessoa colectiva nº ..., com sede na ..., foi declarada insolvente por sentença datada de 26 de Março de 2014, transitada em julgado, conforme fls. 347 a 372 dos autos principais, e cujo teor se dá por reproduzido; B. Tem por objecto social a actividade de serviços de contabilidade, gestão informática e representações de material informático (fls. 15 dos autos principais); C. A declaração de insolvência foi requerida em 11 de Fevereiro de 2014 por MR (fls. 3 dos autos principais); D. Mostram-se nomeados como gerentes, respectivamente desde 22 de Junho de 1988 JF e JB, desde 31 de Janeiro de 2012 apenas JB, e desde 31 de Janeiro de 2012 apenas AB (fls. 15 dos autos principais); E. Não foram apreendidos para a massa insolvente quaisquer bens; F. Por despacho proferido nos autos principais em 27 de Fevereiro de 2015, determinou- se o encerramento do presente processo de insolvência por insuficiência da massa; G. A Insolvente efectuou cessação de actividade nas Finanças, para efeitos de pagamento de IVA, no dia 30 de Setembro de 2013 (fls. 29 dos autos principais); H. Em 17 de Setembro de 2013, a Insolvente registou na Conservatória do Registo Comercial a mudança da sua sede, do … para a … (fls.18 dos autos principais); I. Em 26 de Setembro de 2013, foi registrada a constituição da sociedade comercial por quotas denominada C., Unipessoal, Lda (fls. 30 e 31 dos autos principais); J. A sociedade referida em I supra tem a sua sede na … (fls. 30 dos autos principais); K. A sociedade referida em I supra dedica-se à actividade de contabilidade e fiscalidade (fls. 30 dos autos principais); L. A sociedade referida em I supra tem por única sócia e gerente, FB (fl. 31 dos autos principais); M. FB é filha da sócia gerente da Insolvente AB (por acordo); N. No dia 30 de Setembro de 2013, a Insolvente e a sociedade C., Unipessoal, Lda, subscreverem um acordo, designado por “contrato de trespasse”, com as seguintes cláusulas com relevância para a boa decisão da causa: “(...) CLÁUSULA SEGUNDA (TRESPASSE): 1. O estabelecimento é trespassado a favor da segunda contraente e por esta adquirido/aceite com a universalidade de todos os direitos e elementos do activo corpóreo e incorpóreo que integram e constituem o referido Estabelecimento, com excepção dos créditos sobre clientes, emergentes da actividade exercida pela Primeira Contraente, designadamente:

  1. Os pertences, nomeadamente equipamentos, móveis, utensílios, peças e acessórios necessários à normal prossecução da actividade comercial constante do Anexo I ao presente contrato; b) Cessão de posição contratual da PRIMEIRA CONTRAENTE como empregadora da trabalhadora MP; c) Posição contratual da Primeira Contraente no contrato de locação financeira celebrado com o Banco E., S.A., relativamente aos equipamentos electrónicos objecto do contrato de locação financeira celebrado, que se junta como Anexo II ao presente contrato; 2. O presente trespasse não inclui qualquer passivo / dívidas, declarando expressamente a PRIMEIRA CONTRAENTE que não incidem quaisquer ónus, encargos, penhoras ou direitos de terceiros sobre o Estabelecimento, nem de outra forma sofre qualquer limitação ou diminuição de valor.

    1. A cessão da posição contratual da Primeira no contrato de locação financeira mobiliária celebrado com o Banco E., S.A., relativamente a equipamentos electrónicos fornecidos pela empresa M., LDA, será obtida pela Primeira Contraente, junto daquela instituição bancária.

      CLÁUSULA TERCEIRA (PREÇO E MODO DE PAGAMENTO) 1. O preço global acordado para o trespasse é de 10.183,53 (dez mil, cento e oitenta e três euros e cinquenta e três cêntimos).

    2. O preço será pago em nove prestações mensais de 1.131,50€, sendo a primeira liquidada ainda durante o presente mês de Setembro, e a última em 30 de Maio de 2014. (...)” (fls. 301 a 304 dos autos principais).

      Análise jurídica Considerações do Tribunal recorrido: O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações: Nos termos do disposto no art. 185 do CIRE, a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, não sendo porém a qualificação vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou acções de responsabilidade contra o devedor, terceiros e responsáveis legais.

      A insolvência será culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo – art. 186 nº 1 do CIRE.

      … No presente caso é proposta a qualificação da insolvência como culposa, abrangendo como afectados pela qualificação a gerente AB.

      Analisando os factos apurados, nos quais se inclui a matéria de facto apurada na sentença que decretou a insolvência, atento o facto dado como provado sob o nº 1, à luz do preceito citado temos assim como período temporal relevante para os efeitos do nº 1 do art. 186 do CIRE o decorrido entre 11 de Fevereiro de 2011 a 11 de Fevereiro de 2014.

      … Prevê o art. 186 nº 2 alínea f) do CIRE que se considera sempre culposa, na modalidade de dolo ou culpa grave, a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: “f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;” Ora, da matéria de facto considerada como provada resultou claro, que a dado momento da vida da sociedade insolvente, nomeadamente em Setembro de 2013, esta transferiu o seu estabelecimento comercial para uma sociedade comercial cuja quota única é titulada pela filha dos sócios da sociedade insolvente, mediante contrato celebrado entre a sócia gerente da insolvente (em sua representação) e a gerente daquela nova sociedade comercial, a qual, por sua vez, é filha daquela.

      Ambas as sociedades têm o mesmo escopo comercial, tendo a insolvente, após transferir o seu estabelecimento comercial, entenda-se, a universalidade dos bens corpóreos e incorpóreos (no qual se incluiu o local onde laborava e os bens móveis com os quais trabalhava), encerrado a sua actividade em sede de IVA.

      Cessou a sua actividade, esvaziando-se de todos os seus bens, assim como do local onde laborava e por fim, da sua clientela, tal como resultou claro na sentença que declarou a devedora insolvente e cujo teor se considera como reproduzido na decisão sobre a matéria de facto considerada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT