Acórdão nº 181/14.6TELSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução22 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa: I – Relatório: I – 1.) Na Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste, foram os arguidos J, C. e R., submetidos a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, pronunciados pela forma seguinte: - Todos eles, da co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º1, do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma.

- O arguido R., ainda, da autoria material, em concurso real, de dois crimes de detenção de arma proibida (arma e munições), p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com referência ao art.º 3.º, n.º 2, alínea d) da mesma Lei.

No decurso da audiência procedeu-se à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, por se entender que essa factualidade relativa ao arguido J. apenas seria susceptível de configurar um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 25.º, al.ª a), do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma, e que a apurada conduta do arguido R. apenas seria susceptível de configurar um crime de detenção de estupefacientes para consumo, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma.

I – 2.) Proferido o respectivo acórdão, veio a decidir-se o seguinte: - Absolver o arguido C.

, do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma.

- Absolver o arguido R.

dos dois crimes de detenção de arma proibida (arma e munições), p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com referência ao art.º 3.º, n.º 2, alínea d) da mesma Lei, pelos quais vinha pronunciado.

- Condenar o arguido J.

como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 21.º, n.º 1, e 25.º, al.ª a), do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, que se suspende na sua execução pelo mesmo período, sujeito a regime de prova.

- Condenar o arguido R.

como autor material de um crime de detenção de estupefacientes para consumo p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2 do DL 15/93 de 22/1, por referência à tabela I-C anexa, na pena 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros).

I - 2.) Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido R. para esta Relação, sustentando as seguintes conclusões: 1.ª - O recorrente foi condenado pelo douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo em 29/01/2015, "(...) como autor material de um crime de detenção de estupefacientes para consumo p. e p. pelo art 40°, n.º 2, do DL 15/93 de 22/01 por referência à tabela I-C anexa, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros)" e "(...) nas custas do processo, fixando a taxa de justiça individual em 3 UC (...)".

  1. - O ora recorrente, é certo, que em sede de audiência de discussão e julgamento confessou que no dia 3 de Dezembro de 2013, pelas 09h10, no interior da sua residência, guardava, no respectivo quarto de dormir, numa gaveta da estante, 1 (um) maço de tabaco, marca "Chesterfield", no interior do qual se encontravam acondicionados 9 (nove) pedaços rectangulares (vulgo línguas) de resina canábis (haxixe) e parte de 1 (uma) bolota da mesma substância, envolta em papel celofane, com o peso bruto total de 16.7 gramas.

  2. - Factualidade e bem, que ficou assente, considerada como provada no ponto 11 (pág. 4) na "Fundamentação quanto à matéria de facto" do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo.

  3. - Sendo também certo, que o ora recorrente na sua confissão em sede de audiência de discussão e julgamento declarou que o peso bruto total de 16.7 gramas de resina de canabis que detinha destinava-se apenas e exclusivamente a seu consumo e que, como consumidor que é, conhece por razões óbvias a natureza e características estupefacientes da resina de canabis que lhe foi apreendida.

  4. - Factualidade e bem, que ficou assente, considerada como provada nos pontos 15 e 17 (pág. 5) na "Fundamentação quanto à matéria de facto" do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo; 6.ª - De notar, ainda que quanto à "Fundamentação da Matéria de Facto", não ficou provado que o estupefaciente detido pelo ora recorrente. R, destinava-se a ser por este cedido, a troco de contrapartida económica.

  5. - Factualidade e bem, que não se logrou provar, considerada como não provada no ponto 2. (pág. 7) na "Fundamentação quanto à matéria de facto" - item "Factos Não Provados" do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo.

  6. - Não se logrou provar também, que o ora recorrente, se dedicasse à cedência de qualquer estupefaciente mediante contrapartida monetária, aos consumidores de estupefacientes.

  7. - Factualidade e bem, que ficou assente, considerada como não provada no ponto 15. (pág. 8 e 9), na "Fundamentação quanto à matéria de facto" - item "Factos Não Provados" do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo.

  8. - Em sede de Alegações Orais, a douta Magistrada do Ministério Público do Tribunal ad quo pediu a absolvição do arguido de todos os crimes pelos quais vinha acusado no douto libelo acusatório, ora recorrente, atendendo a toda a prova produzida, e justificadamente o fez.

  9. - O Acórdão ora recorrido e sindicado, efectua uma errada subsunção do direito aos factos dados como provados, o que se manifesta como uma verdadeira contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, tanto o é, que o Magistrado do Ministério Público pugnou e justificadamente pela absolvição do arguido, pois estamos sim, perante uma contra-ordenação e não um ilícito penal, conforme o acórdão ora sindicado tenta justificar.

  10. - Atente-se no que concerne à aquisição e detenção de estupefacientes e substâncias psicotrópicas para consumo próprio, desde a entrada em vigor da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, constitui contra-ordenação, desde que não exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 (dez) dias (artigo 2.º, n.°s 1 e 2).

  11. - Esta quantidade tem como referência os valores estabelecidos no mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, valores esses, obtidos por critérios estatísticos.

  12. - O legislador optou por não criminalizar tais condutas, mas puni-las como contra-ordenação, compatibilizando o regime com as demais convenções vigentes. Assim, o consumo mantém um desvalor legal, como forma de dissuadir a sua expansão e, indirectamente, o tráfico e restante criminalidade a ele associada.

  13. - Obviamente, que, o mero exceder de quantidades permitidas, só por si, não faz subsumir tal conduta no crime de tráfico de estupefacientes. Como resulta de jurisprudência fixada, apesar da referida revogação, "o artigo 40.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só "quanto ao cultivo" como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias".

  14. - Assim, deve-se considerar reduzido teleologicamente o alcance da revogação do artigo 28° da Lei n.° 30/2000, e, conjugando o artigo 2.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, considerar-se válido e actual o texto remanescente do artigo 40° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

  15. - Obviamente que os valores fixados no mapa anexo à Portaria n.° 94/96 são para ser respeitados, mas, enquanto valores meramente indicativos, que devem ser apreciados por intermédio de critérios científicos inerentes à prova pericial (artigo 163° do C.P.P.), conforme decorre do artigo 71.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 15/93.

  16. - A entender-se que a mera ultrapassagem dos valores constantes do referido mapa, bastaria, só por si, para se encontrar preenchido o tipo de crime do artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, esta seria uma norma penal em branco, e, como tal, inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade (artigo 29.°, n.° 1, da CRP) - ver Acórdão do TC n.° 543/98.

  17. - No entanto, os valores fixados no mapa anexo à Portaria n.° 94/96, referem-se a substâncias puras. Assim, pode acontecer que um indivíduo, não obstante ser detentor de 6 gramas de canabis - resina (crime, artigo 40°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 15/93), esse produto tenha apenas 60% de pureza, o que, segundo a Portaria equivaleria a 3 gramas (contra-ordenação, artigo 2.º da Lei n.° 30/2000).

  18. - Como bem têm decidido os Tribunais da Relação, nesse caso, é necessário recorrer à jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal de Justiça, que teve em consideração, segundo regras de experiência comum, o normal grau de impureza de tais substâncias estupefacientes quando chegam à posse do consumidor. Nesse sentido, é considerada quantidade necessária para o consumo médio individual durante um dia, a que não excede: 1.5 gramas de cocaína x 10 dias = 15 gramas: 1.5 gramas de heroína x 10 dias = 15 gramas: 2 gramas de haxixe (canabis resina) x 10 dias = 20 gramas - cfr. Acórdão do STJ de 15/05/1996 - Relator: Andrade Saraiva.

  19. - No entanto, e face ao exposto, o Tribunal ad quo apesar de argumentar em contrário, cingiu-se com o devido respeito, a aplicar stricto sensu os valores constantes na Portaria n.° 94/96, de 26/03.

  20. - Não é crível que o legislador pretendesse, com a Lei n.° 30/2000, agravar a punição do consumo de estupefacientes, tanto mais numa altura em que a estratégia nacional de luta contra a droga indicava o contrário.

  21. - O Supremo Tribunal de Justiça proferiu o já supra...

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