Acórdão nº 8928/11.6TBOER.L2-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução22 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO: I.

FS, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra PA, pedindo que seja declarado que é filho do réu.

Alegou, em suma, que nasceu a 15 de Novembro de 1990, na constância do casamento de sua mãe com JR; que a presumida paternidade foi impugnada por este último, tendo, por sentença transitada em julgado, sido declarado que aquele não é o seu pai biológico; que, como reconheceu nesse processo, a sua mãe admitiu que manteve relações de cópula completa com o ora Réu PA durante os 180 dias dos 300 que antecederam o nascimento do autor; que o réu tem consciência de que o A. é seu filho, pois em diversas ocasiões e ao longo dos últimos anos enviou dinheiro á mãe; e que o A. sofre da doença denominada “B- Thalassemia”, a qual é hereditária, tendo ficado provado que a sua mãe não é portadora dessa doença.

O réu contestou, alegando, em síntese, que conheceu a mãe do A., pois a mesma trabalhou para a sociedade “C., Lda”, da qual era um dos sócios; que é falso que tenha mantido relações de cópula completa com a mãe do A. e muito menos durante os 180 dias que antecederam o nascimento do A.; e que tinha um bom relacionamento profissional com a mãe do A., chegando a emprestar-lhe dinheiro para pagamento das prestações da casa.

O Autor replicou, alegando, que sofre da doença “B-Thalassemia”, a qual é hereditária e que tal doença tem origem nos Países do Golfo Pérsico, o que constitui mais um forte indício de que o A. é filho do R.

Conclui requerendo que o R. se submeta à efectivação do teste de ADN.

Foi proferido despacho saneador, organizados os factos assentes e a base instrutória.

Pelo despacho de fls. 88 foi ordenada a realização de exames de ADN ao réu para determinar se é o pai do autor.

Ouvidas as partes sobre a forma de realização desse exame, veio o autor requerer que o mesmo seja realizado em Portugal, no INML, e, caso tal não seja possível, uma vez que não existe representação diplomática portuguesa na Síria, e sendo os assuntos deste país acompanhados pela Embaixada de Portugal em Nicósia, requer em alternativa que seja aí realizada a recolha do material biológico.

Refere ainda que o réu é uma pessoa muito influente na Síria, sendo o seu irmão o actual cônsul honorário de Portugal em Alepo.

De sua vez, o réu veio dizer que tem a sua residência na Síria e, por motivos profissionais, familiares e do conflito bélico em curso, não tem qualquer possibilidades de sair da Síria; que os dois consulados Portugueses na Síria foram encerrados por força do estado de guerra; e que apenas aceita que a perícia seja realizada no seu país e por ordem de um tribunal judicial Sírio.

Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte teor: “Fls. 103 e 107: Uma vez que o R. não aceita, ou não pode, deslocar-se a Portugal, e que a Síria não é parte na Convenção de Haia de 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL 764/74, de 30-XII), não se mostra possível a recolha de material biológico (quer no I.N.M.L., quer através das competentes autoridades judiciárias sírias).

A recolha de material biológico do R. através da Embaixada de Portugal em Nicósia não tem cabimento legal – não se mostrando viável, quer pelo estado de guerra (praticamente notório) em que se encontra a Síria, quer pela relação de parentesco alegada (a fls. 103), a sua recolha através do Cônsul Honorário de Portugal em Alepo.

Assim, mostra-se inviabilizada a realização do exame determinado a fls. 88.

Notifique.” Após foi designada data para a realização do julgamento.

Realizado este, por despacho exarado na acta de julgamento (datado de 12/07/2013), respondeu-se à matéria constante da base instrutória.

Posteriormente, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho (datado de 9/10/2013) a reabrir a audiência de julgamento, a fim de ser inquirida MS (progenitora do autor).

Pelo requerimento de fls. 140/143 o réu arguiu a nulidade desse despacho, o que foi indeferido pelo despacho de fls. 160/161.

O Réu juntou exames clínicos a fim de tentar demonstrar não ser portador da doença “B-Thalassemia”.

O Autor impugnou tais exames.

Reaberta a audiência de julgamento, o tribunal inquiriu a progenitora do autor.

Após foi proferida sentença, na qual se fixaram os factos provados e respectiva fundamentação, tendo-se concluído na mesma pela procedência do pedido, tendo o autor sido declarado filho do réu.

O réu interpôs recurso dessa sentença, tendo por acórdão desta Relação sido revogada a decisão proferida dia 9/10/2013 que ordenou a reabertura da audiência de julgamento e anulado todo o processado posterior, incluindo a sentença.

Baixados os autos à 1ª instância, foi então proferida nova sentença, na qual se julgou a acção procedente e, em consequência, declarou-se que FS é filho biológico de PA, ordenando-se o correspondente averbamento no assento de nascimento do Autor.

Inconformado, o réu interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões: 1 - A sentença recorrida é nula nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do n.º 1 do art.º 615° do NCPC (anterior artigo 668.° do CPC) porque o Tribunal a quo pronunciou-se considerando que foi dado como provado; 2 - Ao conhecer questões que não foram colocadas pelas partes, o Douto Tribunal a quo cometeu um excesso de pronúncia, violando o disposto no n.º 2 do art. 608.° do NCPC (anterior n.º 2 do art. 660.° do CPC e tornando nula a sentença; 3- A Douta Sentença recorrida, viola a lei substantiva e baseou-se em errada apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e na consequente errada decisão sobre a matéria de facto e aplicação do direito à mesma; 4 - O Tribunal a quo julgou incorrectamente a matéria de facto constante do ponto 4 da matéria dada como provada na sentença ora recorrida (parcialmente correspondente ao artigo 1º da base instrutória); 5 - Perante os meios de prova carreados para o processo, os factos constantes do referido ponto 4 tem forçosamente que ser julgados como NÃO PROVADOS; 6 - A testemunha RM limitou-se a referir que MS lhe tinha contado ter tido um relacionamento extraconjugal com o ora Recorrente e que tinha suspeitas de que o Recorrido na presente acção, não era filho do seu marido JR; 7 - A testemunha não especificou em que se traduziu essa relação extra conjugal; 8 - A testemunha não indicou se foram praticados actos sexuais; 9 - A testemunha não indicou que tipo de actos sexuais foram praticados; 10 - A testemunha não indicou que existiram relações sexuais de cópula completa; e 11 - A testemunha não indicou em que datas ocorreram relações sexuais; 12 - A testemunha indicou ainda que teve conhecimento deste facto numa altura em que a mãe do Recorrido já não vivia maritalmente com o Senhor JR; 13 - A testemunha indicou não ter ideia de quanto tempo durou a alegada relação extraconjugal; 14 - A testemunha informou desconhecer em que período a mesma decorreu; 15 - A testemunha nunca conheceu o Recorrente; 16 - O depoimento da testemunha é um testemunho indirecto; 17 - O depoimento da testemunha não é um testemunho apto a provar que o Recorrente teve relações sexuais com a mãe do Recorrido durante o período legal de concepção; 18 - Nem a provar que as mesmas, a terem existido, o foram em regime de exclusividade; 19 - O testemunho de RM não permite provar que o Réu e ora Recorrente é o pai biológico do Autor; 20 - A Sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova produzida em sede de julgamento, tendo sido incorrectamente julgados o concreto ponto 4 da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida (parcialmente correspondente ao artigo 1º da base instrutória), sendo que, no entender do ora Recorrente, a correta decisão a proferir sobre a questão de facto impugnadas é a seguinte: Art. 1º da BI (facto 4 da sentença) - NÃO PROVADO que MS manteve relações de cópula com o ora R. PA entre 19 de Janeiro e 19 de Maio de 1990; 21 - Nesta medida, a prova produzida e dada como assente pelo Tribunal a quo nos autos é insuficiente para determinar a procedência da presente acção, impondo-se outro julgamento da matéria de direito; 22 - Não se logrou provar nos autos, que MS teve relações sexuais de cópula completa com o Recorrente durante o período legal de concepção; 23 - Não operando por isso a presunção de paternidade constante do artigo 1871º, nº 1, alínea e) do Código Civil; 24 - Estando o Tribunal a quo obrigado a aplicar a regra constante do artigo 414º do NCPC (anterior artigo 516º do CPC) que estabelece que, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto, ela se terá de ser resolvida contra a parte à qual o facto aproveita (ou seja contra o Recorrido) ; 25 - A presente acção de investigação da paternidade deveria ter sido julgada pelo Douto Tribunal a quo como improcedente, por não provada e o ora Recorrente absolvido do pedido; 26 - O Recorrente não se recusou a efectuar exames de ADN; 27 - O Recorrente vive na Síria, país assolado pela guerra, não lhe sendo permitido deslocar-se a Portugal; 28 - O Recorrente disponibilizou-se a realizar testes de ADN na Síria (Pais onde reside e onde foi regularmente citado para a presente acção); 29 - No caso de o Tribunal considerar o teste de ADN imprescindível para a decisão da presente acção judicial, o Tribunal a quo não esgotou todas as vias possíveis à sua realização; 30 - O Tribunal a quo - como forma de contornar a impossibilidade do ora Recorrente se deslocar a Portugal para a realização do referido teste de ADN - deveria ter solicitado aos Tribunais Sírios (através de expedição de carta rogatória), a realização desse teste na Síria em instituição credenciada indicada pelo Tribunal; 31 - O facto de a Síria não ser parte da referida Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial concluída em Haia aos 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL n.º 764/74, de 30/12), não obsta à expedição de carta rogatória para que a...

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