Acórdão nº 1212/14.5T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução22 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório: Na 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, C., S. A., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra Banco R., S. A., concluindo nos seguintes termos: « … deverá ser julgada procedente a presente acção e, independentemente da procedência dos fundamentos de invalidade ou resolução do Contrato Swap 2008 atrás invocados, deverá o Réu ser condenado a pagar à Autora, a título de indemnização, com fundamento na violação de deveres de informação, a quantia de € 867.933,21, acrescida das quantias que se venham a apurar nos termos dos arts.329º e 333º anteriores, e de juros legais à taxa de 4%, desde a citação até ao efectivo pagamento; ou Assim não se entendendo, deverá o Contrato Swap 2008 ser declarado nulo por ser subsumível à categoria de jogo e aposta, com as legais consequências atrás descritas nos arts.249º a 251º.

Finalmente, quando assim não se julgue, deverá o mesmo contrato ser resolvido por alteração das circunstâncias, também com as legais consequências já mencionadas nos arts.291º a 294º».

A título de questão prévia, colocou a autora a questão da competência do tribunal, concluindo que, apesar da existência de uma cláusula de arbitragem voluntária (cláusula compromissória) no Contrato Quadro, é o foro judicial o competente para julgar a presente acção.

A ré contestou, invocando, além do mais, a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, e concluindo, assim, desde logo, pela sua absolvição da instância.

Foi, então, proferida sentença que, conhecendo da invocada excepção, julgou a mesma procedente e, consequentemente, absolveu a ré da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso daquela sentença.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos: 2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: I. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral e, consequentemente, absolveu a Ré da instância, nos termos do art. 577.º, alínea a) do CPC. Considerando para tal que a convenção de arbitragem estabelecida na cláusula 41.º do Contrato Quadro (Documento 1 da p.i.) abrange o objecto da lide; não é manifestamente nula, nem se tornou manifestamente ineficaz ou inexequível, sendo oponível à Recorrente.

  1. Sem conceder quanto às questões referentes à validade da convenção, que não se discutirão nesta sede, procurará a Recorrente demonstrar apenas neste recurso que a (i) convenção de arbitragem não abrange o objecto da lide e, em qualquer caso, (ii) ser-lhe-ia inoponível em função da situação superveniente de insuficiência económica.

  2. A questão objecto do recurso cinge-se, pois, em saber se a competência material para a presente acção cabe ao Tribunal “a quo” ou é da competência dos tribunais arbitrais, cumprindo, para tanto, apreciar os dois fundamentos enunciados atrás.

  3. Começando pelo âmbito da convenção de arbitragem apontada, ao considerar o objecto da lide incluído na cláusula arbitral o tribunal fez uma incorrecta interpretação da mesma, violando o art. 236.º, n.º 1 do CC, e, por consequência, interpretando e aplicando também erradamente os arts. 96.º, alínea b) e 99.º, n.º 1, do CPC, assim como o n.º 1 do art. 5.º da LAV.

  4. A expressão “diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato” ínsita na dita cláusula 41.ª reporta-se tão só aos litígios decorrentes directamente do Contrato Quadro, autonomamente considerado, e, quando muito, numa interpretação ampla da convenção arbitral, também aos litígios decorrentes de operações financeiras em que se discutam matérias que integram a disciplina do Contrato Quadro igualmente aplicável a tais operações (maxime as vertidas nas cláusulas 5.ª a 17.ª).

    VI.

    O Contrato Quadro tem organização e sistematização próprias, sendo possível vislumbrar no mesmo uma certa segmentação ou divisão, procurando nuns segmentos regular-se os aspectos comuns ao Contrato Quadro e às chamadas operações financeiras (cláusulas 1.ª à 4.ª), noutros, apenas os aspectos específicos das operações financeiras (cláusulas 5.ª à 17.ª), e ainda noutros segmentos, os aspectos específicos do Contrato Quadro (cláusula 18.ª à 41.ª), entre os quais a escolha do foro competente para dirimir os “diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato” (leia-se o Contrato Quadro).

  5. O Contrato Quadro é, por tudo isto, autónomo das operações financeiras que visa enquadrar. Produz, como tal, efeitos directos e imediatos, independentemente da contratação de qualquer operação, e gera direitos accionáveis contenciosamente, se necessário.

  6. Atendendo ao pedido e à causa de pedir formulados nos autos – entre os quais a declaração de invalidade do swap (nos termos do artigo 1245.º do CC ou noutros que o tribunal considere aplicáveis) e a imputação de responsabilidade da Ré (por violação de deveres de informação pré-contratuais), constata-se que a apreciação e decisão destas questões jurídicas, eminentemente de direito privado civil, convoca a aplicação de normas gerais do Código Civil que nada têm a ver com disciplina especial do Contrato Quadro – do qual a Recorrente não se pretende sequer aproveitar – e que são, salvo convenção em contrário, da exclusiva competência dos Tribunais Judiciais, nos termos do art. 64.º do CPC (cfr. citado Ac. TRG de 08/03/2012, proc. 1387/11.5TBBCL-B.G1).

  7. O objecto da presente lide – pelo menos na parte em que se joga a invalidade do contrato swap e se discute o aludido direito à indemnização da Autora, nos moldes configurados na acção – não está, clara e inequivocamente, coberto pela convenção de arbitragem assinalada.

  8. Uma vez que a patente e manifesta inaplicabilidade da convenção de arbitragem é perceptível num juízo perfunctório, o tribunal judicial pode declará-la e, consequentemente, julgar improcedente a excepção de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, sem com isso pôr em causa o princípio da competência - competência 5.

  9. De resto, havendo incerteza quanto à vontade real das partes na celebração da convenção, sempre a cláusula respectiva deve ser interpretada à luz da teoria da impressão do destinatário (art. 236.º, n.º 1 do CPC), de acordo com a qual chega-se também a resultado idêntico: mesmo para um declaratário normal, na posição da Recorrente, os diferendos relacionados com a validade de operações financeiras futuras ou com a violação de deveres não plasmados no texto do Contrato Quadro estariam fora da convenção.

  10. Passemos agora a apreciar a questão da inoponibilidade da convenção em função da situação superveniente de insuficiência económica da Recorrente.

  11. “Mostra-se posicionamento pacífico considerar que a superveniência de uma situação de insuficiência económica que impossibilite uma das partes de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem, constituirá causa legítima de incumprimento da convenção” e que “quando uma das partes, sem culpa sua, deixa de ter meios de custear as despesas relativas à arbitragem, não pode ficar impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pois estar-se-ia a denegar justiça por insuficiência de meios económicos (o que a Lei Fundamental, como vimos, não permite), pelo que a obrigação de recorrer à arbitragem se extingue relativamente a ela – cfr. o Ac. STJ de 18/01/2000, proc. 99A1015, e o Ac. TRL de 02/11/2010, proc. 454/09.0TVLSB.L1-7, sublinhado nosso.

  12. No caso dos autos, já depois de celebrar a convenção de arbitragem e pelos motivos descritos nos arts. 40.º a 52.º da p.i., a Recorrente viu-se a braços com uma degradação da sua situação económica, que não lhe é imputável, e que a impossibilita de custear as despesas de arbitragem. A situação agravou-se de tal forma que, por despacho judicial de 20/03/2005, foi admitida a PER (cfr. Documento 1 junto com este recurso), facto superveniente que a Relação não poderá deixar de ter em linha de conta na decisão que proferir.

  13. A admissão ao PER determinou uma alteração ope legis do estatuto jurídico da Recorrente, garantindo-lhe, para além do mais, de forma imediata e directa, a isenção total de custas judiciais no acesso aos tribunais (artigo do 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP), situação de que já tirou proveito nesta apelação mas que, obviamente, não a poderá beneficiar na instância arbitral que, reconhecidamente e sem necessidade de comprovação adicional, será muito mais dispendiosa neste caso.

    XVI.

    Os elementos fácticos evidenciados nos autos (designadamente os Documentos 3, 4, 5 e 6 da p.i., e o Documento 1 agora junto) espelham bem a débil realidade económica e financeira da Recorrente e permitem à Relação, por um lado, inferir, ao abrigo da prerrogativa que lhe assiste nos termos do art. 662.º do CPC, a concomitante incapacidade de esta suportar as despesas inerentes à via arbitral e, por outro, em consequência, julgar extinta a obrigação de recorrer à arbitragem ou – caso a Relação entenda que não dispõe ainda de elementos suficientes para fixar a matéria de facto caracterizadora da situação económica da Recorrente – anular a decisão recorrida e mandar baixar os autos à 1.ª instância para que aí sejam seleccionados os correspondentes factos, a constarem de base instrutória, e sobre eles produzida prova, tudo nos termos do art. 662.º, n.º 2 do CPC..

    XVII.

    A impossibilidade de custear as despesas relativas à arbitragem acarreta, nos termos do art. 790.º, n.º 1, do CC, uma extinção da obrigação de recorrer à arbitragem, fundada na impossibilidade do seu cumprimento por causa não imputável ao devedor, o que permite julgar, desde logo, improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, sem que para tal haja necessidade de desaplicar a norma contida no art. 577.º, alínea a) do CPC em função de um...

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