Acórdão nº 4/01.6GDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA BRANCO
Data da Resolução24 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. No âmbito do Processo Abreviado n.º 4/01.6GDLSB da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra – Instância Local – Secção Criminal – Juiz 3, o arguido LL...

, não se conformando com o despacho judicial, proferido em 21-01-2015, que revogou a suspensão da execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão em que havia sido condenado, veio dele interpor o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «A - O presente recurso tem como objecto o Douto Despacho de revogação da suspensão da pena de prisão em que o recorrente foi condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução pelo período de cinco anos; B – As concretas controvérsias centrais ou questões a dirimir são: - A audição do arguido sem a presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, e sem avaliação da existência de incumprimento de deveres de conduta; - Fundamentação da revogação da suspensão da pena; C - No Douto despacho proferido, com o devido respeito, consta erradamente, certamente por lapso de escrita, que o arguido foi condenado por um “crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º nº 1 do CP.”, o que se pode comprovar, designadamente pela acusação e pelo registo criminal do arguido.

D – O M.P., pronunciou-se pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

E - O Tribunal recorrido não observou o estipulado no artº 495º nº 2, só devendo decidir para efeitos de revogação ou não da pena de prisão, depois da obrigatória recolha de prova nesse sentido, o que não cuidou fazer, e ouviu o arguido sem a presença do técnico de reinserção que o apoiou, tal como exige o mesmo preceito legal.

F - O Tribunal limita-se a afirmar que o arguido nada fez para tirar a carta de condução: “... não nos permitindo, sequer, o documento que juntou, supor que o mesmo venha agora, junto do E.P., tirar a carta de condução, faculdade que, aliás, lhe foi já concedida, no âmbito de regimes probatórios aplicado nas penas a que acima se alude, sem sucesso....", sem sequer ter ouvido a Técnica Sra. Mónica Lopes, técnica superior de reeducação, que acompanha o arguido no Estabelecimento Prisional da Guarda onde o mesmo se encontra detido, e poderia esclarecer as várias diligências feitas através das parcerias existentes entre o Estabelecimento Prisional da Guarda e escolas de Condução da região.

G - Ainda assim, sem querer saber dos motivos que estiveram na base da sua conduta nem qualquer consideração pelo comportamento posterior do arguido, sem efectuar a devida e suficiente recolha de prova através da DGRS e das outras entidades oficiais vocacionadas para tal, o Tribunal recorrido profere despacho com clara insuficiência de fundamentação, e contrário ao parecer do MP.

H - A suspensão da pena de prisão traduz uma filosofia jurídico-penal assente num princípio de subsidiariedade da pena privativa de liberdade e que pressupõe, no momento da decisão, um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, pelo que, o juiz deverá verificar se foi definitivamente infirmado o juízo de prognose que justificou a suspensão da execução da pena.

I - De acordo com o art° 56º n° 1 al.b) a suspensão da execução da pena é revogada sempre que durante o seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam ser alcançadas. Não basta o cometimento de um crime durante a suspensão para a sua revogação, antes é necessário que o comportamento criminoso evidencia de modo inequívoco que o condenado não é merecedor do juízo de prognose positiva em que se baseou a aplicação da suspensão da execução da pena e, se se revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão já não poderão por meio desta, ser alcançadas, ou se nascesse ali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão e tal como refere o M.P. na sua promoção: “a revogação da suspensão da pena assume um carácter de cláusula de ultima ratio" (Figueiredo Dias - As consequências jurídicas do crime) e Ac. TRLisboa 16/01/2006.

J - No despacho recorrido, o tribunal a quo, invocando o artº 56º nº 1 do CP, revogou a suspensão com os seguintes fundamentos: “o arguido infringiu grosseiramente os deveres de conduta que se pretendiam impor com a pena em que foi condenado, tendo demonstrado total insensibilidade à pena decretada nestes autos, desvirtuando as finalidades que, com ela, se visariam alcançar, pois que, no período da suspensão da execução desta pena de prisão, foi condenado pela prática de 2 crimes de condução sem habilitação legal” L - Fundamenta que a simples prática de crimes da mesma natureza durante o período de suspensão é suficiente para a revogação, sem recolher elementos probatórios para além da audição do arguido sem a presença de um técnico como impõe o n° 2 do art° 495º do CP, é por si só suficiente para a revogação da suspensão.

M - As alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do CP, são 2 situações distintas que como tal têm de ser analisadas, e com todo o respeito, no despacho recorrido, essa análise e distinção não é feita e parece extrair-se uma como consequência da outra, neste sentido Ac. do TRCoimbra de 11-05-2011, N - O tribunal a quo limitou-se a revogar a suspensão com base na infracção grosseira de deveres de conduta, porque cometeu dois crimes da mesma natureza durante o período de suspensão, sem fazer uma avaliação e recolha de elementos e provas necessárias e suficientes para declarar a alegada infracção grosseira e sem explicar em que medida o cometimento dos crimes é revelador da “falência total da prognose positiva que esteve na base da sua aplicação”, Ac. TRCoimbra de 11-05-2011.

O - O tribunal não estava por isso na posse de todos os elementos necessários para poder ajuizar e fundamentar a revogação ou não revogação, pelo que se lhe impõe um esforço no sentido de averiguar o quadro factual em que foi aplicada a pena suspensa, e os crimes praticados nesse período, bem como as circunstâncias envolventes e o impacto da prática dos mesmos na finalidade da suspensão, e ainda assegurar a presença do técnico na audição do arguido, que nem sequer foi convocado.

P - O arguido tem 64 anos de idade, e tem como habilitações literárias a 4ª classe tirada em adulto, com algumas dificuldades em expressar-se, pelo que, a simples audição do mesmo, muito embora devidamente representado, não é suficiente sem a presença do técnico, que apoia e fiscaliza as condições de suspensão, pois há que fazer prova da violação das condições e da sua gravidade e amplitude.

Q- Poderia dar-se o caso de não ser necessário a audição do arguido, mas se, o tribunal assim o entendeu teria de ser feita na presença do técnico, o que traduz uma violação da lei.

R- O Despacho recorrido viola os art.°s 55º do CP e 495º nº 2 do CPP, bem como os art°s 1º, 9º, 27º, 29º e 30º da CRP, uma vez que existiu preterição de formalidades probatórias, essenciais no exercício da defesa, bem como violação do P. da legalidade, artºs 1º e 40º do CP., devendo ser revogado, carecendo de total fundamentação.

Nestes termos e nos demais de direito, atentos os fundamentos e conclusões invocados devem os Venerandos Desembargadores dar provimento ao presente Recurso e revogar o Douto despacho que deverá ser precedido das formalidades e diligências necessárias e não observadas nem realizadas, a avaliar se se mostra definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da pena.» 2. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 643.

  1. Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, nos termos do articulado de fls. 647648, concluindo: «Dir-se-á, pois, que não nos repugna que se dê provimento ao recurso ora interposto, alterando-se a douta decisão recorrida, na parte em que não prorrogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

    V. Ex.ªs, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!» 4. Nesta Relação, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, conforme consta de fls. 656-661, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

  2. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, apresentou o recorrente o articulado de fls. 663-664, no qual conclui pela procedência do recurso com a alteração da decisão recorrida e, em alternativa à sua revogação, pela manutenção da suspensão da execução da pena, eventualmente prorrogada.

  3. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    * II. Fundamentação 1.

    Delimitação do objecto do recurso Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimitam o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

    As questões que o recorrente suscita prendem-se, em primeiro lugar, com a alegada inobservância, por parte do Tribunal, do disposto no art. 495.º, n.º 2, do CP, antes de proferir o despacho que determinou a revogação da suspensão da execução da pena em que havia sido condenado e, em segundo lugar, com o mérito desta decisão, que entende dever ser revogada, por inexistência de fundamento que a sustente.

    * 2. Da decisão recorrida É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição): «Nestes autos, foi LL... condenado, por sentença regularmente transitada em julgado em 28.11.2006, em cúmulo jurídico, na pena única cumulada de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução pelo período de cinco anos e em 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, n.° s 1 e 2 do D.L. 2/98, de 3 de Janeiro, e por um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231.°, n.° 1 do Código Penal.

    Terminado o período da suspensão da...

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