Acórdão nº 279/14.0PLSNT.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Setembro de 2015
Magistrado Responsável | VASCO FREITAS |
Data da Resolução | 16 de Setembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Instancia Local de Sintra - Secção Criminal - Juiz 1, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido A.T.S., devidamente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-lo, pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. nas alíneas b) e c) do n.º 1 e nos n.ºs 4 e 5 do artigo 152 do Código Penal, na pena principal de 550 dias de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de obrigação de frequência de programa especifico de prevenção da violência doméstica, a cumprir no prazo máximo de 9 meses.
Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que o absolva do crimes por que foi condenado, para o que apresentou as seguintes conclusões:
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O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos porquanto, atenta a factualidade dada como provada na sentença sob recurso, verifica-se que o Tribunal a quo errou na subsunção dos factos ao direito.
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O bem jurídico protegido pela norma do art. ° 152. ° n. ° 1, do Código Penal, sob a epígrafe "Violência doméstica", é a saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser atingido por uma multiplicidade de comportamentos.
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Por esta incriminação são apenas puníveis as condutas violentas (de índole física, psicológica, verbal e/ou sexual) dirigidas a uma pessoa que, no domínio de uma determinada relação, surge subordinada à outra pessoa que, participante nessa relação, assume uma posição tal que exerce, de forma ilegítima, um poder/domínio sobre a vida, a integridade física, a liberdade, a honra, etc, do outro.
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Atentos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica, perante comportamento ofensivo da honra, consideração e/ou integridade física, importará aferir se existe reiteração, ou se, tratando-se de um acto isolado, o mesmo o foi com uma intensidade tal e em circunstâncias tais que permitam concluir que, igualmente, foi afectada a integridade pessoal do outro, a sua dignidade enquanto pessoa humana ou o livre desenvolvimento da sua personalidade, e tal, terá de ser casuisticamente determinado.
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Da factualidade dada como provada na sentença recorrida, resulta que a conduta do Arguido se circunscreveu num único dia, foi levada a cabo por telefone e não atinge uma gravidade tal que revele que o Arguido e ora Recorrente, enquanto elemento da relação, assumia para com S.P. Pereira, na data da prática dos factos, uma posição de poder/domínio sobre o outro que, em última instância, é "coisifícado".
F) Não é por o Arguido ter escrito mensagens, contendo palavras e expressões ameaçadoras e injuriosas, dirigidas a S.P., mãe da sua filha, (transcritas em 3) dos Factos Provados), na data em que ambos partilhavam mesa, cama e habitação que, imediatamente, se mostra preenchida a previsão do crime de violência doméstica, do artigo 152. °, n. ° 1, do Código Penal.
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O Tribunal a quo deu ao disposto no art. ° 152. °, n. ° 1, do Código Penal, uma interpretação redutora e que não respeita a ratio daquele preceito legal.
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Atenta a interpretação e a aplicação que o Tribunal a quo deu, na sentença recorrida, ao disposto no art. ° 152. °, n. ° 1, do Código Penal, existindo entre o agressor e a vítima uma relação análoga à dos cônjuges e/ou filhos em comum, seriam sempre inaplicáveis as previsões dos crimes de injúria ou de ameaça, por exemplo; sendo imediata e necessariamente aplicável, ao caso, a previsão do crime de violência doméstica.
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Ora, os factos dados como provados na sentença recorrida não revelam, nem sequer tenuemente, o exercício por parte do Arguido de uma dominação e prevalência sobre a pessoa de S.P. Pereira; nem uma correlativa vivência, por parte desta, de medo, de tensão e de subjugação, idónea a afectar-lhe a saúde, no caso concreto, o seu bem-estar psíquico e a sua dignidade humana, bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora do art. ° 152. ° do Código Penal.
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Assim, perante tal, e tendo presente o tipo legal de crime de violência domestica - art.° 152.° do Código Penal - resulta que a factualidade considerada provada pelo Tribunal a quo não preenche o tipo objectivo do ilícito criminal de violência doméstica, por cuja prática o Arguido foi condenado.
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Quanto à possibilidade de integração do crime de injúria simples, p. e p. pelos arts. 181.°, n.° 1 e 182.°, ambos do Código Penal, há a assina/ar que o procedimento criminal está dependente de queixa e de acusação particular (arts. 188. °, n. ° 1, do Código Penal e 50. °, do Código de Processo Penal). Ora, a ofendida não se constituiu assistente nem formulou acusação particular - pelo que o Tribunal ad quem não pode conhecer de tais factos.
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Já quanto à possibilidade de integração do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.°, n.° 1 e 155.°, n.° 1, alínea a), ambos do Código Penal, verificamos que o teor das mensagens enviadas pelo Arguido a S.P. , transcritas em 3) dos Factos Provados, não integram a previsão da norma do art. ° 153. ° do Código Penal, uma vez que a ameaça tem como requisito que o mal ameaçado não possa ser iminente, mas tenha que ser um mal futuro e as expressões: "(...) to a cminho dai vo ti matar hj juro" (em 3) alínea b) dos Factos Provados) e "s n vo ti matar hj juro (...) s n ti aleijar hj q eu morra" (em 3) alíneas c) e d) dos Factos Provados), são expressões de absoluto presente e não admitem qualquer interpretação de ameaça para o futuro.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se, em consequência, o Recorrente da prática de qualquer ilícito penal, Como é de JUSTIÇA! * O recurso foi admitido.
* Na sua resposta, o MºP defendeu a improcedência do recurso e a confirmação integral da sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos: 1. O arguido, ora recorrente, alega erro na subsunção dos factos ao direito e subsidiariamente, a não subsunção dos factos ao crime de ameaça na forma agravada; 2. Não concordamos com a argumentação constante do recurso, entendendo que deve manter-se integralmente a sentença proferida porque se encontram verificados os requisitos do artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), n.º s 4 e 5 do Código Penal; 3. Uma vez que, em 18 de Fevereiro de 2014, o arguido e a ofendida, partilhavam cama, mesa e habitação, tendo dessa relação uma filha em comum, de nome M.; 4. Nos autos, foram provados factos passíveis de integrar o conceito de “maus tratos psíquicos”; 5. E não se avance que a conduta do ora recorrente, foi pontual, porque se atentarmos no conteúdo das mensagens enviadas resulta das mesmas expressões como: “(…) to a cminho dai vo ti matar hj juro” e “Vo prefiro morrer hoje a vos deixar com ela nem que vamos os dois pra d baixo do comboio”.
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Expressões ameaçadoras dirigidas à ofendida, que à data ainda vivia com ele em condições análogas às dos cônjuges, referindo-se inclusive à filha de ambos, dizendo que prefere que acabem os dois debaixo do comboio, a deixar a menina com a mãe.
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Assim, mesmo que nos autos não tenha ficado demostrada a reiteração da conduta, os factos assentes são já reveladores de um comportamento violento capaz de ofender a dignidade pessoal da ofendida.
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Pelo que deverá manter-se a condenação pela prática do crime de violência doméstica; 9. Ou, caso assim não se entenda, condenar o arguido pela prática do crime de ameaça, na forma agravada, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 153.º, n.º 1 e...
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