Acórdão nº 2879/15.2T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelPAULA SANTOS
Data da Resolução19 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

I– Relatório: AAA instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “BBB, Lda”, opondo-se ao despedimento promovido pela Ré.

*** Teve lugar a audiência de partes e, gorada a conciliação, foi a Ré notificada para apresentar o articulado de motivação do despedimento.

*** A Ré apresentou o referido articulado, alegando, em suma, que o Autor, ao seu serviço com a categoria profissional de ‘pescador’ / ‘trabalhador de terra’, praticou um conjunto de actos violadores dos deveres laborais de urbanidade e probidade, zelo e diligência, obediência, lealdade e promoção de actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, para além do dever geral de boa fé, transmitindo aos seus colegas, com falsidade, e com o propósito de criar um clima de instabilidade na empresa, que a empregadora estava a entregar, em conjunto com os recibos de vencimento, uma declaração de cessação do contrato de trabalho, de forma a que os mesmos pudessem ser despedidos sem justificação (em 21 de Maio de 2015), largando o seu posto de trabalho para intervir numa altercação de terceiros, ocorrida junto às instalações da empresa (em 28 de Maio seguinte), tratando de assuntos pessoais (arranjo do pescado integrante do seu quinhão), quer no horário de trabalho, quer no interior da instalações da empresa (em 30 de Julho seguinte), desobedecendo às ordens que lhe foram dadas, recusando-se a assegurar o serviço de ‘tarefa’ (em 4 e 6 de Agosto seguinte), e desobedecendo, uma vez mais, às ordens que lhe foram dirigidas, permanecendo junto ao armazém e à embarcação, não obstante lhe ter sido transmitido para se manter afastado das instalações até novas ordens (em 13 de Agosto seguinte). Conclui a Ré pela existência de justa causa para o despedimento, em circunstâncias que tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência desta relação laboral. Pede a improcedência da pretensão do Autor, com a declaração de regularidade e licitude do despedimento.

Conclui pela improcedência da presente acção.

*** O Autor apresentou contestação, não só invocando uma eventual falta de junção do procedimento disciplinar por parte da empregadora, com a consequente nulidade do despedimento, como também alegando, em síntese, que os factos em causa, ou não ocorreram, ou não configuram a prática de infracção disciplinar, pelo menos com gravidade suficiente para motivar o despedimento com justa causa. Pede o Autor a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação da Ré no pagamento das retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, de uma indemnização em substituição da reintegração, da retribuição do período de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal vencidos entre os anos de 1997 e 2015 (sendo a retribuição do período de férias paga no valor correspondente ao triplo, por violação culposa do direito a férias), tudo com acréscimo de juros de mora, calculados à taxa legal.

*** A Ré respondeu às matérias de excepção e reconvenção alegadas pelo Autor no seu articulado, pugnando pela sua improcedência.

*** O Tribunal dispensou a realização da audiência preliminar, e a enunciação dos temas da prova.

*** Foi elaborado despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.

*** Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.

*** A sentença julgou “a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: a)-declara ilícito o despedimento do Autor, AAA realizado pela Ré, BBB, Lda.; b)-condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 7014,57, a título de compensação, calculada desde o despedimento até à presente data, com acréscimo das retribuições que vierem a vencer-se desde agora até ao trânsito em julgado da sentença (sem prejuízo do eventual desconto ao abrigo do disposto no art. 390º, nº 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho); c)-condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10793,18, a título de indemnização em substituição da reintegração, com acréscimo da indemnização que vier a vencer-se desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, a ser calculada nos mesmos termos; d)-condena a Ré a pagar ao Autor a quantia correspondente à retribuição do período de férias vencidas nos anos de 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 (a apurar mediante incidente de liquidação); e)-condena a Ré a pagar ao Autor a quantia correspondente ao subsídio de Natal vencido nos anos de 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 (a apurar mediante incidente de liquidação); f)-condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3041,00, a título de retribuição do período de férias vencidas nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015; g)-condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 946,00, a título de subsídio de Natal vencido nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (já com a dedução das quantias entregues pela Ré por conta desta prestação retributiva); h)-condena a Ré a pagar ao Autor os juros de mora devidos sobre as prestações acima fixadas, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento; i)-absolve a Ré do que mais foi peticionado pelo Autor.

* Custas a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento.” *** Inconformada, a Ré interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que “1)–O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.

(…) *** O Autor contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

*** O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*** Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir *** II– Objecto.

Nos termos do disposto nos art 635º nº 4 e 639º nº1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ao caso ex vi do art. 1º, nº 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

No presente caso, atendendo ao teor das conclusões, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes -se o tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto, quanto à matéria impugnada; -se ocorre justa causa para o despedimento do Autor; -se o tribunal a quo errou ao condenar a Ré nos créditos mencionados na sentença.

*** III– Fundamentação de Facto.

São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância 1.

–Em data não concretamente determinada do ano de 1997, (AAA) ajustou com (BBB), de forma verbal, um acordo ao abrigo do qual o Autor prestava, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização deste último, mediante uma retribuição, as funções de ‘pescador’ / ‘preparador de artes de pesca’.

  1. –Sendo esta retribuição variável, de acordo com a captura de peixe e suas vendas.

  2. –Com a atribuição, para o pagamento dos funcionários, de uma percentagem superior face à que é atribuída ao armador.

  3. –Ainda de acordo com o ajustado, o Autor iniciava as suas funções às 08:00 horas, saindo às 17:00 horas, com interrupção para almoço das 12:00 às 13:00 horas, de segunda a sexta-feira.

  4. –À margem do descrito no número anterior, com a chegada da embarcação a terra, após a ‘descarga do pescado’, os funcionários da Ré eram dispensados das suas funções, apresentando-se, de novo, no dia de saída do barco para o mar.

  5. –No dia de saída do barco para o mar, os funcionários da Ré que estivessem ao serviço no armazém apenas prestavam funções no período da manhã.

  6. –Em Janeiro de 2014, foi constituída a sociedade BBB, Lda., sendo (…) seu único sócio gerente.

  7. –Desde Fevereiro de 2014, o Autor passou a exercer as suas funções nos termos definidos nos números anteriores, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.

  8. –Esta sociedade explora a actividade de pesca da embarcação “…”.

  9. –Em data não concretamente determinada de Maio de 2015, mas anterior ao dia 21, o sócio gerente da Ré reuniu-se com os seus funcionários, comunicando-lhes que era sua intenção dedicar-se a um outro tipo de pesca e ter todos os seus funcionários a prestar serviço a bordo da embarcação; 11.

    –Mais lhes dirigiu, pelo menos, a seguinte expressão: “quem quisesse poderia ir, quem não quisesse…”.

  10. –Ainda em data não concretamente determinada de Maio de 2015, mas anterior ao dia 21, a Ré apresentou ao Autor um escrito com o seguinte teor: “Cessação contrato de trabalho Eu (…) na qualidade de trabalhador da embarcação (…), vem pela presente declarar que a partir da presente data, e por mútuo acordo com a entidade patronal, cessam as minhas funções na referida embarcação. Mais declara para os devidos e legais efeitos tidos por convenientes, que se encontram todas as minhas contas saltadas com a entidade patronal, nada mais tendo a reclamar ou a haver desta”.

  11. –O Autor, na altura, recusou-se a assinar este escrito.

  12. –No dia 21 de Maio de 2015, durante uma descarga da embarcação, o Autor abordou (…), (…), (…) e (…), funcionários da Ré, com funções em tal embarcação.

  13. –Disse-lhes o Autor que havia recebido, da parte da Ré, um ‘documento de cessação do contrato’.

  14. –Perguntando-lhes ‘se haviam recebido o mesmo’, e afirmando que, com esse ‘documento’, a Ré podia ‘mandá-los embora’.

  15. –Na viagem seguinte, a bordo da embarcação, o descrito nos números anteriores foi falado entre alguns dos pescadores / funcionários da Ré, comentando-se entre eles que ‘o patrão os iria despedir a todos’.

  16. –O descrito no número anterior gerou desconfiança e desconforto entre alguns dos pescadores / funcionários da Ré, e entre estes e a Ré.

  17. –A partir de então, o sócio gerente da Ré determinou que o Autor deixasse de fazer a ‘descarga do pescado’.

  18. –Passando o mesmo, nesses...

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