Acórdão nº 6337/10.3TDLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelA. AUGUSTO LOUREN
Data da Resolução26 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO No âmbito do processo nº 6337/10.3TDLSB, que correu termos na Secção Criminal da Instância Local de Lisboa, foram os arguidos, Nuno M… S… M…, João P… P… e Rui M… G… julgados pelo crime de manipulação de mercado, previsto e punido pelo artº 379º, nº 1 e 2 do Código de Mercado de Valores Imobiliário, tendo sido proferida a seguinte decisão: - «Em face do exposto julgo parcialmente procedente a pronúncia e consequentemente decido a) Absolver o arguido Nuno M… da prática em co-autoria de um crime de manipulação de mercado, previsto e punido pelo art.º379º, n.º1 e 2 do Código de Mercado de Valores Imobiliário b) Condenar o arguido João P… pela prática em co-autoria de um crime de manipulação de mercado previsto e punido pelo artº 379º, nº 1 e 2 do Código de Mercado de Valores Imobiliário na pena de 280 dias de multa à taxa diária de € 60,00, num total de € 16,800,00.

c) Condenar o arguido Rui G… pela prática em co-autoria de um crime de manipulação de mercado previsto e punido pelo artº 379º, nº 1 e 2 do Código de Mercado de Valores Imobiliário na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 55,00, num total de € 16.500,00.

d) Condenar os arguidos João P… e Rui G… nos termos do disposto no artº 38º, alíneas a) e b) do Código de Mercado de Valores Mobiliários nas penas acessórias de: - Interdição temporária do exercício de profissão, actividade ou funções relacionadas com o crime cometido, incluindo inibição do exercício de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização e, em geral, de representação de quaisquer intermediários financeiros, no âmbito de alguma ou de todas as actividades de intermediação em valores mobiliários ou em outros instrumentos financeiros, por um prazo de um ano.

- Publicação da presente sentença condenatória a expensas dos arguidos em locais idóneos para o cumprimento das finalidades de prevenção geral do sistema jurídico e da protecção do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros.

e) Condenar os arguidos Rui G… e João P… no pagamento cada um de oito UCs de taxa de justiça (artºs 513º do cód. procº penal e artº 8º, nº 5 e tabela III, do Regulamento das custas processuais aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Notifique. Comunique à DSICC e à CMVM».

* Inconformados com a sentença, vieram os arguidos, João P… e Rui G… a recorrer nos termos de fls. 2243 a 2468, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. «O presente recurso vem interposto da Sentença do Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Local, Secção Criminal, J11, proferida em 07.10.2016, nos termos da qual P… P… e R… G… foram condenados pela prática em co-autoria de um crime de manipulação de mercado, respetivamente em 280 e 300 dias de multa e nas penas acessórias de interdição de exercício de profissão, atividade e função pelo período de um ano e de publicação da Sentença condenatória.

2. Os Arguidos não se conformam com a decisão porque são inocentes, apelando a V. Exas. que, despidos de preconceitos ou ideias pré-formadas sobre o tipo de crime em causa nos autos, reconheçam essa inocência.

3. Em resumo: (i) A F&C decidiu reforçar a sua posição em SAG, aumentando o volume de ações detidas dessa empresa nos Fundos sob sua gestão, da MBCP GA, decisão que se baseou em análises internas e externas; (ii) nessa sequência, e para cumprir este objetivo, teriam de ser – como foram – adquiridas cerca de € 1.000.000 de ações em bolsa; (iii) a condenação dos Arguidos baseia-se no modo como foram adquiridas as ações nas diversas sessões de bolsa; (iv) o responsável por transmitir as ordens em causa em bolsa era o Arguido Rui G…; (v) todas as ordens de Rui G. foram lícitas, regulares e normais, enquadrando-se em todos e nos únicos tipos de ordens admitidos no Regulamento Euronext e pela CMVM, i. e., foram dadas ordens na sessão em contínuo no leilão, de pequenas quantidades, de médias quantidades e de maiores quantidades, com limite de preço e ao mercado, faseadas e não faseadas; (vi) as consequências das ordens no preço da cotação do título foram a subida, a descida e a manutenção do preço; (vii) as ordens foram dadas com prudência, de forma faseada e para não chamar demasiado a atenção dos vendedores e o preço subir muito; (viii) as ordens foram sempre dadas ao preço mais baixo que, no momento em que estavam a ser transmitidas, permitia comprar a quantidade desejada; (ix) o valor da cotação subiu pouco entre janeiro e setembro outubro de 2009 que foi o período em que as ações foram adquiridas e subiu muito no período seguinte, em que não houve intervenção da F & C; (x) as ordens em causa não alteraram o regular funcionamento do mercado, o que não significa que não tivessem provocado alguma subida na cotação, o que acontece sempre que se compra um título, em especial com pouca liquidez (e, portanto, em que há menos quantidade de ações à venda); (xi) o Arguido P… P… não pode ser condenado porquanto a si não cabia transmitir ordens e não ficou provado que o tivesse feito, sendo que Rui G… tinha autonomia para colocar as ordens junto do respetivo broker que as executava.

4. Não se admite que os factos e a prova deste caso sejam analisados utilizando-se o pretexto de que só é possível provar este tipo de crimes por prova indireta ou por presunções e deduções ao contrário dos demais, já que tal asserção corresponde a tratar desigualmente os Arguidos em situações que são iguais: em todos os casos de crimes estão em causa penas criminais que mexem com os Direitos, Liberdades e Garantias intocáveis no Estado de Direito.

5. Importa, por isso, rejeitar o que se refere na Sentença quanto à suposta dificuldade de obter prova do crime ou à alegada prática dos factos de forma oculta, já que, desde logo, e ao contrário da maioria dos crimes, prova existe muitíssima, como pode verificar-se pela que consta destes autos.

I.

VIOLAÇÃO DE REGRAS DE DIREITO PROBATÓRIO I.1. Prova Por Presunção 6. O Tribunal a quo, ao servir-se da prova por presunção exclusivamente em função do tipo de crime em causa para justificar a condenação dos Arguidos nos termos em que o fez violou os artigos 125.º e 127.º do CPP e 349.º do Código Civil, bem como (i) os direitos de acesso à justiça e a um processo justo e equitativo, previstos nos artigos 2.º, 20.º n.ºs 1, 4 e 5 e 32.º n.º 1 da CRP e 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; (ii) o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º n.º 2 da CRP e 6.º n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; e (iii) o princípio da igualdade, conforme previsto nos artigos 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 13.º n.º 1 da CRP.

7. É inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º n.º 2 da CRP, a norma correspondente aos artigos 125.º e 127.º do CPP e 349.º do Código Civil na interpretação de que a prova por presunção pode ser aplicada por tipos de crime, indiscriminadamente e sem se atender ao caso concreto, introduzindo no processo penal o conceito de ónus da prova em desfavor dos arguidos.

8. É inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, a norma correspondente aos artigos 125.º e 127.º do CPP e 349.º do Código Civil na interpretação de que os Direitos, Liberdades e Garantias processuais dos cidadãos podem ser restringidos em função do tipo de crime.

I.2. Violação das Regras Aplicáveis à Prova Testemunhal 9. O Tribunal violou os artigos 128.º e 129.º do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 348.º n.º 1 do CPP, ao ter considerado o depoimento da testemunha Rita Correia como meio de prova válido e ter fundamentado a condenação nesse meio de prova indireto, fora dos casos legalmente admissíveis.

10. O Tribunal violou ainda os artigos 130.º e 348.º do CPP ao admitir – e fundamentar a Sentença – em convicções pessoais (e parciais) da testemunha Rita Correia, quando a testemunha não teve conhecimento dos factos e não demonstrou especiais conhecimentos sobre a matéria em causa, tendo demonstrado em audiência uma atitude enviesada e incondicionalmente pró-acusação.

I.3 (Des)Valor do Relatório Da CMVM e a Prova Produzida em Audiência 11. O Tribunal valorou incorretamente, e em violação do disposto nos artigos 164º nº 1 e 127º nº 1 do CPP, o “Relatório da CMVM” a fls. 3 a 23 dos autos como meio de prova (e, aparentemente, como prova pericial), quando tal documento se reporta à Participação Criminal apresentada pela CMVM e que deu origem ao processo, não constituindo meio de prova nos autos.

12. Admitindo que a referência ao Relatório da CMVM seja feita para o documento de fls. 3 a 104 do Apenso I aos autos (anexo à Participação constante de fls. 3 a 23 mencionada pelo Tribunal a quo), o mesmo não pode fundamentar a prova dos factos nele relatados, porquanto tal viola o disposto nos artigos 125º, 127º, 128º, 129º, 163º e 164º nº 1 do CPP, uma vez que o Relatório (i) apenas é apto a demonstrar qual a opinião da CMVM, (ii) é, por definição, indiciário (por ser anexo à Participação que dá origem ao processo) e, como tal, necessita de comprovação ulterior, (iii) não constitui prova pericial e, se constituísse, ficaram em audiência evidenciados os pressupostos que permitiriam ao Tribunal a quo afastar o juízo técnico constante do mesmo.

II.

NULIDADE DA SENTENÇA – A CONDENAÇÃO DO ARGUIDO P… P… POR ALTERAÇÃO DE FACTOS NÃO AUTORIZADA 13. Ao expurgar da matéria de facto as referências ao Arguido Nuno M…, o Tribunal a quo imputou ao Arguido P… P… os factos provados na Sentença sob os n.ºs 105, 110, 140, 149, 155, 158, 163, 176, 182, 190, 198, 208, 218, 243, 250, 252, 258, 265, 269, 274, 284, 306, 326, 343, 383, relativamente aos quais não vinha acusado (ver, respetivamente, pontos 107, 113, 142, 151, 157, 160, 165, 178, 184, 192, 200, 210, 220, 245, 252, 254, 260, 267, 272, 276, 288, 310, 330, 347, 387 da Acusação...

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