Acórdão nº 546/17.1YRLSB-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução07 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: 1.

–O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa promoveu o cumprimento de mandado de detenção europeu para efeito de procedimento criminal, emitido pela autoridade judiciária da República Francesa contra o cidadão nacional do Sri Lanka, K…, nascido a 18 de Junho de 1979, natural de…, com último domicílio conhecido na Rua …, melhor identificado nos autos.

O requerido foi detido em 14 de Março de 2017, pelas 11h00, nas instalações do SEF, em Lisboa, por força da inserção no Sistema de Informação Schengen (SIS II) com o registo n.º 0006.02014471330000000000001.01.

  1. –Procedeu-se à audição a que se reporta o artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, com a comparência do requerido neste tribunal, o qual, após ser esclarecido sobre a existência e o conteúdo do mandado de detenção europeu, bem como sobre o direito que lhe assiste de se opor à execução, os termos em que o pode fazer e as consequências de um eventual consentimento e sobre a faculdade de renunciar ao princípio da especialidade, declarou não renunciar a este princípio e não consentir na sua entrega às autoridades de emissão. Pediu ainda prazo para apresentar, por escrito, a sua oposição, o que lhe foi concedido.

    Na mesma diligência foi determinado que o requerido aguardasse os ulteriores termos do MDE em detenção.

  2. –No prazo que lhe foi concedido, o requerido apresentou oposição ao mandado, alegando, em síntese: - os factos em causa são punidos pela lei penal portuguesa com o máximo de 5 anos de prisão ou pena de multa; - o detido encontra-se inserido profissionalmente em Portugal, desde pelo menos 17 de Dezembro de 2014, sendo proprietário de um estabelecimento comercial com negócio estável, de onde retira o seu sustento, paga os seus impostos e nunca praticou quaisquer crimes ou contra-ordenações em território nacional; - o detido requereu direito de asilo em Portugal, motivo por que qualquer medida “de deportação, ainda que provisória”, poderá questionar a sua segurança pessoal; - não se mostra necessária a sua “deportação”, sendo certo que se apresentará às autoridades francesas para responder em qualquer processo criminal que lhe seja instaurado.

    Termina dizendo que “vem o detido pugnar pela sua libertação, sem prejuízo de eventualmente lhe ser aplicada medida cautelar de cassação do seu passaporte até que seja dado cumprimento de apresentação a juízo nos tribunais franceses”.

    No dia anterior à apresentação da oposição, o requerido juntou aos autos diversos documentos, destinados a provar a sua “permanência em Portugal”.

  3. –Notificado da oposição, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela sua improcedência.

  4. –Foram produzidas alegações orais em que o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto sustentou se determinasse a execução do mandado de detenção europeu e o Ex.mo Mandatário do requerido reiterou os fundamentos enunciados na oposição deduzida.

  5. –Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

    *** II–Fundamentação.

  6. –Factos com relevo para a decisão (com base na prova documental junta aos autos): 1.–O mandado de detenção europeu que nestes autos se pretende executar foi emitido em 28 de Abril de 2016 por uma Procuradora da República junto do Tribunal de Grande Instância de Paris (Procureur de la République près le tribunal de grande instance de Paris), tendo por base mandado de captura, de 11 de Março de 2016 (Mandat d'arrêt décerné le 11 mars 2016), emitido por uma Juíza de Instrução do Tribunal de Grande Instância de Paris (Juge d'instruction au tribunal de grande instance de Paris).

  7. –O mandado de detenção europeu foi emitido para efeitos de procedimento criminal.

  8. –Reporta-se o mandado a factos ocorridos entre 1 de Janeiro 2014 e 2 de Junho de 2015, investigados sob a supervisão do juiz de instrução, investigação que “levou à detenção de nove pessoas por auxílio à entrada de estrangeiros em França em organização criminal. Essa rede conseguiu entre 2014 e 2015 passar ilegalmente muitos cidadãos cingaleses em França e em Inglaterra, com intermediários nomeadamente na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos, na Tailândia e em Itália. Os clandestinos viajam com passaportes falsificados e vistos Schengen e pagam cerca de 20 000 euros pela sua passagem. O Sr. K…. é um dos principais organizadores desta rede. As vigilâncias policiais, as escutas telefónicas, o estudo das transferências de dinheiro e a colaboração policial internacional permitiram estabelecer que o mesmo vende passaportes falsificados e vistos Schengen que permitem aos clandestinos entrar ilegalmente na Europa. Nomeadamente fez entrar clandestinos da India na Europa em troca de um valor de 19.000,00 euros, da Estónia para a França em troca de de 7.500,00 euros e tentou fazer passar clandestinos de Espanha para a França e de seguida para a Alemanha” (tradução em português do MDE).

  9. –Nos termos do mandado de detenção, os factos imputados ao requerido integram: -auxílio de entrada e estadia de estrangeiros em associação criminosa; -fornecimento de documentos administrativos falsos de forma continuada; -falsificação de documentos administrativos; -detenção de documentos administrativos falsos; -participação numa associação de malfeitores com vista a cometer esses rimes, ilícitos previstos e punidos pelos artigos L622-1, L622-3, L622-5, L622-6 e L622-7 do “code de l'entrée et du séjour des étrangers et du droit d'asile”, 132-72, 324-1, 324-2, 324-3, 324-4, 324-5, 324-6, 324-7, 324-8, 441-1, 441-2, 442-1, 442-5, 441-9, 441-10, 441-11,450-1, 450-3 e 450-5,do“code penal”.

  10. –Estes crimes são punidos com pena privativa de liberdade com a duração máxima de 10 anos de prisão, no caso do crime de auxílio de entrada e estadia de estrangeiros em associação criminosa (délit d'aide à l'entrée ou au séjour en bande organisée), e com pelo menos 5 anos de prisão no que toca aos relativos aos documentos administrativos falsos e seu uso (délits de faux documents administratifs et d'usage de faux documents administratifs).

  11. –O requerido obteve em Portugal documento provisório de identificação fiscal em 17 de Dezembro de 2014. Encontra-se inscrito na segurança social, com o n.º de identificação (...). Em 18 de Agosto de 2015, aderiu a um clube de fitness da área da sua residência.

  12. –O requerido explora um estabelecimento comercial – mercearia – em local que tomou de arrendamento por contrato com início em 1 de Fevereiro de 2016.

  13. –O requerido formulou pedido de protecção internacional, em 22 de Setembro de 2015, que deu origem ao Processo de Protecção Internacional n.º (…), que obteve em 4 de Dezembro de 2015 despacho de admissibilidade proferido pelo Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, notificado ao ora requerido em 21 de Janeiro de 2016, tendo sido, na sequência, emitida uma autorização de residência provisória, pelo período de seis meses e renovável até decisão final.

  14. –O referido pedido de protecção funda-se na alegação de que o requerido tinha negócios numa parte do território do Sri Lanka controlada pelo LTTE – Liberation tigers of Tamil Eelam -, motivo por que era forçado a entregar periodicamente dinheiro a esse grupo, como uma espécie de “imposto”, vindo alegadamente a ser preso por três vezes e torturado pela polícia do seu país, tendo em vista obter a confissão de que o ora requerido tinha uma ligação ao LTTE.

  15. –Em 25 de Novembro de 2016, a Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras propôs fosse recusado ao ora requerido (requerente no mencionado processo de protecção internacional) o direito de asilo e que lhe fosse concedida, ao invés, a autorização de residência por protecção subsidiária, o que se encontra pendente de decisão da Ministra da Administração Interna.

    *** 2.–Apreciando.

    2.1.

    –O mandado de detenção europeu constitui a primeira concretização no domínio penal do princípio do reconhecimento mútuo, no âmbito do espaço de segurança e justiça (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 1, Janeiro-Março, 2003, pp. 27 segs; Ricardo Jorge Bragança de Matos, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 3, Julho-Setembro, 2004, pp. 325 segs.).

    A evolução das formas de cooperação penal, no âmbito europeu, deu origem a diversos instrumentos que, além do mais, visaram modernizar os procedimentos em matéria extradicional. Porém, foi sobretudo com o Tratado de Amesterdão que a cooperação judiciária em matéria penal ganhou uma nova perspectiva, como forma de realização de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.

    O aprofundamento desta dimensão, inspirada na noção de “espaço europeu” e orientada no sentido da construção de um espaço judiciário comum, foi impulsionado pelo Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, que afirmou, nas suas conclusões, o princípio do reconhecimento mútuo como “pedra angular” da cooperação judiciária em matéria penal, preconizando a abolição do processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas à revelia, cuja sentença já tivesse transitado em julgado, bem como a aceleração dos processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infracção (ponto 35 das conclusões).

    A Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, constitui, precisamente, uma concretização – a primeira - no domínio penal do referido princípio do reconhecimento mútuo, que visa superar a concepção tradicional do auxílio judiciário entre Estados.

    O “considerando” 5 da Decisão-Quadro esclarece, nos seguintes termos, a finalidade que o novo instrumento pretende realizar: «O...

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