Acórdão nº 1422/14.5TJLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | MARIA TERESA ALBUQUERQUE |
Data da Resolução | 06 de Abril de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório: I–António ......, intentou acção declarativa de condenação, na forma comum, contra a Companhia de Seguros ......, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 19 690,16, acrescida de juros legais vencidos e vincendos desde a citação, até integral pagamento.
Alegou factos tendentes a sustentar a responsabilidade civil da R. na regularização de um sinistro automóvel em que participou, como condutor, materializado no despiste e embate do seu veículo contra a parede delimitadora de moradia situada em Belas, concelho de Sintra, no âmbito de contrato de seguro que abrangia danos próprios, celebrado entre ele e a R., constando nas coberturas facultativas o capital seguro de € 33. 128,35, contrato esse que e era válido e estava em vigor à data do acidente descrito nos autos. Alega ainda que a R. não assumiu a responsabilidade, não obstante ter efectuado a vistoria ao veículo depois do sinistro, tendo-o dado como perda parcial e ter chegado a propor indemniza-lo condicionalmente em € 19.690,16, já deduzida a franquia e actualizado o capital seguro, ficando o salvado na posse do A.
A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, alegando factos tendentes a sustentar a excepção peremptória da verificação de sobresseguro, por o A. ter sobrevalorizado o veículo objecto do contrato aquando da sua celebração. Em termos de impugnação invocou aspectos relacionados com o procedimento de importação/legalização da viatura e com o historial de sinistralidade por parte do A. e seus familiares próximos, aliados ao contexto socioeconómico do sinistrado, que permitiram à R. concluir, após a sua averiguação, que o acidente não ocorreu da forma como foi participado junto da seguradora demandada.
Exercido o contraditório, o A. pugnou pela improcedência da excepção invocada e manteve a sua posição inicial, referindo, em suma, que se limitou a prestar informações sobre o seu veículo, tendo a R. determinado e aceitado o montante do capital seguro.
Procedeu-se à realização da audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador e, bem assim, o despacho previsto no artigo 596º/1 do CPC.
Teve lugar o julgamento, e após foi proferida sentença, que julgou improcedente a excepção peremptória deduzida na contestação (da verificação de sobresseguro) e a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar ao A. a quantia de € 19 523,16, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde a data da citação (14/11/2014) até integral pagamento, e absolvendo a R. do restante peticionado nos autos.
II–Do assim decidido, apelou a R. que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo: 1.ª-O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença proferida em 28.07.2016, com a referência n.º 355618030; 2.ª-Ocorre na sentença recorrida uma errónea interpretação e aplicação do direito, nomeadamente do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e da figura do sobresseguro, motivo pelo qual a decisão recorrida terá que ser revogada; 3.ª-Com efeito, o Decreto-lei n.º 214/97 não tem aplicação no caso concreto, porquanto nos presentes autos não se encontra em discussão a desvalorização do veículo em causa, mas antes a declaração do valor real daquele veículo; 4.ª-Acresce que o Decreto-lei n.º 214/97 não se aplica à declaração inicial do valor do objecto seguro ab initio mas somente tem aplicação no caso de sucessivas renovações do contrato de seguro, o que não sucede in casu, dado que o contrato de seguro foi efectuado apenas com uma única anuidade, sem renovações; 5.ª-Termos em que não tem – nem deve ter – aplicação o referido DL n.º 214/97, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada, nesta parte, com todas as demais consequências legais; 6.ª-Dúvidas não restarão, assim, sem necessidade de mais, que a quantia pela Ré devida ao Autor, para ressarcimento do dano por este sofrido, tem por base a do valor do veículo à data do sinistro, que se cifra em € 20.000,00 (ou € 24.383,01, no máximo), e não o do valor do capital seguro (€ 33.128,35, incluindo alegados extras), subtraída da franquia contratualizada e do valor do salvado, dada a situação de sobresseguro; 7.ª-Por outro lado, o Tribunal recorrido refere (erroneamente) que “importa salientar que sempre estaremos perante um valor acordado entre as partes contraentes, Autor e Ré, que o fará corresponder ao “interesse seguro” a que alude o n.º 1 do artigo 132.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.”.
8.ª-Ora, salvo o devido respeito, não é assim, nem pode ser. 9.ª-Dispõe o artigo 132.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, que “Se o capital seguro exceder o valor do interesse do seguro, é aplicável o disposto no artigos 128.º (…)”; 10.ª-Estabelece, por sua vez, o referido artigo 128.º que “A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro”; 11.ª-Assim, a limitação da obrigação de indemnizar ao montante real do objecto seguro decorre, directa e exclusivamente, daquele normativo legal, configurando uma nulidade absoluta, no que respeita a toda a parte do valor contratualmente coberto que exceda o valor do objecto seguro.
12.ª-O princípio do indemnizatório determina num primeiro momento que o valor do capital seguro não deve ser superior ao valor do interesse seguro (proibição do sobresseguro) e, num segundo momento, que o valor da indemnização não seja superior ao valor do interesse lesado (valor dos danos); 13.ª-No caso concreto, o eventual montante a indemnizar pela Ré e ora recorrente está limitado ao valor do efectivo dano decorrente do sinistro – valor do interesse do seguro - ou seja, in casu, ao valor de € 20.000,00 (ou € 24.383,01, incluindo o valor dos impostos e os custos da importação/legalização), correspondente ao valor comercial da viatura, subtraído da franquia contratualizada e do valor do salvado; 14.ª-A não ser assim, o Autor não ficaria apenas juridicamente indemne, isto é, compensado pelos seus danos na perspectiva de receber o valor do veículo, mas receberia cerca de € 13.000,00 (ou, no mínimo € 10.000,00) acima desse valor, o que, objectivamente, se traduziria numa vantagem patrimonial ilegítima resultante do suposto sinistro e, para além do mais, num intolerável abuso de direito, configurando ainda um enriquecimento injustificado; 15.ª-Por último, sempre se dirá, se for caso de censura da conduta da seguradora, ao aceitar valor do veículo tão desfasado do real, com tanta ligeireza, maior sendo o prémio a receber, naturalmente, não menos o será o do segurado/tomador do seguro, que, por razões que, no mínimo, não são fáceis de entender, atribui ao objecto do risco um valor muito superior do que o mesmo valia, tendo pleno conhecimento dessa situação; 16.ª-A douta sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 13.º, 128.º e 132.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16.04).
O A. apresentou contra alegações e terminou-as com as seguintes conclusões: 1.-Vem a R. numa derradeira tentativa de furtar-se às suas obrigações impugnar uma decisão que não podia fundamentar-se de melhor forma se não a que foi proferida de forma clara.
II.-Para tanto, coloca desde logo em crise a aplicação do DL n.º 214/97, contudo erroneamente, pois não merece qualquer controvérsia que o contrato de seguro nos presentes autos trata-se de um seguro de responsabilidade civil automóvel com coberturas facultativas, e que o art.º 1º do DL n.º 214/97 consagra que: "O presente diploma institui regras destinadas a assegurar uma maior transparência nos contratos de seguro automóvel que incluam coberturas facultativas relativas a danos próprios sofridos nos veículos seguros" Termos em que, o DL n.º 214/97, é aplicável ao contrato dos autos.
III.-E não venha a R. dizer que apenas se aplica às renovações, pois tal conclusão errónea não se retira de qualquer norma daquele diploma e muito menos do seu preâmbulo.
IV.-Mais, para o que alega, o que interessa é o valor seguro acordado pelas partes, pois da matéria de facto resulta que foi um valor acordado e não declarado pelo A (FP n.º 40). E atente-se, no recurso interposto nem sequer é impugnada matéria de facto! V.-Pelo que, não tem qualquer cabimento revogar a sentença proferida quanto à aplicação do DL n.º 214/97.
VI.-Por outro lado, continua a recorrida na sua, destinada ao insucesso, demanda, ao insistir numa situação de sobresseguro que não existe. De facto, a R. esteve longe de conseguir demonstrar a excepção que lhe competia.
-
- Nos contratos de seguro de responsabilidade civil automóvel com coberturas facultativas não se aplica o sobresseguro, 5º do DL n.º 214/97 e 2º DL 72/2008 de 16 de abril.
-
- Mesmo que assim não fosse, o que não podemos aceitar, teríamos de atender ao conceito indeterminado "valor de interesse seguro" do art.º 132º do RJCS, pois o que é o interesse seguro? é o valor do risco? é o valor declarado pelo tomador? é o valor declarado pela seguradora? É o valor que consta do contrato por referência ao acordado pelas partes? A boa corrente jurisprudencial tem distinguido o valor acordado do valor declarado para concluir que só quando o valor é declarado apenas pelo tomador do seguro se atende ao valor do risco, caso contrário o valor do interesse seguro corresponderá ao valor acordado pelas partes. E conforme Facto Provado n.º 40: "O Autor prestou informações sobre o seu veículo, que a Ré ia questionando e introduzindo no seu simulador - ao que este (simulador) determinou qual o valor do capital seguro, que a Ré avaliou e aceitou Estupefactamente, vem a R. dizer que o valor encontrado, não foi um valor acordado… 3º- Ainda que, a R. conseguisse passar pelo crivo dos anteriores impedimentos à aplicação do sobresseguro à presente lide...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO