Acórdão nº 29/16.7T8PST.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução06 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.–RELATÓRIO: VERA ..., residente na ……., intentou, em 27.04.2016, contra GRAÇA ..., residente ……. e CARLA …., residente na ……, providência cautelar comum, através da qual pede se ordene a restituição à requerente da posse sobre a casa de habitação sita na Estrada Bernardo……, bem como do seu recheio, mediante o arrombamento dos seus acessos e mudança das fechaduras, nem que para tal seja necessário o apoio de força policial.

Fundamentou a requerente, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de as requeridas, desde a morte de Francisco ..., em 30.03.2016, têm impedido o seu acesso e habitação ao prédio sito na Estrada Bernardo ..., constitui o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia e concelho de Porto Santo sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Porto Santos sob o nº …., no qual a requerente habitava com o falecido, no âmbito de uma união de facto.

Citadas, as requeridas deduziram oposição, em 24.05.2016, através da qual estas vieram alegar, em síntese, a inexistência da referida união de facto entre a requerente e falecido, bem como a cotitularidade do referido prédio pela 1ª requerente – atenta a inexistência de partilha posterior ao divórcio entre esta e o falecido, seu ex-marido – e pela 2ª requerente, tendo em conta a sua qualidade de herdeira única deste (na qualidade de filha) e também atenta a existência de uma doação do prédio imóvel anteriormente ao falecimento.

Concluíram pela improcedência do presente procedimento cautelar, bem como pela condenação no pedido de litigância de má-fé.

A requerente respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé, em 04.06.2016, requerendo a improcedência do mesmo.

Foi levada a efeito a audiência final, em 26.10.2016 e 27.10.2016, tendo sido concedida à requerente e às requeridas a viabilidade de as mesmas alegarem por escrito, o que estas fizeram, tendo apresentado alegações escritas, em 31.10.2016 e 10.11.2016, respectivamente. Após, o Tribunal a quo proferiu decisão, em 02.12.2016, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Em face do exposto, decide-se julgar o procedimento cautelar improcedente por não provado e, em consequência, absolver as requeridas do pedido.

Custas pela Requerente – art.º527º nº1 do C.P.C.

Registe e Notifique.

Em conformidade, notifique-se as requeridas para virem informar se mantêm interesse nos incidentes de litigância de má-fé e pedido de indemnização cível deduzidos.

Valor da causa – 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo).

Inconformada com o assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, em 29.12.2016, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i.-A requerente viveu em união de facto com Francisco ..., desde setembro de 2012, até 30 de março de 2016, data da morte deste; ii.-O casal tinha a sua casa de morada no prédio urbano bem comum do dissolvido casal do falecido, tendo-lhe sido atribuído o direito de habitação até à partilha, a qual ainda não se efetivou; iii.-Tal direito de habitação foi reconhecido pela requerida Graça, ex-cônjuge, que nunca a tal se opôs; iv.-Por outro lado, o falecido tinha efetuado uma doação em vida da casa a favor da requerida Carla (considerando que é bem comum do dissolvido casal), tendo pedido a sua anulação, com base em erro-vício, quando descobriu que esta não era sua filha, encontrando-se esta ação pendente, com a instância suspensa; v.-Apesar disso, o prédio continua registado a favor do dissolvido casal, pelo que, para todos os efeitos legais, o falecido continua a ser proprietário em comum desse prédio; vi.-Por isso, a requerente pode invocar, como invocou, a transmissão para si do direito de habitação da casa de morada, nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na medida em que é terceiro relativamente aos negócios celebrados pelo seu companheiro, não registados; vii.-O juiz a quo considerou que a atuação da requerente foi no sentido de renunciar a esse direito de habitação; viii.-Para tal, fundamentou-se no facto de que a requerente teria retirado uma máquina de lavar, uma mangueira de rega do jardim e ferramentas (não especificadas) da casa de morada; ix.-Contudo, a prova destes factos assenta no depoimento de duas testemunhas que nunca tinham entrado na casa e, portanto, não podiam saber o que lá existia; x.-Para além de que os dois depoimentos são contraditórios em aspetos essenciais, pelo que não podem ser valorados; xi.-As requeridas alegam também que a requerente retirou recheio da casa que carregou num camião, não tendo feito qualquer prova deste facto, sendo a alegação delas próprias fundada em meros boatos não confirmados; xii.-As requeridas alegam que a requerente retirou roupa da cama e outras peças do interior da casa de morada, mas apresentam como prova os depoimentos das duas testemunhas acima referidas, as quais não merecem qualquer credibilidade, dada a contradição dos depoimentos, pelo que o juiz a quo fundamentou-se apenas nas declarações de parte da requeridas, necessariamente tendenciosas, ignorando as regras de experiência comum; xiii.-Apenas ficou provado que a requerente, após a morte do seu companheiro, pretendia vir descansar uns dias na ilha da Madeira, em casa de um filho, trazendo uma pequena mala com roupa sua, não havendo intenção de renunciar ao seu direito de habitação, como entendeu o juiz a quo; xiv.-Ao contrário do que entendeu o juiz a quo, a renúncia da requerente a esse direito teria de manifestar-se em factos concludentes, ou ditados por regras de experiência comum, que não foram observadas no caso vertente; xv.-Efetivamente, não havendo prova concludente que a requerente retirou todos os seus pertences da casa de morada, antes pelo contrário, tendo encarregado uma pessoa de a vigiar na sua curta ausência, e comunicando a sua ausência temporária à PSP, teria de concluir-se que pretendia continuar a habitar a casa de morada, o que uma vez mais o juiz a quo não reconheceu; xvi.-Por outro lado, resulta da prova produzida que as requeridas impediram que a requerente continuasse a habitar a casa, mandando cortar a água, a luz e a TV Cabo, arrombando as portas e substituindo as fechaduras; xvii.-Provado também ficou que as requeridas não habitam a casa, nem pretendem habitá-la, presunção que decorre também das regras da experiência - não basta afirmar-se uma intenção para que se considere o facto provado; xviii.-Efetivamente, a requerida Carla vive de forma definitiva na cidade do Porto, onde trabalha como farmacêutica; xix.-E a requerida Graça trabalha e vive na cidade do Funchal com o seu companheiro, e até à data da audiência não tinha voltado ao Porto Santo, considerando o juiz a quo como provada esta pretensão, uma vez mais, apenas com base nas suas declarações; xx.-Pelo que, nenhuma das requeridas necessita da casa para ali habitar, encontrando-se a mesma encerrada e ao abandono; xxi.-Podendo concluir-se que o juiz a quo fundamenta a sua decisão, essencialmente, nas declarações de parte das requeridas, o que extravasa o princípio da livre apreciação da prova; xxii.-Por isso, teria de dar-se como provado que a requerente tem direito a habitar a casa de morada, pretendendo exercer esse direito, mas tem sido impedida pelas requeridas, face à sua atuação comprovada; xxiii.-Por outro lado, contendo o processo todos os elementos para ser tomada uma decisão definitiva, deve aplicar-se o regime da inversão do contencioso, vertido no artigo 369.º do CPC; xxiv.-A sentença recorrida viola, entre outros, o disposto no artigo 369.Q, nos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º, ambos do CPC e no artigo 5.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.

Pede, por isso, a apelante, que a decisão de 1ª instância seja revogada e se reconheça à requerente o direito de habitar a casa de morada, face ao óbito do seu companheiro, pelo prazo de cinco anos, contado desde o trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida, considerando-se esta decisão definitiva, a qual deve constituir caso julgado formal, nos termos do artigo 369.º do CPC.

As requeridas apresentaram contra-alegações, em 01.02.2017, propugnando pela improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i)-DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto ii)-DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida o seguinte: 1.-A Requerente passou a conviver com Francisco ..., partir de Setembro de 2012, já no estado de divorciado de ambos.

  1. -Habitando conjuntamente a casa de habitação à Estrada Bernardo ..., que constitui o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia e concelho de Porto Santo, sob o artigo …, descrito na Conservatória do registo predial de Porto Santo sob o nº … 3.-O direito de habitação de tal prédio foi atribuído, a título provisório, ao falecido Francisco ..., em sede do processo de divórcio que correu termos sob o nº 18/12.0TBPST da extinta Secção Única do Tribunal Judicial de Porto Santo, por sentença de 28-09-2012.

  2. -Francisco ... veio a falecer em 30 de Março de 2016.

  3. -Ainda em vida, Francisco ... propôs acção de impugnação de...

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