Acórdão nº 3189/13.5TBCSC.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–Relatório: J..., nos autos m.id., veio intentar a presente acção declarativa com processo ordinário contra 1º) J..., nos autos m.id., 2º) a massa insolvente de J..., representada pelo administrador de insolvência Dr. Francisco José Barradas, 3º) M..., nos autos m.id., e 4º) P... Ldª, nos autos também m.id.

Formulou a final ao Tribunal o seguinte pedido: -declarar o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o 1º e 3º Réus e o A., e consequentemente decretar a sua resolução; -condenar os 1º e 3º Réus a pagarem ao A. o montante de €120.000,00 correspondente à devolução do sinal recebido em dobro; -reconhecer ao Autor o direito de retenção sobre o imóvel que habita e que foi objecto do contrato prometido (…) até que lhe seja feito o pagamento da quantia referida de €120.000,00 e juros de mora desde a citação e até integral e efectivo pagamento; -serem os RR. condenados em custas e procuradoria condigna.

Em síntese, alegou que os 1º e 3º RR eram, em Junho de 1999, donos e legítimos possuidores, na proporção de metade cada um, dum prédio urbano sito em Urbanização da Boa Esperança, Albarraque, São Pedro Penaferrim, concelho de Sintra, e que lhe prometeram vender o mesmo em 7.6.1999 livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo valor convertido em euros de €215.000,00, tendo o A. pago a título de sinal e de reforço de sinal o valor convertido de €60.000,00.

A escritura de compra e venda devia ter sido celebrada até 7.8.1999, mas o A., ao reunir toda a documentação para a marcação da escritura deparou-se com o registo de uma penhora sobre metade indivisa do prédio, efectuada pela Fazenda Nacional.

Acordaram então o A. e os promitentes vendedores novo prazo para celebração da escritura, desta feita de 300 dias, tendo feito novo contrato de promessa, no qual acordaram também os últimos a entrega das chaves ao A., autorizando-o a habitar o prédio, livre de qualquer arrendamento, e ainda a alterar a titularidade dos contadores de luz e água. Em Agosto de 1999, o A. passou a habitar a casa, tendo entretanto feito registos provisórios como forma de obter empréstimo bancário para a aquisição, os quais vieram a caducar.

A partir de inícios de 2000, o A. deixou de conseguir contactar o 1º Réu (que outorgara os contratos promessa com procuração irrevogável da 3ª Ré), não mais lhe sendo possível marcar a escritura, sendo ainda certo que sobre o prédio prometido vender começaram a incidir diversas penhoras, o que também impossibilitava a realização da escritura, por motivo completamente alheio à sua vontade.

O 1º Réu foi declarado insolvente em 2004.

A outra metade do prédio, da 3ª Ré, foi vendida pelo serviço de finanças por dívidas fiscais desta 3ª Ré, à 4ª Ré, venda cuja anulação o A. tentou mas não conseguiu.

Com a declaração de insolvência do 1º Réu e com a venda à 4ª Ré, torna-se impossível a prestação prometida ao Autor pelos 1º e 3º Réus.

O contrato promessa foi definitivamente incumprido pelos 1º e 3º Réus, por razões a eles exclusivamente imputáveis.

O A. é pois credor dos 1º e 3º Réus pelo dobro do sinal prestado.

A tradição material da casa, onde o A. se instalou com a sua família, desde Agosto de 1999, e onde exerce à vista de todos e sem oposição, actos de quem é proprietário, adquirindo a respectiva posse, confere-lhe direito de retenção pelo crédito resultante do incumprimento dos 1º e 3º Réus. A 4ª Ré, P... Ldª veio apresentar contestação, excepcionando a sua ilegitimidade, por ser a actual proprietária de metade do prédio, que a adquiriu livre de ónus ou encargos, em processo de execução fiscal, e por não poder ser atingida pelas relações contratuais do A. com os anteriores donos, nem a podendo afectar os pedidos formulados. Mais, o A. instaura a acção inutilmente contra o 1º Réu, que sabe ter sido declarado insolvente, e contra a massa insolvente, em lugar de reclamar o seu crédito no processo de insolvência. Pelo menos a 4ª Ré deve ser declarada parte ilegítima e absolvida da instância. Impugnou ainda a 4ª Ré, em síntese invocando que a utilização imediata da casa foi feita com consciência de que o contrato nunca seria cumprido, que era ao A. que incumbia marcar a escritura, que até podia ter consignado ou depositado o preço em falta ou obtido sentença que substituísse a declaração dos vendedores mas nada fez, porque lhe era mais vantajoso habitar sem pagar nenhuma outra contrapartida que o sinal prestado, e que portanto o incumprimento do contrato lhe é imputável e não tem direito ao sinal em dobro. Já tendo pretendido anular a venda a favor da 4ª Ré e tendo a acção respectiva sido liminarmente indeferida, ao voltar a accionar a 4ª Ré, apenas para exercer pressão ilegal sobre ela, o A. litiga de má-fé.

A 4ª Ré formulou ainda pedido reconvencional contra o A., sustentando que a acção não tem fundamento sério contra ela e se destina a impedi-la de usufruir do rendimento que poderia receber da sua parte do prédio, devendo este ser condenado a pagar à Ré, até à data em que lhe entregue imóvel, o valor mensal de €600,00 acrescido de juros de mora. A massa falida de J... veio contestar, invocando que o J... foi declarado falido por sentença de 4.5.2004, e que o pedido do Autor, no que respeita ao 1º Réu e à massa falida, constitui, em substância, uma reclamação ulterior de créditos que não foi formulada nos termos previstos no artigo 205º do CPEREF, sendo que o direito de propor acção, visando a verificação ulterior de créditos, caducou há mais de oito anos, pelo que, mesmo que fosse a reclamação procedente, não poderia ser graduada nem paga no processo de falência, sendo pois que a lide, no que toca à 2ª Ré, massa falida, é supervenientemente inútil. De igual modo, o direito de retenção encontra-se prejudicado pela caducidade do hipotético crédito. Por outro lado, o suposto incumprimento do contrato promessa não ocorreu, pois competia ao A. marcar a escritura e não o fez. Acresce que as penhoras que já incidiam e vieram a incidir sobre o prédio, não eram impeditivas do cumprimento do contrato. Também não o era a declaração de falência, tanto que o liquidatário judicial podia ter optado pela conclusão do contrato, disponibilidade essa que foi informalmente manifestada ao A.

Concluiu pois pedindo que seja declarada a inutilidade superveniente da lide quanto à 2ª Ré, ou caso assim não se entenda, que seja a mesma absolvida do pedido.

Contestou o 1º Réu, desde logo invocando a sua ilegitimidade, por não lhe competir administrar o património da massa insolvente, sendo aliás que é ao administrador de insolvência que cumpre optar pela execução ou recusa de cumprimento de contratos bilaterais, e sendo que recusado o contrato nenhum dos contratantes tem direito à restituição do já prestado.

Impugnou ainda o 1º Réu, alegando que sendo verdade ter celebrado ambos os contratos promessa, era ao A. que cumpria marcar a escritura, e que até 2000 não teve dificuldades em contactá-lo, até Março de 2000 nenhuma outra penhora tida incidido sobre o prédio e apesar disso o A. não marcou a escritura. O A. nada fez em 14 anos, devendo-se à sua inércia a impossibilidade superveniente de celebrar a escritura por si ora invocada. Deve pois ser declarada a resolução, com perda do sinal.

Deduziu reconvenção para, a partir do incumprimento do contrato desde Outubro de 2000, obter a condenação do A. a indemnizar os RR, por uma ocupação mensal em valor não inferior a €1.000,00 mensais até à efectiva entrega do imóvel.

Replicou o A. às contestações da 4ª Ré P... Ldª e do 1º Réu J..., aduzindo no primeiro caso que o montante é exagerado, que a Ré sabia que estava a adquirir imóvel habitado por um promitente comprador, por preço manifestamente abaixo ao de mercado, e que até à presente data nunca se opôs a que o A. e família habitassem o prédio, nem nunca interpelou o A. para desocupar ou pagar renda, e que porque o A. sempre habitou o imóvel na convicção de exercer um direito próprio, tanto que procedeu a obras de conservação, sendo-lhe lícito servir-se da coisa comum nos termos do artigo 1406º do CC. Caso assim não se entenda, deverá ser operada a compensação dos montantes despendidos pelo A., a título de sinal e princípio de pagamento e a título de benfeitorias.

No segundo caso, invoca a má-fé e abuso de direito com que litiga o 1º Réu ao pedir a sua condenação no pagamento de €1.000,00 mensais, invocando que o 1º Réu bem que a escritura nunca se poderia ter realizado porque a venda era livre de ónus e encargos e o 1º e 3º Réus não procederam ao cancelamento das penhoras que foram incidindo sobre o prédio, em valores muito superiores ao que eles, Réus, receberiam ainda do A. De resto, o pedido em causa contraria o livre acordo em que o A. habitasse a casa, aumentando substancialmente o sinal. Por outro lado, a ilegitimidade do R. não procede pois a insolvência não é um perdão de dívidas e o R. nem sequer alegou a exoneração do passivo restante. Existe litisconsórcio necessário dos Réus, todos eles sendo partes legítimas na presente acção.

Ordenada oficiosamente a certidão de registo predial actualizada e constatada a existência de hipotecas voluntárias, hipoteca legal e diversas penhoras pendentes de registo, e após notificação do A. para informar se reclamara o seu crédito no âmbito dos processos executivos relativos a tais penhoras, e após a sua pronúncia, o tribunal, considerando ainda que o A. não reclamou o seu crédito no processo de insolvência, veio convidar o A. a suscitar a intervenção principal dos credores com garantia real anteriormente identificados, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário passivo e absolvição da instância dos RR.

Veio então o A. requerer a intervenção principal do C... S.A., da Fazenda Nacional, da S... S.A., e de L... S.A., como associados dos demais Réus.

Admitida a intervenção e citados, veio o Banco ... (que incorporou por fusão o C...), fazer seu o articulado...

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