Acórdão nº 3944-16.4T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCA MANDES
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: H. intentou contra DIRECÇÃO GERAL DO TESOURO E FINANÇAS execução para pagamento da quantia de €1.985.560,32 (um milhão, novecentos e oitenta e cinco mil, quinhentos e sessenta euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros, dando à execução decisão arbitral condenatória proferida em 17 de Dezembro de 2015.

No âmbito da oposição por embargos de executado que o Ministério Público deduziu em representação do Estado Português/Direcção Geral do Tesouro e Finanças, foi excepcionada a incompetência material dos Tribunais comuns.

A Exequente respondeu, alegando que é este o Tribunal materialmente competente para conhecer do pedido executivo.

Em 14.06.2016 foi proferida decisão no âmbito do processo executivo que julgou o Tribunal Comum incompetente em razão da matéria para conhecer dos autos, e, em consequência, absolveu o Executado Estado Português – Direcção Geral do Tesouro e das Finanças da instância e declarou extinta a instância relativa à oposição por embargos de executado por inutilidade superveniente da lide.

A referida decisão foi fundamentada nos seguintes termos: « A incompetência do tribunal em razão da matéria constitui, nos termos do disposto nos artigos 576º, ns. 1 e 2 e 577º, al. a) do Código de Processo Civil, exceção dilatória, já que procedendo, conduz à absolvição da instância.

A competência em razão da matéria afere-se pelos termos em que o autor propõe ao tribunal que decida a questão, definida esta pela causa de pedir, pelo pedido e pela natureza das partes.

O artigo 209º, n.º 1 da Lei Fundamental estabelece duas categorias de tribunais – os tribunais judiciais de 1ª e 2ª instância, encabeçados pelo Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais administrativos e fiscais, com o Supremo Tribunal Administrativo na cúpula.

Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (cfr. artigo 211º, n.º 1 da Constituição).

Nos termos do disposto no artigo 64º do Código de Processo Civil, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Os tribunais comuns gozam, pois, de competência genérica e residual.

A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, estando os órgãos e agentes administrativos subordinados à Constituição e à lei, e devendo atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266º da CRP).

Aos tribunais administrativos compete o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas (cfr. o artigo 212º, n.º 3 do mesmo Diploma).

Por seu turno o artigo 4º, n.º 1, al. f) do anterior ETAF dispunha que “estão excluídos da jurisdição administrativa os recursos e ações que tenham por objeto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público”.

Assim, para a delimitação de competência nas ações sobre responsabilidade civil, apelava-se para um critério que conjugava a natureza publicística do responsável com a especial natureza (“acto de gestão pública”) do ato desencadeador dos prejuízos. Para que a competência fosse atribuída aos tribunais administrativos necessário seria que estivessem em causa atos decorrentes do exercício de um poder público, integrando a realização de uma função pública compreendida nas atribuições do ente público, reguladas por normas de direito público, relevando a atividade em que se insere a atuação e não a qualificação de ato isolado integrante da causa de pedir (cfr. o Acórdão do STA, de 24.01.2002, disponível em www.dgsi.pt).

No decurso da oitava legislatura o Governo apresentou à Assembleia da República uma Proposta de Lei (nº 93/VIII) atinente ao novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de Lisboa (cfr. Diário da Assembleia da República, II série-A, nº 76, 18.7.2001, pág. 47 e seguintes).

Na respectiva exposição de motivos escreveu-se o seguinte: “3— No plano da delicada e complexa matéria da delimitação do âmbito da jurisdição, partiu-se, como não poderia deixar de ser, do quadro constitucional vigente e das imposições que dele decorrem, vinculando o legislador ordinário. Como é bem sabido, desde a revisão constitucional de 1989, e sem que, ao longo destes quase 12 anos, o facto tivesse sido objecto de controvérsia, a jurisdição administrativa e fiscal é uma jurisdição constitucionalmente obrigatória, o que, como tem sido assinalado pela doutrina, significa que o legislador não pode pôr o problema de saber se ela deve ou não deve existir. Existe em Portugal e está hoje consolidada, a exemplo do que sucede na França, na Alemanha ou na Itália, uma ordem jurisdicional administrativa e fiscal, diferente da jurisdição comum, constituída por verdadeiros tribunais, dotados de um estatuto em tudo idêntico àquele que a Constituição estabelece para os restantes tribunais, impondo-se hoje assegurar que as vias de acesso a esses tribunais são aptas, como a Constituição também exige, a dar adequada resposta a todas as questões que, por imperativo constitucional, devam ser submetidas a essa jurisdição.

Neste quadro se inscreve a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de «relações jurídicas administrativas e fiscais». Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum. A existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado.

Neste sentido, reservou-se, naturalmente, para a jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios respeitantes ao núcleo essencial do exercício da função administrativa (…) Ao mesmo tempo, e dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.

A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado; já em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, como a sua actividade se rege fundamentalmente pelo direito privado, entendeu-se dever manter a dicotomia tradicional e apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios aos quais, de acordo com a lei substantiva, seja aplicável o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa”.

Nos termos do artigo 4º do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19.02, (revisto pelo Dec. Lei n.º 214/-G/2015, de 02.10) compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objeto: e) questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.

Conforme referem Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, em “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo” (3ª Edição Revista e Atualizada, pg. 41) “por impulso do direito comunitário o nosso ordenamento jurídico tende a submeter diversos tipos contratuais a regras específicas de procedimento pré-contratual, independentemente da qualificação desses contratos, segundo os cânones tradicionais, como contratos privados ou como contratos administrativos – regras específicas que não podem deixar de ser qualificadas como de direito público, uma vez que têm em vista contratos celebrados por entidades que gerem recursos públicos para a satisfação de necessidades coletivas. Ora, as razões que levaram o ordenamento jurídico a submeter a celebração de certo tipo de contratos, celebrados por esse tipo de entidades, a um regime pré- contratual comum de direito público, justificam a atribuição à jurisdição administrativa da competência para dirimir litígios que possam surgir no âmbito das respetivas relações contratuais”.

Os artigos 180º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 15/2002, de 22.02, relativos aos Tribunais Arbitrais e Centros de Arbitragem, não excluem a execução de sentenças dos Tribunais Arbitrais da competência dos Tribunais Administrativos.

Por seu turno o artigo 59º, n.º 9 da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei 63/2011, de 14.12. determina que a sentença arbitral proferida em Portugal corre termos no Tribunal Estadual de 1ª instância competente, nos termos da lei de processo aplicável, Ressalvado o muito e devido respeito por entendimento diverso, a matéria em causa nos presentes autos insere-se, em nosso entender, no âmbito da competência dos Tribunais Administrativos, nos termos dos preceitos legais citados, sendo-lhe aplicável o...

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