Acórdão nº 735/15.3T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelONDINA ALVES
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–RELATÓRIO: ANTÓNIO ….

, residente na ….., intentou, em 09.01.2015, contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, SA – SOCIEDADE ABERTA, com sede ….., acção declarativa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de €2.700,00 e não patrimoniais de €8.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter remetido, no âmbito da sua actividade de advogado e no mandato que exercia, uma carta registada com aviso de recepção dirigida a Maria ...., mas o funcionário da ré entregou tal carta a Alexandra…., sem que esta tivesse poderes conferidos por Maria .... para receber correspondência pessoal, permitindo assim que esta tivesse conhecimento de factos cobertos por sigilo profissional.

Alegou ainda, o autor, que essa entrega frustrou a defesa dos interesses da sua cliente, o mandato foi revogado, o que teve repercussões patrimoniais directas na esfera do mandatário, que poderia ter auferido honorários não inferiores a €2.700,00. Invocou ainda que, por força deste incidente a sua imagem e reputação foram abaladas, o que atingiu o autor na sua honra e lhe causou mal estar e revolta. Defende que a ré actuou de forma ilícita, violando os seus deveres legais e com culpa grave.

Citada, a ré apresentou contestação, em 24.03.2015, invocando, em suma, que o objecto em causa foi entregue a pessoa que tinha apresentado procuração para esse efeito, procuração em que a destinatária lhe conferia poderes especiais para receber correspondência em seu nome, pelo que a ré agiu diligentemente e sem violar qualquer dos seus deveres legais. Impugnou os restantes factos alegados pelo autor e juntou a referida procuração.

O autor, notificado do documento, nada disse.

Em 27.04.2015 foi proferido o seguinte Despacho: Notificado do documento que a ré juntou (cópia da procuração apresentada para receber correspondência), o Autor nada disse, designadamente, impugnando o documento em questão. Não obstante, e porque o A baseia a sua pretensão na ausência de poderes de uma pessoa para receber correspondência dirigida a outra enviada por si, determino que o A se pronuncie, em dez dias, sobre o interesse no prosseguimento da causa, sem prejuízo de qualquer juízo posterior sobre a sua conduta processual.

O autor respondeu, em 30.04.2015, nos seguintes termos: 1.–Antes de mais, não foi impugnada a procuração em questão, atentas as dificuldades práticas conhecidas desta impugnação, pese embora a da representada na procuração não ser igual às que constam do seu B.I. e da procuração que outorgou ao A. (letra diferente e nome incompleto); foi outorgada após recente AVC da representada; um mês antes do facto e da própria representante ter recebido a correspondência (assinando o AR) que posteriormente se enviou (doc. nº 2 da p.i.).

  1. –Quanto à outra causa de pedir – não permissão dos CTT entregarem a correspondência pessoal (com AR obrigatório) a outrem, inclusive com procuração –, a mesma mantém-se, pois 2.1.-as normas que regem as procurações (artºs 262º e ss do CC), são normas gerais e abstractas, com aplicação supletiva; 2.2.-as normas que referem o serviço postal, como os constantes da legislação focada na p.i., são especiais, que prevalecem sobre a lei geral (artº 7º do CC); 2.3.-naquela legislação, porque de interesse público, rege o brocando “tudo o que não é permitido é proibido”, face ao principio da legalidade (artº 3º do CPA) – cfr. Sérvulo Correia, in Noções de Direito – Vol. 1, págs. 97 e 174 e Vinício Ribeiro, in “O Estudo do Direito e o Princípio da Legalidade da Administração”, 2ª ed., págs. 58; 2.4.-ora, tal legislação não permite, nestes casos de correspondência registada com entrega pessoal, a entrega a outrem com procuração; 2.5.-o que, aliás, o próprio impresso (cfr. doc. nº 11 da p.i.) o dá a entender, conforme se vê do seu verso, quando afirma “ Entrega exclusiva ao destinatário …”; 2.6.-que foi o que aconteceu numa segunda missiva enviada à representada em 03 de Setembro de 2014, cujo Comprovativo de Registo e Aviso de Recepção se juntam sob o nº 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    2.7.-Tal como é entendimento correcto dos doutrinadores desta temática (cfr. José Castro Guimarães in “A Responsabilidade Civil do Operador Postal Perante o Destinatário e outros Terceiros”, Almeida e Leitão, pág. 64); 2.8.-pelo que, nestes casos, a correspondência não pode ser entregue a terceiro, mesmo com procuração irrevogável (nem com contrato de mandato, agência, trabalho, gestão de negócios, etc.), como resulta dos estudos sobre a matéria (cfr. v.g. Pedro de Vasconcelos in “A Procuração Irrevogável”, Almedina); 2.9.-pois, se assim o não fosse, tal violaria a Lei nº 24/96 de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor), “maxime” artºs 8º, 9º, 9º-B e 16º); 2.10.-bem como a Lei nº 23/96 de 26/07 (Lei dos Serviços Públicos), “maxime” artº 4º; 2.11.-e até o próprio Código de Publicidade, nos termos referidos na ob. cit. em 2.7 supra, pág. 96; 2.12.-para não falar já do próprio regime constante do D.L. 446/85 de 25/10 (Cláusulas Contratuais Gerais), pois que, estando-se perante um contrato de adesão, o mesmo se aplica à relação entre os CTT e os consumidores (cfr. v.g. artº 19º al. d) e 22 nº 1 al. n) e o)), conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial (cfr. José Manuel de Araújo Barros in “Cláusulas Contratuais Gerais “Coimbra Editora, anotações a tais normas, e jurisprudência “maxime” o Ac. Do TRL de 28/06/2001, in CJ, III, 127).

  2. –Pelo que se conclui pela necessidade de julgamento sobre o pedido fundado nesta causa de pedir, que mais não seja para aclarar novamente as relações entre a Ré e os consumidores em casos como o “sub judice”.

    A ré pronunciou-se, em 14.05.2015, invocando: 1.-Antes de mais é certo que caso o Autor pretendesse impugnar a procuração em questão deveria utilizar os meios azados para o efeito, que existem e são do mesma conhecidos, como este demonstra no sob resposta; 2.-Assim, se não pretendeu, conscientemente, utilizar os meios legais para o efeito não se compreende a que título vem tentar lançar dúvidas acerca de uma procuração que nunca pôs em causa… 3.-No mais, por muito que o Autor entenda que a lei peca por não se compadecer com o seu entendimento – e talvez, então, o que deverá é pugnar, junto dos organismos próprios, por uma alteração legislativa –, a verdade é que até a própria jurisprudência assume como boa a possibilidade de levantamento de correspondência de terceiro através de exibição de procuração com poderes especiais (não se conhecendo doutrina ou jurisprudência em sentido contrario); 4.-Aliás denota-se até alguma contradição na alegação do Autor que por um lado “atira para o ar” que até pensou por em causa a procuração (não fossem as tais “dificuldades praticas”) e por outro, entende que nem com uma procuração deveria ser possível levantar correspondência de terceiro… 5.-Enfim, o que se conclui é que, por certo, o Autor não contava com a diligência de Ré, que cuidou de tirar cópia e de guardar a documentação que lhe foi mostrada para levantamento da correspondência em causa nestes autos, 6.-Não fora assim e se tinha, como demonstrou, conhecimento da procuração junta pela Ré, porque não a juntou desde logo aos autos? 7.-É que, com a junção da procuração em crise - lavrada em cartório, nos termos da qual Maria ….. concedia poderes especiais, nomeadamente, para receber qualquer correspondência a Alexandra … toda a estrutura da causa de pedir do Autor claudica.

  3. -Não podendo, naturalmente, no caso vertente e atendendo à legislação vigente e aplicável ao caso vertente, ser assacada qualquer à Ré, que agiu diligentemente, cumprindo escrupulosamente todas as suas obrigações.

    Realizou-se audiência prévia, em 23.10.2015, dando o tribunal a oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de ser conhecido desde logo do mérito da causa.

    Em 4.12.2015 foi proferida decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Em face do exposto, o tribunal decide julgar a presente acção improcedente, por não provada, absolvendo a R do pedido.

    Decide condenar o autor, a título de litigância de má fé na multa correspondente a 2 Uc’s.

    Custas pelo A.

    Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs, em 17.04.2015, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

    São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente: i.-A correspondência postal registada (com AR obrigatório) na modalidade de pessoal, não pode ser entregue a representante (procurador) que apresente procuração genérica para receber correspondência em geral.

    ii.-Porque se está perante um serviço público essencial, regido pelo direito público e lei especial, para que não fosse assim, teria que existir normal legal que o previsse, e tal não acontece.

    iii.-E a procuração teria que especificar que seria para receber correspondência pessoal e exclusiva, não podendo ser genérica.

    iv.-Serve de analogia o art° 225º n°5 e 249° do CPC.

    v.-Temos assim que foi mal interpretado o doc. n° 1 junto com a P.I, que é meio probatório, pelo que, face a tal documento e à legislação vigente, a decisão a proferir teria que ser a da impossibilidade de recebimento de registo pessoal por terceiro, ainda que munido de procuração genérica.

    vi.-Não se verifica qualquer litigância de má-fé pois que não se preenchem os casos previstos no art° 542° n°2 do CPC, sendo a condenação na multa de 2 UC's multa, por em contradição com a fundamentação que condenou em 3 UC's.

    A ré apresentou contra-alegações, em 04.02.2016, propugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, e formulou as seguintes CONCLUSÕES: i.-Adere-se in totum à fundamentação da Sentença proferida pela Mma. Juiz do Tribunal a quo, ao perfilhar o entendimento de que não há lugar a indemnização, porquanto não violou a Recorrida qualquer obrigação contratual...

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