Acórdão nº 1408/15.2TDLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

* I–Relatório: 1.

– Por sentença de 9 de Maio de 2017, foi proferida a seguinte decisão: a)-Absolvem-se as arguidas M.E.S e M.F.S. da autoria material dos crimes de ofensa à integridade física simples, injúria e ofensa a pessoa colectiva de que cada uma vinha pronunciada; b)-Julga-se improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes “o R., R.P., lda.” e A.P.A.

” e, em consequência, absolvem-se as demandadas M.E.S e M.F.S. do pedido; 2.

– Inconformados, vieram os assistentes interpor recurso, apresentando, em súmula, as seguintes razões de discórdia: Entendem que se provaram os factos relativos à actuação dolosa das arguidas. Consequentemente, pretendem que seja anulada a sentença recorrida e pela via do art. 431° b) do C.P.P. seja a mesma modificada, condenando-se as arguidas.

  1. – Os recursos foram admitidos.

  2. – O Ministério Público e as arguidas responderam à motivação apresentada, defendendo a improcedência dos recursos.

  3. – A Srª Procuradora-Geral Adjunta acompanhou a resposta do Mº Pº.

    II–questão a decidir.

    Consequências da ausência de factos relativos ao dolo e à consciência da ilicitude, em sede acusatória.

    III–fundamentação.

  4. – A decisão deu como assentes os seguintes factos: 1.

    - No dia 3 de Setembro de 2014, cerca das 9h00, nas instalações do estabelecimento comercial “O R. – R.P., Lda.”, na Av. …………….., em Lisboa, gerou-se uma discussão entre E. R., filha da assistente A.P.A. e igualmente sócia do referido estabelecimento, e a arguida M.F.S., cozinheira nesse estabelecimento há 14 anos.

  5. - No decurso dessa discussão, em que ambas se exaltaram, a arguida e M.F.S., diante de pelo menos um cliente, afirmou que aquilo que os clientes comiam era merda, que havia baratas, dizendo ainda “são umas porcas” e que agora que se ia embora as pessoas só iam comer porcaria.

  6. - Passado lapso temporal não concretamente apurado, mas ainda durante a manhã, surgiu no local a assistente A.P.A. e pouco tempo depois também a arguida M.E.S, que ali acorreu na sequência de telefonema efectuado por sua mãe, dando-lhe conta de que a assistente e a mãe desta não a deixavam continuar a trabalhar.

  7. - Nessa ocasião, gerou-se novo quadro de discussão e exaltação entre as arguidas, a assistente e E. R., relacionado com o facto de a assistente e sua mãe quererem que M.F.S. se fosse embora, o que esta e a filha negavam fazer sem que lhes fosse entregue uma declaração para o fundo de desemprego.

  8. - Nesse quadro de discussão e exaltação, a arguida M.E.S, dirigindo-se à assistente A.P.A. , chamou-a de “desequilibrada”, dizendo-lhe que o curso que tirara não dava para nada, daí estar no R.R.P., que tratava mal dos filhos, e ainda “não prestas”, “estás descompensada”.

  9. - Tendo a assistente dito à arguida M.E.S que não admitia que lhe falasse assim e que a estava a ofender.

  10. - Enquanto abandonavam o local, a arguida M.F.S. disse ainda em altos berros “agora os clientes vão comer merda”.

  11. - A arguida M.E.S trabalha como enfermeira no Hospital da Luz, auferindo um rendimento mensal líquido de € 1.200,00.

  12. - Vive em casa de seus pais, na companhia dos mesmos.

  13. - Despende com o pagamento de empréstimo contraído para aquisição de veículo automóvel a quantia mensal de € 270,00.

  14. - Como habilitações literárias possui uma licenciatura em enfermagem e mestrado na área médico-cirúrgica.

  15. - No seu certificado de registo criminal não se encontram averbadas condenações.

  16. - A arguida M.F.S. trabalha no bar da Faculdade de Direito de Lisboa, auferindo € 700,00 mensais.

  17. - Vive em casa própria com seu marido e três filhos, dois deles ainda estudantes.

  18. - Seu marido está reformado, recebendo uma reforma de € 1.500,00 por mês.

  19. - Como habilitações literárias a arguida possui o 6.º ano de escolaridade.

  20. - No seu certificado de registo criminal não se encontram averbadas condenações.

  21. - A assistente A.P.A. , juntamente com sua mãe, explora o R.P. onde ocorreram os factos, retirando para si um salário mensal de € 530,00.

  22. - Vive com dois filhos de 7 e 3 anos, encontrando-se o marido a trabalhar no estrangeiro, o qual suporta todas as despesas do agregado familiar.

  23. - Como habilitações literárias a assistente possui uma licenciatura em antropologia social.

  24. – Deu como não assentes os seguintes factos: a)- Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados a arguida M.E.S afirmou que ali só se “comia merda”, que “havia baratas”, ofendendo o bom nome do estabelecimento.

    b)- Bem como apodou a sócia e a sócia-gerente de “porcas”.

    c)- A arguida M.E.S, dirigindo-se à assistente A.P.A. disse-lhe ainda “”não vales nada”, “és uma merda”, “precisas do R.P. para viver e comer”, “vais sofrer as consequências”.

    d)- A assistente A.P.A. começou a sentir-se mal.

    e)- A arguida M.E.S, aproveitando o estado de fragilidade da assistente e de esta estar de costas, desferiu-lhe com a mão um murro, atingindo a assistente na cabeça.

    f)- E puxou-a por um braço, arrancando-lhe o relógio que ali tinha colocado, o qual caiu ao solo.

    g)- Em consequência dessa actuação da arguida M.E.S, a assistente sofreu dores nas zonas atingidas.

    h)- Ao actuar da forma descrita, quis a arguida M.E.S molestar o corpo da assistente, o que conseguiu, causando-lhe dores, que sabia serem consequência directa da sua actuação, tendo agido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que essa sua conduta era proibida e punida por lei.

    i)- As assistentes sentiram-se vexadas, humilhadas e diminuídas.

    j)- Houve clientes que só largos dias depois voltaram a frequentar o estabelecimento comercial, não só por temerem nova cena de “barracada”, k)- Mas também por colocarem em causa a eventual veracidade das afirmações.

    l)- Acreditando as assistentes que apenas voltaram por conhecerem as donas do R.P. há muitos anos.

    m)- No dia 3.09.2014, cerca das 10h00, a assistente e sua mãe empurraram a arguida M.F.S. para fora da cozinha e fecharam a porta.

    n)- A assistente e sua mãe andavam a hostilizar a arguida M.F.S. no sentido de ela abandonar o posto de trabalho porque obtinham mão-de-obra mais barata e queriam trespassar o estabelecimento sem os encargos da trabalhadora.

    o)- Nesse dia, E. R. deu um empurrão à arguida M.F.S..

  25. – E pronunciou-se nos seguintes termos, em relação ao enquadramento jurídico, no que se refere aos crimes de ofensa a pessoa colectiva e de injúria: (…) A cada uma das arguidas é ainda assacada a autoria material de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187.º, n.º 1, do Código Penal, perpetrados contra a assistente “O R., R.P., Lda.”, sendo ainda imputada apenas à arguida M.E.S a autoria material de 1 (um) crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º do Código Penal, cometido contra a assistente A.P.A. .

    Quanto ao crime de ofensa a pessoa colectiva estatui o artigo 187.º do Código Penal o seguinte: “1.– Quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.

  26. – É correspondentemente aplicável o disposto: a)- No artigo 183.º; e b)- Nos n.ºs 1 e 2 do artigo 186.º”.

    Nesta incriminação, o bem jurídico protegido é o bom nome, a confiança e o prestígio da pessoa colectiva ou outra das pessoas jurídicas enunciadas em tal preceito legal, pois que a honra é requisito exclusivo das pessoas singulares.

    Com efeito, as pessoas jurídicas transmitem para o exterior uma determinada imagem da forma como se organizam, como funcionam e prestam os serviços que constituem o seu desiderato. É a projecção de tal imagem que faz com que as pessoas e a sociedade em geral formulem a sua opinião sobre determinado ente jurídico, nomeadamente sobre a sua competência organizativa e funcional, imagem que naturalmente se repercute na confiança, credibilidade e prestígio das mesmas e que, por isso, merecem tutela penal.

    Porém, o crime em análise, contrariamente ao que sucede com aqueles que protegem a honra e consideração das pessoas singulares (injúria e difamação), apenas verá o seu elemento objectivo preenchido quando o agente do crime afirmar ou propalar factos – e já não juízos de valor – que não correspondam à realidade e que de um ponto de vista objectivo sejam aptos a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva, organismo, corporação ou serviço, exigindo, pois, um juízo de idoneidade, de aptidão do facto inverídico para atingir a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa jurídica visada.

    Para além disso, é ainda necessário que o agente ao afirmar ou propalar os factos inverídicos o faça sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar como verdadeiros. Ou seja, para a verificação do ilícito não é necessário que o agente tenha efectivo conhecimento do carácter inverídico do facto propalado, bastando que não tenha fundamento para em boa-fé o reputar como verdadeiro.

    No que concerne ao elemento subjectivo do tipo de ilícito, está-se em presença de um crime doloso, que poderá assumir qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal: directo, necessário ou eventual, impondo-se, naturalmente, também a sua alegação e prova.

    * Já no que respeita ao crime de injúria, estatui o artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias”.

    O bem jurídico tutelado pela referida norma incriminadora encontra-se, desde logo, tutelado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, onde se consagra a protecção constitucional dos direitos de personalidade, designadamente o...

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