Acórdão nº 579/12.4JAFUN.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCONCEI
Data da Resolução22 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–RELATÓRIO: 1.

–No processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo procedente do Tribunal da Comarca da Madeira –Instância Central- Secção Criminal –Juiz 3, com o número supra identificado, o arguido A...

, com os sinais dos autos, por acórdão proferido em 16/11/2016, foi condenado, criminal e civilmente, nos termos seguintes: -Pela prática, em autoria material, de um crime de Homicídio Simples, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 131º e 132º, nº 1 e 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

-A pagar á assistente/demandante S...

, a título de indemnização civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a quantia de 182.609,72 (cento e oitenta e dois mil, seiscentos e nove euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde a data de notificação deste pedido até integral pagamento; -A pagar ao Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira, SESARAM a quantia de 6.825,43 (seis mil, oitocentos e vinte e cinco euros e quarenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a data da notificação deste pedido em relação à quantia 5.630,66 euros (cinco mil, seiscentos e trinta euros e sessenta e seis cêntimos, e desde a data da notificação da ampliação do pedido em relação à quantia de 1.194,77 euros (mil cento e noventa e quatro euros e setenta e sete cêntimos, até integral pagamento.

  1. –Não se conformando com esta decisão o arguido e o Ministério Público vieram interpor recurso.

    2.1.

    –O arguido, em sede de motivação de recurso, alega, em síntese, o seguinte: “- O Tribunal a quo julgou incorrectamente como provado o ponto 12º dos factos provados: “Ao praticar a supra descrita conduta, o arguido actuou com vontade livremente determinada e com a consciência de que esta não lhe era permitida”, e ainda os pontos 11 e 17 dos factos provados.

    - Da prova produzida resulta que o Dr. RA..., perito da 1ª perícia de fls. 869 a 872, que examinou o arguido em 6.12.2016 (os factos ocorreram em 2.12.2012) diagnosticou ao arguido uma reacção psicótica breve (que é o mesmo que surto psicótico agudo), fez medicação anti-psicótica, e que a toma da medicação foi ao longo do tempo sendo reduzida e que no ano de 2016 e à data do julgamento o arguido encontra-se curado.

    - Em sede de audiência o Dr. RA... prestou os esclarecimentos que se mostram gravados através do sistema integrada de gravação digital, para onde se remete, designadamente, que a reacção psicótica breve do arguido teve a duração mínima de duas semanas a um mês, ou seja, ao detectar no dia 6.12.216 ao arguido o surto psicótico agudo a referida doença psíquica grave já se verificava há pelo menos duas a quatro semanas antes do dia 6.12.2012, ou seja, a mencionada doença psíquica grave do arguido já se verificava à data de 2.02.2012 da prática dos factos.

    - O Dr. RA..., na qualidade de perito, esclareceu em audiência que mantém o diagnóstico que realizou ao arguido em 6.12.2012, e que mantém que o arguido à data da prática dos factos é inimputável.

    - Esclareceu ainda que á data do julgamento o arguido está curado da referida doença psíquica grave, uma vez tratado e respondendo à medicação fica curado; no presente não tem sintomas dessa condição, - E que, apesar de ter esta anomalia psíquica grave não cria no presente por força dela uma situação de perigo para bens jurídico de relevante valor próprios ou alheios de natureza pessoal ou patrimonial.

    - Também o psiquiatra Dr. JT... depôs em audiência esclarecendo que tratou o arguido durante o internamento na casa de Saúde ...., estando na altura alienado da realidade devido a um surto psicótico agudo; que dispensou ao arguido cuidados e tratamentos médicos desde finais de 2012, altura em que foi internado até à respectiva alta e depois até Outubro de 2015 tratou o arguido no seu consultório.

    - A testemunha ocular JS... que depôs em julgamento referiu que a discussão entre o arguido e a ofendida dentro do carro durou sensivelmente um minuto, que lutaram entre si utilizando os braços, e que a ofendida tentava sair do carro, e quando saiu estatelou-se no chão no espaço entre o carro e a parede.

    - Referiu que o arguido estava num estado “não normal” e claramente perturbado.

    - Os pareceres científicos de dois médicos psiquiatras que avaliaram, examinaram e prestaram cuidados médicos ao arguido ao tempo que estava afectado de doença psíquica grave deverão considerar-se mais fidedignos.

    - Do que o parecer do relatório pericial da 2ª perícia realizado a partir de 23 de Junho de 2016 e concluído em 23.09.2016, consequentemente elaborado em data posterior à data da cura ocorrida em Outubro de 2015 da doença psíquica grave do arguido, sendo que o exame complementar de psicologia foi realizado ao arguido em data posterior à cura ocorrida em Outubro de 2015.

    - O tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado na apreciação da prova e na decisão esta regra da experiência comum de que os juízos científicos médicos que examinaram e que cuidaram do paciente aquando da existência da doença sabem mais do paciente à época em que esteve doente e sabem mais da doença do arguido do que os médicos que o examinaram com base numa entrevista realizada em 2016 em duas sessões.

    - O tribunal não se pronunciou porque não considerou na apreciação da prova esta regra da experiência, tendo decidido sufragar as conclusões da 2ª perícia.

    - O Tribunal para tanto consignou, além do mais que “...pendemos para a imputabilidade do arguido, optando, assim, pela segunda perícia e respectivo relatório, porque nos dá maiores garantias de segurança nesse juízo científico, quer porque realizado por três peritos, mas também porque instruído e tem como um dos seus fundamentos uma avaliação psicológica, que consiste numa avaliação especializada em termos de comportamentos e processos mentais, o que lhe transmite uma maior consistência científica”.

    - O Tribunal a quo ao dar primazia à 2ª perícia em detrimento da 1ª perícia com desconsideração dos referidos dois juízos científicos que corroboraram em audiência a inimputabilidade do arguido, cometeu erro de julgamento.

    - A interpretação feita pelo tribunal do artº 163º do CPP é inconstitucional por violação dos artigos 20º, 204º e 205º, da CRP.

    - Não se verifica, pois, o preenchimento do elemento subjectivo do crime de homicídio, nem com dolo nem com negligência.

    -Em consequência também o tribunal julgou erradamente o facto dado como provado no ponto 17.

    dos factos provados.

    -Conclui-se assim pela inimputabilidade do arguido.

    -De qualquer modo, considera que o tribunal na pena aplicada não atendeu à idade do arguido que contava 78 anos à data da decisão, e sempre a pena deveria ter sido declarada suspensa na sua execução por estarem reunidos os respectivos pressupostos.

    - Invoca, por fim, a existência de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, porquanto, o tribunal deu como provado nos pontos 46 a 53 que a demandante teve os danos patrimoniais aí discriminados, num total de 1.768,72€, e em plena contradição insanável, entendeu fixar os danos não patrimoniais em 17.249,72 (cfr. p. 25 do douto acórdão).

    Nestes termos, deve o recurso ser julgado procedente com: 1.

    - O reconhecimento e declaração judicial dos erros de julgamento e das inconstitucionalidades supra discriminadas e consequente revogação do acórdão, e sua substituição por outro acórdão que venha a absolver o arguido e demandado civil; 2.

    - Subsidiariamente, reconhecendo e declarando a concreta pena de prisão aplicada ao arguido, deverá a mesma ser declarada suspensa na sua execução e ser reduzida a condenação da demandada civil no pagamento da indemnização.

    2.2.

    – O Ministério Público termina a motivação de recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição): “1.- O arguido A... foi condenado como autor material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. p. pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º, todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

  2. - A pena de 5 (cinco) anos de prisão deveria ter sido suspensa na sua execução uma vez que há elementos de facto e de direito bastantes que nos levam a concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, no caso em apreço, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

  3. - A prevenção geral terá também que ser equacionada só se justificando a suspensão, quando face à personalidade do condenado, às suas condições de vida, à natureza do crime, for possível concluir que se trata de um facto isolado e que a simples ameaça da pena é suficiente para o afastar da prática de novos crimes.

  4. - Neste caso era possível suspender a pena pelo facto de o arguido A... ser primário, dar mostras de estar arrependido, por estar socialmente integrado, ter mais de 75 anos, já ter neste momento decorrido mais de 4 anos contados desde a data da prática dos factos e de ter uma ligeira diminuição da imputabilidade no momento dos factos.

  5. - Em contraposição com as finalidades da prevenção especial, o tribunal a quo valorizou excessivamente a vertente da prevenção geral, e só por isso, aplicou ao arguido uma pena de prisão efectiva.

  6. - O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 50º, 51º, 71º e 72º, todos do Código Penal”.

    3.

    – Os recursos foram admitidos com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

  7. – O Ministério Público respondeu à motivação do recurso apresentado pelo arguido, dando por reproduzido todo o circunstancialismo de facto e de direito plasmado nas suas motivações e conclusões de recurso apresentado por discordar da decisão recorrida.

  8. – A assistente S...

    veio igualmente responder às motivações de recurso apresentadas pelo arguido e Ministério Público, concluindo: “a.- A assistente concorda com a decisão proferida pelo tribunal a quo.

    b.- Que condenou o arguido numa pena efectiva de 5 anos de prisão.

    ...

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