Acórdão nº 4971/16.7T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | HIGINA CASTELO |
Data da Resolução | 28 de Novembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa*.
I.
–Relatório: RAL – ... DO ... LITORAL, A.C.E.
, 2.º réu no processo indicado à margem, em que é co-ré IMOBILIÁRIA ... – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA.
(1.ª ré), e autora ... PORTUGAL – COFRAGENS E ANDAIMES, DLA.
, notificado da sentença condenatória, proferida em 15 de março de 2017, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.
A compreensão do litígio e do objeto do recurso impõe um pequeno excurso pelos autos: A autora intentou a ação pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a quantia de 119.124,10 euros, acrescida de juros de mora vencidos desde 19/02/2016, calculados sobre 115.088,18 euros, até integral e efetivo pagamento.
Alegou para tanto e em síntese que a 1.ª ré, subempreiteira da 2.ª ré na obra denominada «subconcessão do ... Litoral»; entre finais de 2014 e finais de 2015, contratou com a autora o fornecimento de diverso material auxiliar de construção e cofragem que, nos termos que foram sendo acordados, a autora forneceu, ora disponibilizando o seu gozo temporário, mediante remuneração (alugando), ora vendendo, em alguns casos integrando os materiais em cofragens que executou e andaimes que montou; esses serviços, alugueres e vendas estão discriminados em faturas juntas aos autos, com o valor global de 115.088,18 euros, correspondente a preços acordados e não pagos; em dezembro de 2014, aquando da contratação da autora para fornecer aqueles materiais, autora e réus acordaram expressamente que o 2.º réu, na qualidade de empreiteiro geral, garantiria o cumprimento das obrigações pecuniárias da 1.ª ré para com a autora, podendo para o efeito reter as verbas necessárias e entregá-las diretamente a esta; este acordo foi reduzido a escrito pelo 2.º réu com data de 12.01.2015 e a respetiva minuta foi aprovada por todas as partes; a autora assinou e carimbou aquele acordo em 22.01.2015 e entregou-o à 1.ª ré na mesma data, a fim de recolher as assinaturas dos réus; apesar de várias conversações e interpelações, nenhum dos réus pagou à autora os valores ora peticionados.
A 1.ª ré contestou, impugnando a quase totalidade da matéria alegada pela autora; alegou que, não obstante os fornecimentos lhe tenham sido faturados, que quem efetivamente fez as encomendas e beneficiou dos bens foi o 2.º réu que contratou e encomendou à autora as quantidades e qualidades de materiais que quis e como bem entendeu e utilizou a 1.ª ré de forma instrumental, imputando-lhe a faturação do aluguer ou compra de bens e acessórios para construção civil relativamente a esse material que encomendou e de que beneficiou. Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido.
O 2.º réu contestou, impugnando parte da matéria alegada pela autora, sustentando que não interveio em qualquer acordo tripartido ou de garantia, e pedindo a sua absolvição.
O processo seguiu o normal curso e, após julgamento, foi proferida sentença que condenou solidariamente os réus a pagar à autora a quantia de euros 115.088,18 (cento e quinze mil e oitenta e oito euros e dezoito cêntimos) de capital em dívida, acrescida de juros de mora, às taxas sucessivas em vigor para operações comerciais, a calcular sobre as quantias parcelares desde o vencimento de cada fatura.
Desta sentença recorre o 2.º réu, ACE.
O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo: «1.
–O Tribunal a quo, ao ter considerado que o Acordo Tripartido traduziu a assunção de uma posição de fiador por parte do Recorrente ACE, valorou erradamente a prova produzida, designadamente, por ter considerado a existência de fiança, em violação dos artigos 627.º e seguintes do Código Civil, das regras de interpretação constantes dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil e, bem assim, no que respeita a matéria processual, ao artigo 3.º, n.º 3 do Código do Processo Civil (proibição de decisões surpresa).
-
–O texto do Acordo Tripartido e os factos que rodearam a sua negociação e preparação não permitem que se extraia a interpretação de que o Recorrente ACE pretendeu prestar uma fiança em benefício da Autora Recorrida.
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–O Tribunal a quo deveria ter considerado que o Recorrente, a 1.ª Ré ... e a Autora Recorrida pretenderam constituir uma garantia legalmente atípica (com o clausulado do Acordo Tripartido) e não uma garantia típica de fiança, porque essa qualificação não só implicou a “escolha”, por parte do Tribunal, de um tipo de garantia sem correspondência com a vontade real das partes, como implicou a qualificação dos factos por forma a que a garantia prestada fosse de cariz mais oneroso para o Recorrente ACE.
-
–O Tribunal de Primeira Instância não deveria ter promovido uma qualificação dos factos referentes à garantia prestada (i.e.
, ao Acordo Tripartido) que implicasse a assunção, por parte do ACE, de uma posição de garantia mais forte do que aquela que aquela que decorreria do texto do Acordo Tripartido.
-
–O Acordo Tripartido discutido e analisado em sede de Primeira Instância corresponde a uma garantia atípica, sendo, por conseguinte, regulado pelas regras contratuais nele estabelecidas pelas partes contratantes.
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–No Acordo Tripartido não existe qualquer referência ao conceito de “fiança”.
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–Ficou provado, no âmbito da sentença recorrida, que o ora Recorrente, a Recorrida a 1.ª Ré ... negociaram a celebração de um Acordo Tripartido, com um determinado conteúdo e clausulado, o qual foi apresentado como fechado em sede de Primeira Instância (conforme minuta junto aos autos pela Autora Recorrida com a respetiva P.I. como como Doc. 37).
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–O conteúdo da minuta de Acordo Tripartido foi amplamente analisado em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo o Exmo. Sr. Juiz do Tribunal a quo realizado diversas questões e pedidos de esclarecimento acerca do conteúdo de tal documento e, bem assim, sobre o contexto anterior e posterior à negociação de tal documento.
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–Foi amplamente discutido em Primeira Instância se a não assinatura do Acordo Tripartido seria fundamento para se considerar esse acordo como não celebrado, tendo o Tribunal a quo decidido que tal acordo foi aceite pelo ACE, por força da comunicação de email do ACE de 20/08/2015, junta aos autos a fls. 62 verso.
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–Em nenhum momento da audiência de discussão e julgamento foi levantada a possibilidade de qualificação do Acordo Tripartido como um acordo de fiança.
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–O Tribunal não está sujeito à qualificação que as Partes fazem nos processos, devendo, no entanto, caso pretenda alterar a qualificação dos factos ou discutir uma matéria ou qualificação jurídica não levantada (e desconhecida) pelos sujeitos processuais, dar às partes a possibilidade prévia de se pronunciarem sobre elas, em conformidade com o previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
-
–De acordo com o artigo 628.º, n.º 1 do Código Civil “1. A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.” 13.
–A vontade de prestar fiança de forma expressa significa que a prestação da fiança deve ser realizada nos termos do artigo 217.º, n.º 1 do Código Civil, isto é, não podendo tal garantia ser constituída através de (mera) declaração tácita.
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–O Tribunal de Primeira Instância admitiu, no caso concreto, em violação do artigo 628.º do Código Civil, que a fiança pode ser prestada através de declarações tácitas.
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–Sem prejuízo do que antecede – i.e.
de ter inexistido na situação sub judice qualquer vontade de prestação de fiança (expressa ou até mesmo tácita) e da prestação de tal tipo de garantia não corresponder (nem ter correspondido em qualquer momento) à vontade real ou hipotética do ora Recorrente, para que haja fiança numa determinada situação concreta não é suficiente que exista uma declaração expressa por parte do sujeito que pretende assumir a posição de garante; é também essencial que dessa declaração expressa decorra, de forma imediata, o sentido de prestação de fiança para o destinatário de tal declaração de vontade.
-
–No caso concreto, não é possível considerar que uma pessoa normal, colocada na posição de destinatário normal (i.e., de beneficiário da garantia decorrente do Acordo Tripartido), pudesse considerar que o Acordo Tripartido se traduzira na assunção de uma posição de fiador por parte do ora Recorrente ACE.
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–Assumindo – para efeitos de raciocínio – que o Acordo Tripartido junto aos autos pela Autora Recorrida como Doc. 37 da P.I. foi celebrado, não poderia deixar de se aplicar as regras constantes desse documento para definir os termos e condições em que a Autora Recorrida (“beneficiária do Acordo Tripartido enquanto garantia legalmente atípica”) poderia exigir do Recorrente ACE as quantias alegadamente em dívida por parte da 1.ª Ré ... à Autora Recorrida.
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–O Acordo Tripartido permitiria que o ora Recorrente pagasse à Autora Recorrida as quantias que estivessem em dívida por parte da Ré ... à Autora Recorrida, se tivesse sido cumprido o procedimento contratualmente previsto nesse Acordo Tripartido, o que não se verificou o caso concreto, conforme resulta inequívoco da prova produzida.
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–Para que o ora Recorrente pudesse estar obrigado a pagar quantias à Autora Recorrida ao abrigo do Acordo Tripartido seria necessário que: (1)- O ACE tivesse quantias em dívida para com a Ré ... ao abrigo do contrato de subempreitada n.º 515 (celebrado entre o ora Recorrente e a 1. ª Ré ...); (2)- A Autora ora Recorrida tivesse informado o Recorrente ACE, nos termos e para os efeitos do Acordo Tripartido, das faturas em dívida por parte da 1.ª Ré ... à Autora ... nos termos do Contrato Aluguer e Fornecimento de Cofragens; e, (3)- O ACE ser devedor à Ré ... ao abrigo do Contrato de Subempreitada n.º 515 no momento em que a Autora Recorrida lhe comunica as faturas em dívida por parte da 1.ª Ré ... à Autora ....
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–O texto do Acordo Tripartido refere de forma clara que os pagamentos a realizar por parte do Recorrente ACE à Recorrida ... serão realizados com as quantias que aquele ACE tivesse que pagar à 1.ª Ré...
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