Acórdão nº 33637-15.3T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO SAMPAIO
Data da Resolução09 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I–Relatório Autora/recorrente: Rosa ...

, residente em...

Ré/recorrida: CCCX - Habitação Cooperativa CRL, com sede...

Pedidos: – A declaração de nulidade das cláusulas 8.ª n.º 4 dos Estatutos da Ré e 4.ª do acordo de transferência de posição, por violadoras dos art.ºs 20.º e 24.º do Regime Jurídico das Cooperativas de Habitação na parte a que se referem a condições adicionais para o reembolso dos títulos de participação; – A condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de € 18.000,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contabilizados desde a data da interpelação, 26/02/2015, até integral pagamento.

Fundamentos: Em 1998 a A. tornou-se membro de uma cooperativa de habitação visando a aquisição de uma casa próxima da residência dos seus pais, tendo pago a taxa de inscrição e as quotas mensais. Em 2012 e 2013 subscreveu dois acordos de transferência de posição entre sociedades cooperativas, o último dos quais para a ora Ré, que incluiu uma cláusula prevendo as condições de desistência do programa habitacional. De 1998 a 2013 realizou entregas no valor global de 35.299,24€ às duas anteriores sociedades cooperativas, integralmente transferidos para a Ré. Em 26/2/2015 a A. comunicou-lhe a sua desistência de cooperadora mas nunca lhe foram restituídos os títulos de participação entregues, no valor de 18.000,00€.

A Ré fundamentou a recusa na validade dos seus estatutos e da cláusula do acordo de transferência de posição, além de que a A. nunca lhe entregou qualquer quantia e que apenas detinha um potencial crédito que seria descontado ao preço final do fogo que resolvesse adquirir.

Sentença: A acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos.

Conclusões da apelação: A.

– O instituto do abuso de direito não é aplicável à posição da A.

B.

– Os pressupostos de aplicação do abuso de direito não se encontram preenchidos.

C.

– Em primeiro lugar, o comportamento da A. não criou qualquer confiança na R. de que conhecia a forma como se processava a transferência dos saldos contabilísticos e o reembolso dos valores entregues.

D.

– Com efeito, os dois acordos tripartidos denominados de “transferência de posição” são efectivamente acordos de cessão de posição contratual entre as cooperativas, dado que mantêm as obrigações principais do contrato celebrado com a cooperativa inicial XPX.

E.

– Também a assinatura de toda a documentação da cooperativa inicial, XPX e da R. pertencem ao Sr. Manuel... ou a Jorge..., o primeiro enquanto representante legal de ambas as cooperativas e o segundo enquanto seu vice-presidente, conforme docs. 4 e 5 da petição.

F.

– O email da R. é também cccx@xpx.pt conforme consta no documento 9 junto com a contestação.

G.

– Inclusivamente, as cooperativas têm a mesma sede, pelo que, na verdade, tudo se manteve, na aparência, como se os acordos fossem uma mera formalidade para proceder à substituição da cooperativa.

H.

– A indicação constante dos acordos de que, através da transferência de posição, se iria proceder à “transferência do saldo contabilístico” não é, aos olhos de um declaratário normal, revelador da forma como tal transferência é realizada.

I.

– A simples assinatura dos acordos de transferência de posição não tem a virtualidade de gerar confiança na R. quanto à forma de processar a transferência.

J.

– A assinatura dos acordos, por parte da A., baseou-se no interesse, que mantinha, na aquisição do fogo a construir e que a levou também a aceitar a nomeação de secretária para Assembleia Geral da R.

K.

– Porém, atendendo a que o empreendimento se encontrava previsto para o ano de 2012 e tendo decorrido cerca de ano e meio desde a assinatura do último acordo (Novembro de 2013) até à demissão da A., não era, nem é, exigível que a A. se veja forçada a aguardar, sine die, pela construção do loteamento para reaver o que investiu.

L.

– Tornar a A. refém da construção do loteamento ou da sua substituição por outro cooperador que entregue todo o investimento realizado pela A. desde 1998, como parece defender o Meritíssimo Juiz a quo, isso sim, excede largamente os limites da boa-fé.

M.

– Também a participação enquanto secretária da mesa de uma única assembleia geral da R. não releva para o conhecimento da A. sobre os trâmites da demissão dos cooperadores.

N.

– Trata-se de um cargo menor e que ocorreu uma única assembleia pelo que é excessiva a extrapolação realizada pelo Meritíssimo Juiz a quo no sentido da convicção criada pela A. na R.

O.

– Acresce que para que se verifique abuso de direito é necessário que quem excedeu os limites da boa-fé e dos bons costumes o faça em termos tais que o comportamento seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.

P.

– Ora, a A. está a reclamar a devolução do dinheiro que entregou há vários anos atrás, pelo que, ainda que se entenda, o que não se concebe, que a A. excedeu os limites da boa-fé, o comportamento da A. não se enquadra nos termos anteriores.

Q.

– Em segundo lugar, não se encontra preenchido o requisito de boa-fé da R.

R.

– As várias cláusulas de demissão previstas tanto nos Estatutos da R., como no acordo de transferência de posição, prevêem condições de reembolso de investimento contrárias ao determinado pelo Código Cooperativo e pelo Regime Jurídico das Cooperativas de Habitação.

S.

– Ora, sendo a R. uma cooperativa e remetendo os seus estatutos para a referida legislação, é evidente que tinha conhecimento da ilegalidade da cláusula de demissão no que diz respeito às condições de reembolso do investimento dos cooperadores.

T.

– Pelo que mal andou o tribunal a quo quando determinou preenchida a “boa-fé subjectiva própria da pessoa que ignore estar a lesar posições alheias”.

U.

– Pois que, aquando da celebração dos acordos, a R. tinha perfeito conhecimento da violação de lei contida nos acordos e estatutos.

V.

– Aliás, havendo tanta coincidência entre a XPX e a R. ao nível do objecto, das pessoas e inclusivamente da sede, nem se compreende a razão da transição dos cooperadores.

W.

– Terá sido esta uma tentativa de defraudar a lei para que os cooperadores não possam ver os seus valores reembolsados? Realmente, nesta perspectiva, será muito fácil abrir e fechar cooperativas e deixar as demissões dos cooperadores e respectivos reembolsos para as cooperativas insolventes.

X.

– Mas certamente que não é esse o objectivo do legislador cooperativo.

Y.

– Em terceiro lugar, não houve qualquer investimento de confiança por parte da R. com base na actuação da A.

Z.

– Não foi praticado qualquer acto com base na ideia de que a A. teria aceite aquelas condições de reembolso ou a transferência de saldos, pois que, até à data, nada se encontra construído.

AA.

– Neste caso, foi a A. e apenas a A. que foi prejudicada uma vez que investiu o seu dinheiro, como se diz na gíria, em “saco roto”, sendo a R. quem dele beneficia.

BB.

– Isto é, a R. beneficia das entregas realizadas pela A. uma vez que recebe das anteriores cooperativas um trabalho de infra-estruturas pago com os referidos montantes, conforme mencionado na cláusula 1.ª do acordo de transferência de posição junto com contestação.

CC.

– Porém, a A. não obteve qualquer benefício desse investimento e, de acordo, com a douta sentença só lhe resta aguardar pela construção do empreendimento ou pelo milagre de encontrar alguém disponível para entregar € 18.000,00 à R. sem nada estar construído.

DD.

– Mais, de acordo com o entendimento constante da sentença, a R. beneficiaria, ad eternum, do acesso a fogos “livres de ónus e encargos” uma vez que o dinheiro entregue pela A. à cooperativa inicial e investido no trabalho de infra-estruturas do empreendimento apenas seria reembolsado quando o loteamento estivesse construído, caso venha a sê-lo! EE.

– É esta a conclusão a que se chega com a sentença emitida pelo douto Tribunal a quo e que, salvo o devido respeito, viola os mais elementares princípios de justiça e equidade.

Nestes termos, requer-se a revogação da sentença na parte respeitante à aplicação do instituto do abuso de direito e a substituição por acórdão condenatório no pagamento pela R. do montante investido de € 18.000,00 acrescido de juros de mora desde a data da demissão.

Conclusões das contra-alegações.

A)– A pretensão formulada pela Recorrente de que, a sentença que ora se submete à apreciação de V. Exas deverá ser revogada na parte referente ao abuso de direito na vertente venire contra factum proprium, é totalmente improcedente e infundada, isto porque, conforme se verifica, quer por todo o alegado supra, mas fundamentalmente pelo que resulta de toda a prova careada para os autos.

B)– Assim, bem andou o Tribunal a quo ao determinar que efectivamente, nesta situação em concreto, existiu abuso de direito na vertente venire contra factum proprium, e cuja confirmação desde já se requer.

C)– Deste modo, no caso concreto dos presentes autos, verificou-se a existência de um comportamento anterior da Recorrente susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança por parte da Recorrida.

D)– Nomeadamente, com a assinatura de dois acordos similares num período de cerca de dois anos, em que a Recorrente sabia exactamente como o seu saldo contabilístico era transferido, bem sabendo que nunca tinha entregue qualquer valor à Recorrida.

E)– Mais, de tal forma a Recorrente suscitou um investimento de confiança na Recorrida que, abordada a questão da Recorrente poder ir reclamar créditos no âmbito da insolvência da única Cooperativa (XPX) onde fez entregas de valores, a Recorrente optou por não fazê-lo, preferindo manter-se na situação em apreço, uma vez que, em termos práticos, mantinha as mesmas vantagens, ou seja, era a primeira da lista a poder escolher um fogo e usufruía de um desconto final aquando da aquisição do fogo por si escolhido.

F)– Também com relevância para a situação em apreço, de referir que a situação anterior e actual Recorrente deve-se, exclusivamente, a si...

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