Acórdão nº 7366/15.6T8LRS.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL RODRIGUES
Data da Resolução09 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.

– O Banco ...

., notificado da improcedência de recurso hierárquico interposto pelo interessado F..., que granjeou a adesão expressa do ora Recorrente, impugnou judicialmente a decisão tomada no processo de rectificação n.º 1/2014, da Conservatória do Registo Predial e Comercial de Odivelas, instaurado a coberto da ap. 6010, de 2014/06/19, no sentido de se proceder à extractação do registo da hipoteca voluntária, corresponde à inscrição C-3, Ap. 36/900803, que consta da ficha em suporte papel relativa à fracção autónoma descrita sob o n.º 526/19880706-AC, freguesia de Póvoa de Santo Adrião, a favor do Crédito Predial Português, S.A. (actualmente Banco ...), que, por lapso, não foi oportunamente reproduzida na ficha informática.

Alegou o impugnante, ora Recorrente, para tanto e em síntese, o seguinte: «– no processo de rectificação foi proferida decisão que julgou procedente o pedido de rectificação do registo apresentado e determinou que fosse efectuada a extractarão da inscrição C-3, Ap. 36/900803, na descrição subordinada n.º 00526/900703, da Póvoa de Santo Adrião, correspondente à fracção identificada pelas letras “AC”; – tal decisão é datada de 31 de Dezembro de 2014 e foi proferida no seguimento do pedido de rectificação deduzido pelo Banco ..., entidade a favor da qual impenderia a hipoteca em apreço, instaurado a coberto da Ap. 6010, de 19.6.2014; – a decisão em crise mereceu a interposição de recurso hierárquico pelo interessado F..., que granjeou a adesão expressa do Banco ora impugnante, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 131º-A do Código de Registo Predial, por requerimento junto ao processo de retificação de registo; – a legitimidade do Banco ora impugnante advém do facto de a procedência do processo de rectificação poder determinar uma clara compressão do direito real de garantia que, a seu favor, impende sobre o imóvel registado e que, como tal, lhe confere um evidente interesse em agir; – a 16 de Julho de 2009, data da outorga da escritura pública de compra e venda e constituição de hipoteca outorgada entre o interessado recorrente, F..., a sua mulher e os demais comproprietários do imóvel em apreço, na qualidade de vendedores, A... e A..., na qualidade de compradores, e o Banco ..., na qualidade de mutuário e beneficiário da hipoteca constituída, não constava do registo a existência de uma anterior hipoteca ou qualquer outra garantia, ónus ou encargo sobre o imóvel objeto do negócio; – tal escritura pública foi, aliás, instruída com uma impressão da certidão permanente on line do imóvel em crise, devidamente arquivada pelo Notário, conforme se encontra expressamente consignado no documento; – donde, no momento da celebração do negócio titulado pela referida escritura pública tinham as partes intervenientes - ou, pelo menos e seguramente, os compradores e o credor hipotecário – uma expectativa legítima e asseverada pela lei, pela fé pública e pela segurança que promana do registo da inexistência de qualquer hipoteca, ónus ou encargo que fosse sobre o imóvel; – o registo da hipoteca tem eficácia constitutiva dela e não pode existir hipoteca sem que exista o registo da sua constituição, nos termos dos artigos 687º do Código Civil e 4º, n.º 2 do Código do Registo Predial; – a existência do procedimento no âmbito do qual terá sido declarada anulada a venda do imóvel não foi devidamente levado a registo ou, pelo menos, não o foi ao tempo da venda a terceiro, pela parte interessada em se prevalecer, agora, da hipoteca anterior; – é à parte onerada com a obrigação de proceder ao registo da ação que é imputável a criação das legítimas expectativas que nortearam a subsequente transmissão e oneração do imóvel; – a repristinação da hipoteca de terceiro não pode ser oponível aos terceiros de boa fé, sendo a compressão dos seus direitos de propriedade e garantia, no limite, o ostensivo uso de um direito para além da ratio que lhe subjaz; – a proceder a rectificação do registo e a “renascer” a hipoteca do Banco ... deveria esta ser objecto de um novo registo, com data e precedência da decisão que o determina, e não ser repristinada a inscrição, com génese em data anterior, oportunamente cancelada, nos termos do artigo 732º do Código Civil; – o recurso hierárquico em crise veio a ser julgado improcedente, em violação das normas constantes dos artigos 1º, n.º 2, 4º, n.º 1, 5º e 122º do Código de Registo Predial e, bem assim, dos artigos 687º e 732º do Código Civil; – ambas as decisões partilham uma ideia base comum: a coexistência, com plena validade e paralela aptidão para a produção de efeitos jurídicos, de dois suportes de registo: o registo em suporte papel e o registo em suporte informático, o que configura um claro atentado à segurança jurídica que o instituto do registo visa salvaguardar; – o suporte informático substitui, em cada caso, definitivamente, o suporte em papel, transmitindo-se para o novo suporte o valor jurídico e os legais efeitos do registo; – a partir do momento em que o anterior registo em papel é extractado para suporte informático cessa a existência – o valor jurídico como registo – do anterior, desde logo, porque, a partir desse momento, qualquer informação registral ou certidão predial terá por objecto o registo informático, e não o registo físico substituído; – foi precisamente o que sucedeu aquando da outorga da escritura de compra e venda do imóvel a terceiro e da constituição de hipoteca, a favor do impugnante, sobre o imóvel em crise; – tal interpretação resulta do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, que preconiza a transição para o suporte informático dos elementos antes vertidos em suporte físico, e da qual resulta que, a partir da transição da informação para suporte digital, cessa a existência – o valor como registo – dos antigos livros, fichas e verbetes; – tal interpretação resulta também do artigo 22º do Código de Registo Predial, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, que elimina os antigos livros e fichas em suporte físico e consagra, como único suporte documental das fichas de registo, o suporte informático; – por outro lado, falha o decisório proferido em sede de recurso hierárquico quando consigna não ter sido provada a sucessão do “Banco ....” na titularidade do direito garantido pela hipoteca registada sobre o imóvel; – não só a matéria de facto que integra a sucessão do Banco .... na titularidade do direito garantido pela hipoteca registada sobre o imóvel foi devidamente alegada no requerimento apresentado, como foi o mesmo instruído com cabal prova documental, cópia das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 e 11 de agosto de 2014, no seguimento das quais foi criado o Banco ora impugnante e determinada a transmissão de uma pluralidade de direitos e obrigações do “Banco ...”; – a hipoteca encontra-se devida e concretamente identificada na Deliberação do Banco de Portugal de 26 de Outubro de 2014, cujo conteúdo é do integral conhecimento do Instituto dos Registos e Notariado, como tendo sido transferida para a esfera jurídica do Banco ...; – a “repristinação” de um direito que não existia no registo (no registo informático, com base no qual foi emitida a certidão predial levada em consideração aquando da constituição da hipoteca a favor do Banco ...) pode configurar uma evidente compressão no direito real de garantia do Banco ora impugnante; – não corresponde à verdade quando se diz que a hipoteca a favor do Banco ... “nunca deixou de estar publicitada no registo, em suporte respeitante à fracção autónoma que constitui o seu objecto”; – este entendimento não só contraria a ideia de segurança jurídica que o instituto do registo preconiza e salvaguarda, como potencia um inconcebível ónus para um terceiro que vá buscar informações ao registo de “confirmar” se a certidão emitida, com base no que consta do sistema informático dos registos, está conforme com o que antes constava do vetusto suporte papel e que foi extractado para o suporte digital; – durante mais de dez anos, do registo não constava a existência de uma hipoteca sobre o imóvel a favor do Banco ...; – não pode a Justiça compadecer-se com uma decisão que, mais de uma década depois do ato omissivo, vem tudo sanar, remetendo a questão a um “mero lapso”, a suprir oficiosamente.» 1.1.

– O processo foi com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência da impugnação.

1.2.

– A final, foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, mantendo a decisão recorrida, ou seja, o deferimento resultante do processo de rectificação n.º 1/2014, pela Conservatória do Registo Predial e Comercial de Odivelas.

  1. – Inconformado com o decidido, apelou o interessado BANCO ..., ora Recorrente, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: «A)– A sentença recorrida manteve a decisão do Conservador do Registo Predial, justificando para tal que “pretensão foi mantida, nos termos da douta sentença que se transcreve “o registo por extratar consta da ficha de registo em suporte papel como um registo existente, válido e plenamente eficaz, inexistindo por isso uma verdadeira retificação do conteúdo do registo original, stricto sensu, mas apenas uma retificação do ato material de execução ou extratação do registo em vigor no novo suporte”.

    B)– A base da referida decisão assentou o facto de se tratar da sanação da desconformidade dos averbamentos registais que incidem sobre a fracção autónoma sub judice, nomeadamente entre o averbado em papel e o inscrito no registo informatizado.

    C)– Foram dados como provados que, à data da escritura pública outorgada em 16 de Junho de 2009, em Lisboa, os herdeiros do anterior proprietário do imóvel que aqui se discute, venderam a A... e A... e estes compraram-no.

    D)– Por outro lado, ficou ainda provado que tais compradores contraíram...

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