Acórdão nº 15261/14.0T2SNT-D.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução20 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO 1. Em 14.02.2016 o administrador da insolvência nomeado nos autos em que fora declarada insolvente Sociedade de Construções Lda, requereu ao juiz do processo que ordenasse a tomada de posse, ainda que com arrombamento e requisição de força pública, de uma fração autónoma, para habitação, que identificou, pertencente à insolvente, a qual estava ocupada por Raúl e mulher Ana.

O administrador da insolvência alegou que, tendo sido deliberado o prosseguimento dos autos para liquidação, encontrava-se a organizar as vendas para o que carecia de tomar efetiva posse dos bens apreendidos, entre os quais o supra referido, que constitui a verba n.º 4. Os ditos ocupantes são autores de uma ação de verificação ulterior de créditos, que constitui o apenso E, e nos termos da respetiva petição inicial não querem entregar a fração ao administrador da insolvência enquanto não receberem o peticionado valor de € 60 000,00. A ação não foi contestada pela massa insolvente, desconhecendo-se se algum credor, nomeadamente o credor garantido Banco Popular, deduziu, ou não, contestação. Porém, seja como for, está em causa sempre um mero direito de crédito, sendo certo que a fração está apreendida e a declaração de insolvência está registada no registo predial.

  1. Em 13.3.2017 foi proferido o seguinte despacho: “Notifique, pessoalmente e na pessoa do seu mandatário, as pessoas indicadas no ponto 3 de fls. 117 para, no prazo de 10 dias, procederem à desocupação do imóvel por si ocupado, com a advertência de que, findo aquele prazo, poderá ser autorizada a requisição da força pública para o efeito.” 3. Em 14.3.2017 Raúl e Ana requereram a aclaração do despacho referido em 2, nos termos que se transcrevem: “1.º O Despacho em causa foi proferido na sequência de requerimento apresentado pelo Administrador de Insolvência em 14 de Fevereiro último, a fls. 117, o qual não foi notificado ao ora subscritor, mandatário constituído dos ora requerentes no apenso E; 2.ºO que desde logo ofende o princípio do contraditório, em particular num tema tão sensível como o de entrega da casa de morada de família dos ora requerentes; 3.º Nulidade essa (ou pelo menos irregularidade) que desde já se vem arguir, nos termos e para os efeitos legais; 4.º Acresce que a massa insolvente não contestou a ação proposta pelos requerentes, a que corresponde o apenso E dos presentes autos; 5.º Conforme admitido pelo próprio Administrador de Insolvência no seu requerimento de fls. 117; 6.º Ora, em tal ação, os ora requerentes peticionaram que fosse tal ação declarada procedente por provada, e em consequência:

  1. Ser reconhecido e graduado, a favor dos AA. o crédito correspondente do dobro pago a título de sinal e princípio de pagamento, no valor global de €60.000,00 (sessenta mil euros), a que acrescerão juros vincendos contados sobre as datas das respetivas entregas e até efetivo e integral pagamento; b) Ser reconhecido o direito de retenção dos AA. sobre a fração autónoma objeto do contratopromessa de compra e venda celebrado com a celebrado com a insolvente “Sociedade de Construções, Lda”.

  2. Ser apensada a presente ação aos presentes autos de insolvência n.º 15261/14.0T2SNT, nos termos do preceituado no artigo 148.º do CIRE, devendo a secretaria lavrar termo no processo principal da Insolvência com a identificação da presente acção e do seu teor, bem como a reprodução do pedido, o que equivale a termo de protesto.

  3. Ser ordenada a citação dos credores da massa Insolvente e do Senhor Administrador de Insolvência para, querendo, contestarem.

    1. Ou seja, não corresponde à verdade o vertido pelo Senhor Administrador de Insolvência quando diz que tal ação, não contestada, se limita a fazer valer um direito de crédito; 8.º Pelo contrário, os ora requerentes, aí AA., peticionaram expressamente o reconhecimento do seu direito de retenção sobre a fração autónoma em causa, emergente da posse pacífica e titulada da mesma, onde têm a sua casa de morada de família desde Agosto de 2006; 9.º Da eventual procedência de tal ação resultará o reconhecimento do crédito dos AA. privilegiado porque garantido pelo direito de retenção sobre a fração autónoma em causa; 10.º Ou seja, a douta Sentença a proferir no apenso E constitui questão prejudicial quanto ao despacho a proferir relativamente ao requerimento de fls. 117 – justamente porque relevante para o conhecimento da pretensão do Senhor Administrador de Insolvência, por não se tratar (ao contrário do pretendido por este) de “apenas um direito de crédito, nada mais” (sic); 11.º Por analogia, note-se que qualquer ação de despejo ou procedimento executivo que envolva a casa de morada de família implica sempre o exercício do contraditório por parte do legítimo possuidor (como é o caso, em particular atenta a não contestação pela massa insolvente), e inclusivamente a possibilidade (no caso de despejo) de recurso independentemente do valor da causa.

    2. Em conformidade, e com o douto suprimento de V. Exa., requer-se a aclaração do douto Despacho com a referência 105457420, datado de 13 de Março de 2017, nomeadamente no sentido de se apurar como se compagina com o consagrado, doutrinaria e jurisprudencialmente, direito de retenção dos ora requerentes, e também com as normas de proteção da casa de morada de família, 13.º eventualmente determinando a abertura de conclusão no apenso E para prolação de Sentença, da qual dependerá a decisão a proferir quanto ao requerido pelo Senhor Administrador de Insolvência, 14.º naturalmente sem prejuízo (a manter-se o Despacho com a referência 105457420) do legítimo direito dos ora requerentes a deduzirem embargos preventivos de terceiro, e/ou a recorrer do mencionado Despacho.

    ” 4. Em 16.3.2017 foi proferido o seguinte despacho: “Por requerimento apresentado em 14.02.2016, o Administrador da Insolvência requereu autorização para requisitar o auxílio da força pública para tomada efectiva de posse de uma fracção autónoma em virtude da recusa dos seus ocupantes.

    O despacho que foi proferido em resposta foi a fixação de um prazo de 10 dias para o ocupante proceder à desocupação.

    Não se vislumbra em tal procedimento, que fixando um prazo visou efectivamente assegurar contraditório no processo, violação do princípio do contraditório que determine a nulidade ou anulabilidade de qualquer acto.

    A questão de estar pendente acção de verificação ulterior de créditos na qual foi pedido o reconhecimento de crédito a favor do ocupante do imóvel garantido por direito de retenção em nada releva para a questão, nomeadamente não constituindo questão prejudicial que obste à entrega.

    Com efeito, o direito de retenção, no processo de insolvência, confere ao seu titular o direito a ser pago com a prioridade inerente, mas não a recusar a entrega ao administrador judicial.

    Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão proferido em 15.01.2013 (disponível em www.dgsi.pt, processo: 511/10.0TBSEI-E.C1), “(…) XXII - O direito de retenção resolve-se no direito conferido ao credor, que encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.

    XXIII - O direito de retenção, porque dispõe de sequela – de que a inerência, i.e. inseparabilidade do direito real e da coisa é a noção base – é um verdadeiro real.

    XXIV - O direito de retenção...

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