Acórdão nº 1503/16.0YRLSB-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | ROSA RIBEIRO COELHO |
Data da Resolução | 06 de Julho de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa(7ªSecção Cível) Relatório: I–Constituiu-se, com sede nas instalações do ARBITRARE, Centro de Arbitragem para a Propriedade Industrial, Nome de Domínio, Firmas e Denominações, em Lisboa, um tribunal arbitral necessário[1], ao abrigo do art. 2º da Lei nº 62/2011, de 12.12, para julgamento de um litígio entre as demandantes ..., LTD[2] e ...-... COMPANY, LLC[3] e a demandada ... PORTUGAL – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.
[4], no seguimento da publicação, em 25.7.2014, pelo INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P., na sua página eletrónica, de autorizações de introdução no mercado do medicamento genérico contendo a substância activa Pregabalina, sob a forma farmacêutica de cápsulas (25 mg/ml, 50 mg/ml, 75 mg/ml, 100 mg/ml, 150 mg/ml, 200 mg/ml, 225 mg/ml e 300 mg/ml). – pág. 3.
As demandantes apresentaram a petição inicial, na qual deram à causa o valor de € 30.000,01 e pediram – fls. 49 -, com base nos factos que aí alegaram, a condenação da demandada: A.-A não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA para os quais requereu as AlMs em causa nestes autos dirigido ao tratamento da dor até à data de caducidade da EPO934061; B.-A não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse de quaisquer medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor até à data de caducidade da EPO934061; C.-Até à data de caducidade da EPO934061, a eliminar do Resumo das Características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, direta ou indireta, ao tratamento da dor; e D.-Até à data de caducidade da EPO934061, a: (i) não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e utilizar, importar ou estar na posse de medicamentos genéricos de PREGABALINA em quantidade superior a 1.293,5 kg, correspondente à quantidade máxima de vendas anuais da PREGABALINA para as indicações livres até hoje registada; e (ii) a entregar todos os anos, em 31 de janeiro e a 31 de julho, às demandantes, um montante correspondente a 8% do valor correspondente a 72% das suas vendas nos semestres imediatamente anteriores, registadas pela IMS, do seu medicamento genérico de PREGABALINA; ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente a D, E.-Até à data de caducidade da EPO934061 a entregar todos os anos, em 31 de janeiro e a 31 de julho, às demandantes, um montante adequado correspondente a 12% do valor correspondente a 72% das suas vendas nos semestres imediatamente anteriores, registadas pela IMS, do seu medicamento genérico de PREGABALINA; F.-No pagamento dos honorários dos árbitros e demais encargos do processo arbitral, incluindo encargos administrativos, honorários de peritos, técnicos e advogados; G.-Nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 48.000,00, por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do acima peticionado.
A demanda contestou, pedindo a sua absolvição de todos os pedidos, bem como a condenação das demandantes no pagamento integral dos custos e encargos decorrentes desta ação, a reembolsá-la dos montantes por si despendidos com as provisões por conta dos honorários dos árbitros e do secretário e das despesas administrativas e, ainda, dos valores despendidos com os honorários dos mandatários e outras despesas em que esta incorra por força desta ação arbitral.
Após articulado em que as demandantes disseram responder às exceções deduzidas na contestação e de requerimento, ao abrigo do direito ao contraditório, onde a demandada pediu que aquele articulado não fosse admitido, foi proferida decisão que admitiu a referida resposta e concedeu à demandada novo prazo para a ela responder, o que não aconteceu.
Foi pedida e admitida a alteração do pedido formulado na petição sob a alínea C), cujo conteúdo passou a ser a condenação da “Demandada, e até à data de caducidade da EP0934061, a não incluir no Resumo das Características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, directa ou indirecta, ao tratamento da dor”. – Vol. VII, pg. 1201 Realizou-se a audiência de produção de prova e foi proferida decisão arbitral que, após pronúncia sobre a matéria de facto controvertida levada ao guião de prova, julgou pela seguinte forma o mérito dos pedidos formulados pelas demandantes: a)-Procedente o pedido A., condenando a demandada a não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA para os quais requereu as AlMs em causa nestes autos dirigido ao tratamento da dor até à data de caducidade da EPO934061; b)-Procedente o pedido B., condenando a demandada a não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse de quaisquer medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor até à data de caducidade da EPO934061; c)-Procedente o pedido C., condenando a demandada, e até à data de caducidade da EP0934061, a não incluir no Resumo das Características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, direta ou indireta, ao tratamento da dor; d)-Improcedente o pedido D., dele absolvendo a demandada; e)-Parcialmente procedente o pedido E., condenando a demandada a pagar às demandantes uma compensação, a liquidar em execução desta decisão arbitral, com base na efetiva utilização que se comprovar da utilização dos medicamentos genéricos da demandada para o tratamento da dor e no aumento patrimonial que se demonstrar ter sido por ela obtido, na medida em que ele não seja imputável a terceiros potencialmente responsabilizáveis; f)-Improcedente o pedido designado em G., de condenação da demandada em sanção pecuniária compulsória, absolvendo aquela em conformidade.
E, tendo previamente fixado em € 10.000.000,00 o valor da causa, condenou: -as demandantes, em conjunto, a pagarem 90% dos encargos do processo; -a demandada a pagar 10% dos encargos do processo.
Tendo sido pedido pelas demandantes o esclarecimento da decisão constante de e), o TA esclarecer a respetiva fundamentação e manteve inalterado esse segmento decisório.
Contra ela apelaram as demandantes, tendo apresentado alegações onde pedem a sua alteração no sentido da condenação da demandada a pagar-lhes uma compensação, nos termos peticionados ou a liquidar em execução de sentença, com base na efetiva utilização que se comprovar dos medicamentos genéricos da recorrida para o tratamento da dor, nos termos descritos nas suas alegações, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: A.-Por acórdão de 26 de abril de 2016, o Tribunal Arbitral condenou a Recorrida nos pedidos A, B, C e, parcialmente, no pedido E, tendo absolvido a Recorrida dos pedidos D (por manifesta impossibilidade) e G, conforme identificados no ponto 2, supra. Adicionalmente, condenou as Recorrentes, em conjunto, a pagarem 90% dos encargos totais do processo arbitral, fixando o valor da arbitragem em € 10.000.000,00 (dez milhões de euros).
B.-Na perspetiva das Recorrentes, tal decisão não pode ser mantida.
C.-Em função da situação factual dada como provada na Decisão Recorrida, e como decidido pelo Tribunal Arbitral, a Recorrida, através da comercialização dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA, beneficia de vendas da mesma substância para a indicação protegida referente ao tratamento da dor neuropática – o que lhe estaria e está vedado.
D.-Tal situação consubstancia uma colisão de direitos nos termos e para os efeitos do artigo 335.º do Código Civil, entre o direito de exclusivo das Recorrentes que resulta da patente conferida e o direito da Recorrida à comercialização desses medicamentos genéricos para as indicações livres, tal como foi reconhecido pelo Tribunal Arbitral.
E.-No entanto, não obstante ter reconhecido a situação de colisão de direitos entre o direito de exclusivo das Recorrentes à comercialização da substância ativa de PREGABALINA para o tratamento da dor e o direito das Recorridas a comercializar a referida substância ativa para as indicações livres, o Tribunal Arbitral considerou, em termos juridicamente infundados, que a aplicação do instituto da colisão de direitos tinha natureza subsidiária em relação ao regime da responsabilidade civil, deste modo fazendo depender o pagamento de uma compensação ao abrigo do artigo 335.º do Código Civil da demonstração (desnecessária e particularmente onerosa) de que a comercialização dos referidos medicamentos para a indicação protegida não é imputável a terceiros potencialmente responsabilizáveis.
F.-No entanto, tal entendimento é incorreto, desde logo porque não poderá ser assacado à expressão “na medida do necessário”, constante do artigo 335.º, n.º 1, do Código Civil, o caráter subsidiário do regime, já que a referida expressão não é sinónima da expressão subsidiário, não tendo por isso o entendimento do Tribunal Arbitral qualquer respaldo no texto da lei, em contravenção ao disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.
G.-Ao invés, a referida expressão “na medida do necessário” apresenta-se como um dos elementos de estatuição do artigo 335, n.º 1, do Código Civil, limitando-se a caracterizar o modo como, ante uma situação de colisão, deverá ocorrer a cedência entre os direitos colidentes.
H.-Por outro lado, não existe para a figura da colisão de direitos qualquer norma que determine a sua subsidiariedade em face de outras figuras do ordenamento jurídico, o que se entende na medida em que o mesmo instituto possibilita a determinação de uma restrição ao âmbito e exercício normal de extensão de uma determinada permissão normativa (leia-se...
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