Acórdão nº 279/16.6T8MFR.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | ANABELA CALAFATE |
Data da Resolução | 06 de Julho de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório J... e D... instauraram procedimento cautelar contra M... requerendo a restituição provisória da posse do espaço de estacionamento da cave do prédio identificado na petição inicial e que se encontra assinalado como “Est. 5” na planta de arquitectura de alterações apresentada na Câmara Municipal de Mafra junta como doc. 10.
Alegaram, em síntese: - são proprietários da fracção autónoma “B”; - na escritura pública de constituição da propriedade horizontal e no registo predial consta que existem na cave 6 lugares de estacionamento e que da fracção “B” faz parte um lugar de estacionamento para automóveis com o nº 2; - mas inexiste o lugar de estacionamento assinalado como nº 2 devido a um pilar que inviabiliza totalmente esse espaço para parqueamento de qualquer veículo automóvel, - pelo que na realidade só existem cinco lugares de estacionamento; - nunca foram numerados fisicamente os lugares de estacionamento e as arrecadações existentes na cave; - aquando da venda das fracções, o proprietário do prédio atribuiu e indicou a cada um dos compradores os lugares de estacionamento, - tendo adjudicado o estacionamento nº 5 à fracção “B” devido à inutilização/ inexistência do espaço correspondente ao Estacionamento nº 2; - e aquando da venda da fracção “E”, por ser a última a ser vendida, o proprietário do prédio acordou com o comprador que a mesma ficava sem lugar de estacionamento e por isso reduziu-lhe o preço; - há mais de 16 anos que cada um dos proprietários das fracções desse prédio têm possuído os lugares de estacionamento conforme foi atribuído pelo vendedor, continuadamente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercerem um direito próprio; - posteriormente, a requerida comprou a fracção “E” e apesar de ter sido informada de que não tinha lugar de estacionamento passou a ocupar o espaço correspondente ao lugar de estacionamento nº 5 que até então sempre tinha sido ocupado pelos requerentes e antepossuidores da fracção “B”, - impedindo os requerentes de ali estacionarem o seu veículo ou de qualquer forma utilizarem esse espaço, - esbulhando assim violentamente, até hoje, a posse dos requerentes.
Após inquirição de testemunhas, foi proferida decisão, sem citação nem audiência da requerida, constando no dispositivo: «julgo procedente, porque provado, o procedimento cautelar de restituição provisória da posse, razão pela qual ordeno que seja restituída aos requerentes a posse sobre o lugar de estacionamento melhor identificado em 11. do julgamento de facto por referência ao prédio constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 2883 da freguesia de Ericeira, o prédio urbano sito na Rua da Fonte, n.º 2, Fonte Boa da Brincosa, Ericeira.» Inconformada, apelou a requerida, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
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Nestes autos de providência cautelar, vêm os requerentes pedir a restituição provisória da posse de um lugar de estacionamento identificado com o n.º 5 do prédio inscrito na matriz sob o art. 6.188º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2883.
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Para tanto alegam ser donoso e legítimos proprietários da fracção B do referido prédio.
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A qual está descrita na Conservatória do Registo Predial e na matriz como sendo rés-do-chão direito para habitação, logradouro com 94 m2, arrecadação e um lugar de estacionamento na cave, ambos com o n.º2.
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Invocam para pedir a restituição do estacionamento com o n.º 5 o facto de terem ocupado o referido n.º 5 desde que há 7 anos compraram a fracção autónoma.
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A requerida adquiriu em Maio de 2016 a fracção E do mesmo prédio e que tem registada a seu favor a referida fracção que se compõe de “segunda andar direito para habitação, arrecadação e um lugar de estacionamento na cave, ambos com o n.º “5”.
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Após a compra do imóvel a requerida, por carta e em Assembleia de Condóminos, manifestou o propósito de ocupar o seu lugar n.º 5 da cave, e efectivamente em data não identificada, mas quando o estacionamento n.º 5 estava livre, a requerida ali parqueou o seu veículo.
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Foram juntos os títulos de propriedade dos requerentes e requerida e a planta que é Tela Final com certidão da Câmara Municipal de Mafra onde estão identificados e adjudicados os lugares de estacionamento na cave.
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O Tribunal a quo considerou os documentos que identificam como proprietária do n.º 5 a requerida (facto reconhecido pelos requerentes) entendeu decretar a Providência sem audição da requerida e sem fundamentar.
Do que se recorre nesta Apelação.
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Foi violado o disposto no art. 378.º do C.P.C. por não fundamentada. Tal decisão é nula, nos termos do art. 615.º n.º2 al. b) do C.P.C.
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A sentença recorrida decidiu, sem contraditório, baixar o valor da acção de 10.000,00€ para 5.650,00€ €, sem fundamentar tal decisão.
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O incidente de fixação de valor da acção exige fundamentação e o exercício do contraditório.
Nesta fase do processo não há fundamento para tal incidente.
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Ao baixar o valor do processo arbitrariamente foram violados os arts. 301.º e seguintes do C.P.C. porque não fundamentada a decisão é nula nos termos do art. 615.º, n.º2 al. b) do C.P.C.
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Decidiu inda o Tribunal a quo que a matéria da posse foi cabalmente provada pelos requerentes, assim com o esbulho e violência.
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Tendo decretado a restituição provisória da posse.
Com o que a ora Apelante se não conforma e interpõe este Recurso.
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Quanto à falta de audição prévia da requerida é manifesto que o art. 378.º apenas dispensa a audição quando, pela análise dos documentos, é manifesta a procedência do pedido.
Ora, estamos perante situação inversa. Os documentos mostram que o direito de propriedade do estacionamento é da requerida. Logo havia que ser exercido o contraditório.
Tanto assim que, não é com base nos documentos que a providência é decretada, mas sim no depoimento das testemunhas que invocam a posse.
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A falta de fundamento do despacho de fls. 41 constitui nulidade deste e de todo o processado subsequente (art. 615.º n.º2 al. b) do C.P.C.).
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É totalmente arbitrária a alteração do valor do processo (Ou será lapso de computador?).
O autor indicou 10.000,00€ para o valor do processo. Não houve contraditório.
Não houve qualquer avaliação.
A decisão de baixar o valor do processo é manifestamente arbitrária e sem fundamento de facto ou direito.
Deve por isso, ser mantido o valor inicialmente indicado, até ser exercido contraditório.
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Verifica-se erro na apreciação da matéria de facto, por não terem sido atendidos aos documentos autênticos que fazem fé pública do direito de propriedade – Registo Predial, escritura de constituição de Propriedade Horizontal, escritura de compra e venda, certidão camarária com identificação das fracções.
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O ponto 4.8. da matéria de facto é conclusivo e contra legem.
O Tribunal não pode alterar a propriedade horizontal unilateralmente.
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O ponto 4.10. da matéria de facto faz uso das declarações das testemunhas acrítico e contra os documentos juntos pelos AA, confundiu posse com uso tolerante.
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Os pontos 4.11., 4.12. e 4.13. devem ser dados por não escritos porque sem fundamento.
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Os pontos 4.15. e 4.18. da matéria de facto contrariam a prova produzida e daí que também não devem ser dados por provados.
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A restituição provisória da posse exige que se verifiquem cumulativamente 3 requisitos – Posse do requerente, esbulho e violência.
Ora, está demonstrado nos autos que os requerentes não têm título de direito de propriedade sobre o estacionamento que alegam possuir.
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Os requerentes terão eventualmente gozado da tolerância e ausência dos proprietários do estacionamento n.º 5.
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Tal tolerância não confere animus de possuidor. Ao invés, desde sempre os condóminos sabiam das trocas de lugares.
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O direito de propriedade não pode ser afastado pela posse abusiva e não titulada. Nem a Propriedade Horizontal alterada contra o disposto no art. 1419.º. do C.C.
A
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Não se verifica o esbulho por ter sido legalmente exigido através de carta e na Assembleia de Condóminos, o uso do direito de propriedade, pela requerida.
BB) Nem sequer raia o conceito de violência, alegar em público que irá fazer valer os seus direitos em Tribunal e eventualmente chamar a G.N.R.
CC) Pelo que não se verifica estar cumprido qualquer dos pressupostos exigidos para procedência do pedido de restituição provisória da posse.
DD) Ao decidir em contrário o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 1251.º, 1256.º, 1261.º, 1279.º, 1416.º do C.C. e 362.º, 377.º e 387.º e seguintes do C.P.C., e art. 7.º do Código do Registo Predial.
EE) Pelo que, revogando-se a decisão recorrida e indeferido o pedido se fará justiça.
Não há contra-alegação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas: - se a decisão recorrida é nula nos termos do art. 615º nº 1 al. b) [certamente por lapso de escrita a recorrente refere nº 2 al. b)] do CPC por, sem fundamentação, ter sido dispensada a audição da requerida - se a decisão que alterou o valor da causa é nula nos termos do art. 615º nº 2 al b) do CPC por não estar fundamentada - se deve ser mantido o valor da causa indicado na...
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