Acórdão nº 31756/16.8T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução06 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO LUÍS …..

, residente na ….., intentou, em 22.12.2016, contra: 1. ISABEL …..

, residente em ……., 2. ÁLVARO …..

, residente em …..

acção declarativa comum, através da qual formula os seguintes pedidos: a. Condenação dos réus a reconhecerem que a compra e venda, referente à escritura de 30 de Maio de 2003, celebrada no 12.º Cartório Notarial de Lisboa, é nula porque dissimula uma compra e venda real entre Comércio Automóvel, Lda., e o 2.º R., da fracção autónoma “H” que constitui o 3.º andar Dto. do prédio urbano que foi designado por lote 48 e que hoje tem o mesmo número de polícia, sito na ….., em Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia da Ameixoeira, sob o art.º 338 e descrito na 7.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 864 da freguesia do …., afecto ao regime de propriedade horizontal.

b. Declarando-se também por não corresponder a qualquer troca efectiva de vontades das partes, nulo e de nenhum efeito, o contrato de comodato da mesma fracção predial dito celebrado entre a 1.ª R. e o A..

c. Substituir-se o Tribunal ao 2.º R., para ser emitida a declaração de transferência da propriedade da fracção autónoma em causa, em favor do A., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 830.º/1 CC.

Fundamentou o autor esta sua pretensão da forma seguinte: 1. O A. sucedeu a sua mãe Maria …., no arrendamento comercial, para habitação e hospedaria de quase todo o prédio de 4 pisos sito no n.º 21 da Travessa ….. (excepto o 3.º andar Dto.), Lapa, Lisboa, de que eram senhorios Joaquim …., Joana …., celebrado por escritura pública do 1.º Cartório Notarial de Lisboa, datada de 21/11/1967.

  1. A R. é filha do R. Álvaro…., casado, maior, industrial, residente em ….., o qual, a partir de certa altura (2000/2002), sendo parente dos senhorios, gizou o plano de adquirir todo o prédio, para o colocar no mercado imobiliário, então, em alta.

  2. Para tanto, necessitava ele, Álvaro …., de desocupar os andares que foram dados de arrendamento à mãe do A. e de que este, como disse acima, foi sucessor, por falecimento, sem outros descendentes, em 30.03.1993 da Senhora sua Mãe D. Maria …que com o A. sempre manteve residência conjunta no prédio indicado em 1.

  3. Nesse sentido, acordou o R. Álvaro … (2002/04/17) com o A. uma futura rescisão do contrato de arrendamento mediante promessa firme e escrita da contrapartida de o instalar, a si, em casa própria, e que passasse a pertencer-lhe de facto e de direito, situada em Lisboa.

  4. Transcreve-se do acordo escrito, neste sentido, o seguinte: “[1]O primeiro outorgante [o A.] é titular do arrendamento comercial para habitação o estabelecimento de pensão, na Tv.. ….. Lx.; [2] O segundo outorgante [Álvaro …., com assinatura notarial] é titular das posições hereditárias respeitantes à titularidade do prédio a que diz respeito o arrendamento sobredito; [3] Convindo a ambas as partes encaminharem-se decididamente para a extinção do arrendamento em causa, o 2º outorgante diligenciou obter uma casa onde o 1º outorgante viesse a estabelecer nova morada; [4] E o 1º dispôs-se a mediante essa contrapartida denunciar esse arrendamento de que até agora tem tido a titularidade; [5] Para o efeito, o 2º vai outorgar como promitente comprador da fracção “H”, a que corresponde o terceiro andar, lado direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ….., da Freguesia do … Concelho de Lisboa, descrita na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 00864 da Freguesia do … e inscrita na matriz predial de Lisboa sob o art.º 338 da Freguesia da Ameixoeira; [6] E sob a clausula de poder indicar quem o substitua na escritura de compra e venda; [7] O 1º outorgante com a celebração da referida escritura, em nome dele, ou de quem ele indicar, entregará ao 2.º uma declaração de renúncia ao arrendamento da casa da Tv..”.

  5. Tinha encarregado, o R. Álvaro ….s, uma empresa imobiliária de que era um dos principais agentes o Senhor T.M., de procurar uma fracção autónoma que pudesse adquirir, para depois a transmitir ao A..

  6. E, na verdade, ao fim de algum tempo de pesquisas, ainda antes de 30 de Maio de 2003, o A. tinha dado acordo de princípio a mudar-se para o prédio onde hoje continua a viver, sito na Calçada …..., Lisboa.

  7. Entretanto, rescindido o contrato de arrendamento e desocupados e entregues pouco antes, todos os andares correspondentes ao arrendamento de hospedaria que tem vindo a ser referido: certo é que o R. Álvaro …. acabou por não formalizar a transferência do domínio sobre a fracção autónoma acima dita, em favor do A., mas, muito pelo contrário, obteve a inscrição da propriedade em favor da aqui R., sua filha.

  8. Não deu ele, o R. Álvaro …, conhecimento desta circunstância ao A., tendo-lhe sonegado a notícia, enquanto a cláusula do contrato que os vinculava tinha sido escrita, como decorre da finalização do dito texto contratual, e sem qualquer dúvida, sob a funcionalidade de ser o A. (ou quem este indicasse, até) a figurar como adquirente, na compra e venda prometida.

  9. A fase intercalar, até 01/12/2007, sublinha o A., apenas se prolongou motivo de atraso judicial - 1 das 2 acções proposta em 2002 só foi encerrada em 2006: 2 hóspedes recusaram-se a sair e um deles resistiu até conseguir o acordo que, desde início, sem qualquer direito, almejara.

  10. Ao movimento da titularidade do prédio da Calçada …., dito em 8., in fine, se refere a ap. 31 de 2004/05/13 – aquisição inscrita na descrição n.º 864/19900424-H, da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, fracção autónoma correspondente ao 3.º andar Dto. com valor tributável, então, de € 5.647,32.

  11. Nessa, figura como sujeito activo, na verdade, a 1.ª R., Isabel …… cc. Paulo…., no regime de comunhão de adquiridos [de quem se divorciou, entretanto] mas como sujeito passivo Comércio Automóvel, Lda., com sede na R. …...

  12. A circunstância de a fracção autónoma em causa nunca ter estado inscrita em favor do R. Álvaro …., por si só, ainda não corresponderia a uma qualquer suspeita de não querer honrar o compromisso que assumiu com o A..

  13. Era possível, com efeito, que se tratasse de uma simples urgência e facilidade do negócio: o R. Álvaro …., aliás, interveio na escritura de compra e venda da fracção autónoma em causa (30 de Maio de 2003 – 12.º Cartório Notarial de Lisboa), com procuração irrevogável de Comércio Automóvel, Lda.

  14. Mais suspeito foi o segundo passo: remeteu ao A. – proposto comodatário – um contrato da espécie, em que outorgava a filha R., como dona da fracção autónoma, e que incluía a cláusula de poder revogar o consentimento a todo o tempo, mediante pré-aviso de 30 dias, não obstante o tempo indeterminado do comodato.

  15. Este escrito, que se destinava com subtileza, apenas a permitir as ligações de água e luz, enquanto o R. Álvaro …. não estivesse em condições de investir o A. Na propriedade da fracção autónoma, onde já vivia, não lhe mereceu naturalmente qualquer concordância, e apenas ficou subscrito, no original, pela 1.ª R..

  16. Mesmo assim, embora suspeitosa, a situação não apontava com suficiente indiciação uma negativa ao compromisso do R. Álvaro … para com o A., de o instalar em casa própria como contrapartida do distrate do arrendamento comercial da Lapa.

  17. Convém agora ficar claro que o valor de mercado do trespasse da hospedaria era, na ocasião – 2003 – € 150.000,00, a preço baixo.

  18. No ínterim, já o R. Álvaro … tinha conseguido adquirir todo o prédio da Travessa ….., que pôs no mercado e transaccionou com a financeira O…, obtendo elevadas mais valias.

  19. Lucro este que, afinal, elegeu potenciar à custa do engano e do prejuízo do A..

  20. Na verdade, soube-o a posteriori, o A., que o R. Álvaro …. simulou, ocultando-se da escritura e de acordo com o transmitente que representou na escritura, a compra e venda da fracção autónoma H do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 864/19900424, correspondente ao 3.º andar Dto. para habitação do n.º 48 da Calçada …..

  21. Nunca as partes, nesta compra e venda, a R. Isabel e Comércio Automóvel, Lda, quiseram transmitir o prédio uma à outra, mas, sim, Comércio Automóvel, Lda transmiti-la ao R. Álvaro …, outorgando aqueles outros (representados pelo mesmo mandatário, o 2.º R.), por mera ficção diversa, para prejudicarem ao A., com o escondimento na escritura do R. pai da R. Isabel …, retirando assim a possibilidade formal dele A. vir a obter do R. Álvaro o domínio, por qualquer contrato adequado, rasurando por aquele modo a legitimidade transmitente do segundo.

  22. Este cenário de falsificação concretizou-se, para conhecimento do A., apenas no passado dia 07/02/2012, quando a R. Isabel, perante ele, A., e na presença de outrem, afirmou alto e bom som, peremptória, que não fora ela quem assinara o escrito do comodato, a que era completamente alheia.

  23. Facto que marca ser ela estranha à fracção autónoma, tanto quanto solidifica este ponto de vista a correlação que tem com a carta que o R. Álvaro endereçou ao A., ele e não a filha, em 20/04/2009, dando-lhe conta de que a empresa de gestão do condomínio insistia por pagamento de prestações em atraso, respeitantes às despesas comuns com este prédio da Calçada …….

  24. Em suma: a R. Isabel nada tem a ver com nada, por si e no seu interesse – a compra e venda da fracção autónoma a que o A. tem vindo a aludir corresponde a um negócio de falsidade...

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