Acórdão nº 2155/15.0T8PDL.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – SB intentou a presente acção declarativa com processo comum contra PM.

Alegou a A., em resumo: A A. e o R. casaram em 22 de Dezembro de 1994, vivendo a A. com o R. até ao final de Agosto, princípio de Setembro de 2014 e havendo em Dezembro desse ano proposto acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, a qual corre termos.

Durante a vida em comum com o R. este infligiu-lhe os maus tratos físicos e psicológicos que descreve, ofendendo-a física e moralmente, violando ilícita e continuadamente os direitos à integridade física, a não ter medo e agir livremente, a um corpo e a uma mente saudável, à dignidade, a uma convivência fundada no respeito mútuo, na colaboração e na igualdade, constituindo-se na obrigação de indemnizar a A. pelos danos resultantes daquelas violações.

Pediu a A. a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 150.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, calculados da data da citação e até integral pagamento.

O R. contestou, invocando a excepção da litispendência e impugnando factos alegados pela A..

No saneador aquela excepção foi julgada improcedente e, prosseguindo o processo, a final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.

Da sentença apelou a A. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1 A douta sentença limita-se a dizer que os factos não provados assim foram considerados por falta de prova.

2 É, por isso, por falta de análise crítica das provas, nula, violando o disposto no art. 607 nº 4 e 615 nº 1 b) do C.P.C.

3 A douta sentença é nula por não ser admissível em sentença judicial a inserção de reticências – só na parte da convicção e do direito aplicável contam-se mais de 50 – por omissão do dever de especificar os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida – art. 607 nº 4 e 615 nº 1 b) ibid..

4 A matéria dada como provada, sem mais nada, é já de si suficiente para que seja proferida condenação do réu a indemnizá-la por incumprimento das obrigações de respeito, mútua colaboração e assistência, por injúrias e maus tratos psicológicos.

5 No item 28 dá-se por provado que a A. saiu de casa porque quis.

6 Em parte nenhuma da prova produzida se encontra sequer qualquer indício que permita dar esta resposta.

7 Pelo contrário, bastaria o senso comum para não acrescentar o «porque quis».

8 Competia ao réu fazer essa prova.

Onde está? Não se sabe.

9 O que consta provado nos autos é que a autora saiu de casa por ter medo do réu e porque já não podia mais suportar as agressões de todo o tipo perpetradas pelo réu.

10 O «porque quis» poderia ter descido e deve descer duas linhas e com toda a propriedade ser acrescentado ao R. o qual ficou responsável exclusivamente por todos os encargos (apenas o da casa onde ficou a viver e do carro com que ficou, como se viu) dos empréstimos comuns do casal – porque quis. Acordo no processo de divórcio referido pelo senhor juiz.

11 No item 31 está escrito que a separação e pedido de divórcio trouxe à A. algum sofrimento mas também o trouxe ao R.

.

12 Nada na prova produzida permite este acrescento que é da pura lavra do senhor juiz.

13 A douta sentença é nula por violação do disposto no art. 615 nº 1 al. b) e c) ibid.

14 A douta sentença contém na convicção termos e expressões vagas tais como «a autora prestou declarações… de forma titubeante…», «A A. “pintou” o R. como a pior pessoa do mundo…», «(como se fosse possível retirar queixas por crime de tal natureza)», «a versão por ela apresentada não tem qualquer sustentação probatória. … «…fragilidade do relato na sua globalidade… sua inverosimilhança».

15 Mais uma vez, por violação do disposto no citado art. 615 nº 1 b) e c) deve ser anulada.

16 Por tudo o que atrás alegou, a autora entende que os items 33, 34, 35, 36, 37, 38 (verdadeiro à data da saída de casa), 39, 40 (idem), 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 a 52, 55, 56, 57, 69, 70, 72, 73, 74, 75, 77, 80, 84, 85, 86, 92 até perante a criança assustada, 94, 95, 97, 99, dados como não provados, devem passar a integrar a matéria dada como provada.

17 Ao julgar de forma inversa a douta sentença ignorou, sem justificação crítica específica, os depoimentos acima referidos, prestados por conhecimento direto.

18 Pelas mesmas razões deve ser anulada.

19 A conduta do réu para com a autora ao longo do seu casamento violou os princípios mais básicos da convivência humana tal como está consagrado nos arts. 1º, 24º nº 1, 25º e 26º da Constituição da República, fazendo eco da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, especialmente do Protocolo nº 7 de 22.11.1984, art. 5º1, art. 23º nº 42 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 e ainda na Carta dos Direitos Fundamentais da U.E..

20 A apreciação do desvalor da conduta culposa do R. e da medida dos danos causados por essa conduta na esfera jurídica pessoal e patrimonial da A., está hoje remetida para a lei civil geral da responsabilidade por factos ilícitos, art. 483 do C. Civil.

21 Agindo como agiu ao longo dos anos o R. violou, ilicitamente e de forma continuada, o direito à integridade física, o direito de não ter medo e de agir livremente, o direito a um corpo e a uma mente saudável, o direito à dignidade, o direito a uma convivência fundada no respeito mútuo, na colaboração e na igualdade, da A..

22 Tudo obrigações legais que vinculam todos os cidadãos portugueses desde há muitos anos e que, por isso, constituiu o R. na obrigação de indemnizar a A. pelos danos resultantes daquelas violações – art. 483 do C. Civil.

23 São pressupostos da responsabilidade em que o R. incorreu, a livre vontade com que praticou os actos, a ilicitude destes, a culpa com que os praticou, os danos que causou e o nexo de causalidade entre os actos e os danos.

24 Todos e os muitos que praticou que, por configurarem uma atitude prepotente geral e diária de índole cultural inadmissível, na prática uma admissão consciente de superioridade física, mental e financeira subversiva dos princípios legais enunciados, por parte do R., por isso, impossível de enumerar, mas que, nem por isso, devem deixar de ser tidos em conta.

25 É bem sabida a dificuldade de estabelecer um critério sistemático susceptível de servir de base para a atribuição de uma compensação material nestas situações.

26 Tão bom como qualquer outro, para este caso concreto, pensamos ser o do valor da mais valia de que o R. beneficia com o casamento e a sua dissolução – o valor do lote de terreno doado acima referido e que a A. estima em 150.000,00€.

27 Revogada a douta sentença, estando nos autos todos os elementos de prova necessários, pede a autora seja substituída por douto acórdão deste Tribunal que condene o réu a indemnizar a autora por danos patrimoniais e não patrimoniais no valor pedido ou, se assim não for entendido, segundo o seu mais alto critério em juízo de equidade.

O R. contra alegou nos termos de fls. 352 e seguintes.

* II – 1 - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1.

  1. e R. casaram em 22 de Dezembro de 1994 na Conservatória do Registo Civil de Ponta Delgada, sem convenção antenupcial; 2.

    Do casal nasceu um filho, MM, em 6 de abril de 1997, em S. José, Ponta Delgada; 3.

    A A. viveu com o R. sob o mesmo teto até ao final de Agosto princípio de Setembro de 2014, tendo no início de Dezembro proposto acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que corre os seus termos nesta comarca com o nº.1269/14.9T8PDL; 4.

    A ação referida em 3. foi, na altura da audiência de julgamento levada a cabo em 28.1.2016, convolada em divórcio por mútuo consentimento, a ela sendo junta a relação dos bens comuns; acordo em ambos os cônjuges prescindem mutuamente de alimentos e acordo quanto ao destino a dar à casa de morada de família até à partilha, entregando a sua utilização ao requerente PM, logo nessa altura sendo proferida decisão a decretar o divórcio; 5.

    A A. saiu de casa como se aponta e 3. e, provisoriamente, foi morar em casa de sua mãe enquanto não lhe foi possível encontrar alojamento compatível com o seu único rendimento, o do trabalho, e porque o filho estava a viajar e o irmão se encontrava a trabalhar temporariamente no Reino Unido, havendo, por isso, uma cama vaga na habitação; 6.

    Depois de muito procurar a A. conseguiu alojamento na Rua ..., em Ponta Delgada pela qual pagava renda mensal equivalente a cerca de metade do seu salário; 7.

    A A., habituada a uma vivenda sita na Canada dos Verdes n....., Ponta Delgada, com um grande jardim, com dois pisos e seis divisões, confortavelmente mobilada, num sítio com vista desafogada, construída durante o casamento num terreno doado pelo seu avô materno, onde cresceu e brincava em criança, viu-se confinada ao exíguo r/c dtº da R..., 9500-020 Ponta Delgada, parte de uma casa de porta e duas janelas, onde nem cabem os móveis indispensáveis para se acomodar com o filho; 8.

    Foi o melhor que pôde arranjar face ao seu rendimento, ao mesmo tempo que priorizava o bem-estar do filho uma vez que a casa ficava a dois minutos a pé da respetiva escola e não tinha transporte familiar, por isso a A. andava meia hora a pé para chegar à paragem do autocarro mais próxima e daí, em transporte público, seguia para o trabalho, o que foi acontecendo até ter arranjado, com a ajuda da mãe, transporte próprio; 9.

    O R. ficou na casa de morada de família a troco do pagamento das restantes prestações do empréstimo contraído para a sua construção e nessas mesmas condições ficou também ele com o carro familiar que possuem; 10.

    Penoso para a A. é o facto de a casa de habitação familiar ter sido construída sobre terreno doado ao casal pelo seu avô materno, de quem era muito chegada, e que o fez para facilitar o sonho de uma...

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