Acórdão nº 208/13.9TELSB-E.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Nos autos de inquérito n.º 208/13.9TELSB que, para efeitos de actos jurisdicionais, corre termos no Tribunal Central de Instrução Criminal, o Mmo. JIC proferiu o seguinte despacho: “MHJ, veio, através de requerimento de fls. 2907ss, requerer a declaração de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses em matéria Penal alegando, em síntese, os seguintes fundamentos: Os presentes autos emergiram de certidão extraída do inquérito n.º 142/12.0TELSB em consequência do instituto da separação de processos.

O aludido inquérito, por sua vez, teve origem na averiguação preventiva n.º 85/11, baseada numa queixa, e aditamento posterior, apresentados por AP, cidadão de nacionalidade angolana, exonerado das suas funções Angola junto das Organizações Internacionais, em Genebra, em consequência de práticas criminosas, do exercício daquela função, que culminaram na respectiva condenação, em 15 de Março de 2000, pelo Tribunal Supremo da República de Angola, pelo crime de apropriação ilegítima de bens, na pena de 4 (quatro) anos de prisão maior, no pagamento de Kz 1.500,00 de imposto de justiça e na obrigação de indemnizar o Estado Angolano em USD 1.259.251,17 (um milhão, duzentos e cinquenta e nove mil, duzentos e cinquenta e um dólares e oitenta e sete cêntimos), quantia esta de que fraudulentamente se apropriou.

Posteriormente, à apresentação da queixa e com vista a procurar acusar o requerente pela prática dos alegados factos que deram origem aos presentes autos - crime precedente do branqueamento de capitais previsto na lei portuguesa alegadamente praticado em Angola (“corrupção”) – ou seja, já no decurso dos presentes autos, o aqui assistente, RM, apresentou em Angola duas queixas-crime visando o ora requerente e outros cidadãos angolanos.

Tais participações, como aliás está demonstrado nos presentes autos, deram origem na Procuradoria-Geral da República de Angola aos correspectivos autos de inquérito n.ºs 04/2012 e 06-A/2012, ambos objecto de arquivamento.

Ora, nem o MP português, nem os Tribunais portugueses têm, como é consabido, competência para prosseguir investigações em Portugal por supostos factos praticados por um cidadão angolano, em Angola, quando neste País – que é soberano - os processo onde se investigavam os factos que deram origem aos presentes autos foram arquivados.

Ocorre assim, como é bom de ver, uma manifesta situação de incompetência absoluta do Tribunal o que, nos termos dos Art.ºs 4.º a 6.º do CP, 32.º do CPP e 96.º, 97.º e 99.º do CPC, constitui excepção prévia, aliás do conhecimento oficioso, que determina a imediata absolvição do recorrente da instância.

O requerente não é sujeito passivo fiscal residente em Portugal, o mesmo sucedendo com as empresas estrangeiras de que foi e é accionista, pelo que não se mostram preteridas quaisquer obrigações fiscais declarativas perante o Estado português, inexistindo também quaisquer antecedentes criminais, nem qualquer crime precedente.

ANGOLA é um país soberano com o qual, em 23 de Novembro de 2005, Portugal assinou a Convenção de Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); A competência internacional dos Tribunais portugueses em matéria penal encontra-se definida nos Art.ºs 4.º a 6.º do Código Penal.

Nos presentes autos, a fls. 726, através do douto despacho ali inscrito, foi o cidadão RM de Morais – igualmente de nacionalidade angolana - admitido «…a intervir nos presentes autos na qualidade de Assistente – ex vi do Art.º 68.º - 1, al. e) e n.º 4 do CPP.

» Sucede que, como genericamente consta da denúncia, os alegados crimes denunciados – “corrupção” e “branqueamento de capitais” - teriam ocorrido em Angola onde, aliás, o requerente reside e exerce funções governativas.

Tais factos ocorridos em Angola consubstanciariam em tese o crime precedente do branqueamento de capitais especificamente exigido pela lei portuguesa, ou seja, é manifesto que os factos que deram origem aos presentes autos têm Angola e unicamente Angola como o lugar definido da sua alegada consumação.

Com efeito, o requerente tem e teve contas bancárias em instituições de crédito portuguesas há muitos anos e todas as transferências efectuadas para as contas identificadas nos presentes autos tiveram origem em fundos próprios e/ou em pagamentos/restituições de terceiros, designadamente empresas, conexos com os investimentos empresariais do requerente, isto é, todos os valores têm origem lícita.

As acusações imputadas pelo denunciante e pelo assistente ao requerente – a título de crime precedente do crime de branqueamento tipificado na lei penal portuguesa - não têm qualquer fundamento jurídico-legal, nem qualquer relevância criminal como aliás resulta do arquivamento dos processos em Angola.

Com efeito, atendendo aos referidos arquivamentos e não tendo o requerente quaisquer antecedentes criminais, nem processos-crime em investigação em Angola, onde reside e exerce funções governativas, automaticamente existe uma impossibilidade objectiva de verificação do tipo inerente ao crime de branqueamento de capitais p.p. no art.º 368.º-A do CP português.

Atente-se, por ora, apenas na análise desta questão, olvidando momentaneamente que os factos que deram origem aos presentes autos têm definido como lugar da sua consumação ANGOLA, que o recorrente é cidadão nacional angolano, reside em Angola e nunca foi sujeito passivo fiscal residente em Portugal (é naturalmente contribuinte fiscal em Angola).

Pelo que, não será possível demonstrar a verificação do facto típico e ilícito precedente que aquela norma penal exige como elemento do tipo e, sendo isto impossível, é evidente que não há, nem pode haver, crime de branqueamento de capitais.

Assim, tratando-se de cidadão estrangeiro, residente em país estrangeiro, in casu em Angola, que nunca foi sujeito passivo fiscal residente em Portugal, sem quaisquer antecedentes criminais e sem processos-crime, contra si pendentes, por algum dos crimes constantes do referido catálogo de crimes previsto no Art.º 368º-A – como sucede com o recorrente -, é inútil prosseguir a investigação.

Desde logo, não sendo o recorrente sujeito passivo fiscal residente em Portugal, não se mostram preteridas quaisquer obrigações fiscais declarativas perante o Estado Português.

Porquanto, como é consabido, o crime de branqueamento constitui uma criminalidade derivada ou de segundo grau, dado que pressupõe a prévia concretização de um ilícito. Neste sentido, entre outros, decidiu o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de Setembro de 2014, no âmbito do referido inquérito n.º 142/12.4TELSB.L1.

Assim, a primeira conclusão a retirar deste facto é a de que tendo os presentes autos partido de uma denúncia apresentada contra o aqui requerente, cidadão angolano com residência em Luanda, por alegados factos ocorridos, supostamente, em Angola, não tem o MP português competência para abrir inquérito aos referidos factos e muito menos para prosseguir com uma investigação sobre os mesmos factos quando os processos em que o requerente era visado em Angola, por denúncia do aqui assistente, foram arquivados na República de Angola.

No caso vertente, o Estado Português apenas poderia actuar de acordo com o princípio da universalidade, ou da protecção de bens jurídicos comuns a toda a humanidade, a saber, nos crimes de escravidão, (artº 159º), tráfico de pessoas (160º), rapto (161º), abuso sexual de crianças e de menores dependentes (artºs 171º e 172º) de lenocínio de menores e de pornografia de menores (175º e 176º), danos contra a natureza, poluição e de poluição de perigo comum. (sublinhado nosso).

Quer isto dizer que os factos integradores do crime precedente que o MP ilegalmente pretende continuar a investigar em Portugal, foram já investigados em Angola, País soberano, subscritor da identificada Convenção de auxílio judiciário em matéria penal no âmbito da CPLP.

Logo, a prossecução da presente acção penal em Portugal viola o princípio do “ne bis in idem”, segundo o qual ninguém pode ser duplamente punido pelo mesmo crime, e do qual resulta a exclusão de novo julgamento em Portugal no caso de o agente ter sido absolvido pelo Tribunal do estado onde foi praticado o facto e no caso de ter sido condenado e ter cumprido a respectiva pena.

De harmonia com o disposto nos artºs 4º do CPP e 96º do Código de Processo Civil actualizado, «determinam a incompetência absoluta do Tribunal: a) a infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras da competência internacional (…).» «A incompetência absoluta (…) deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (…)» (artº 97º do CPC) e implica a absolvição da instância (artº 99º do CPC).

Conclui, referindo que existe assim questão prévia de que o JIC deve, nos termos da lei, conhecer oficiosamente, e que obsta à decisão sobre o mérito da causa por falta absoluta de competência dos Tribunais portugueses, sob pena de violação dos princípios sobre competência internacional, impondo-se nos termos do disposto nos art.ºs 4.º a 6.º do CP e 32.º do CPP e 96.º do CPC actualizado, o conhecimento oficioso da excepção da incompetência absoluta do Tribunal o que, por sua vez, determina a absolvição do recorrente da instância nos termos dos art.ºs 97.º e 99.º do CPC.

O Ministério Público respondeu, conforme consta de fls. 3019ss referindo, em resumo, o seguinte: Os presentes autos tiveram origem numa denúncia onde são relatados factos justificativos da suspeita de que o requerente, entre outros, se encontraria a utilizar o sistema financeiro português para introduzir, de forma camuflada, na economia legítima, de quantias monetárias obtidas através de actividade económica exercida em Angola com violação das regras legais sobre as incompatibilidades vigentes em Angola.

A prática dos factos denunciados é susceptível de enquadrar a prática dos...

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