Acórdão nº 5003/14.5T2SNT.L1–2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: A veio propor contra B, C-Lda, e D a presente acção pedindo que se declare nula e de nenhum efeito a procuração a que se reportam os autos, com as legais consequências, nomeadamente, declarar-se também nula a escritura de compra e venda outorgada pelo portador da referida procuração, ordenando-se o cancelamento dos registos de transmissão de propriedade do imóvel a que se reportam os autos e os actos subsequentes ao registo da propriedade do imóvel a favor da autora.

Para o efeito alega que foi casada no regime de comunhão geral de bens; foi registada a seu favor e de seu marido a aquisição de um prédio urbano; tomou agora conhecimento que o prédio havia sido vendido, pelo seu filho, 1º réu, por si e como procurador da autora, à 2ª ré; a procuração é falsa; a propriedade do prédio mostra-se actualmente inscrita a favor da 3ª ré, por compra.

O réu B veio dizer que era verdade o alegado pela autora (mas diz que a procuração lhe foi apresentada – não diz por quem - tal como está; também diz não ter recebido o preço apesar de ter declarado o contrário na escritura) e que a acção deve ser julgada procedente.

A ré C excepcionou a ilegitimidade activa da autora (segundo ela, a autora deveria estar na acção como cabeça-de-casal da herança e não por si), pretendendo, em consequência, ser absolvida da instância; e, impugnando, de direito, disse que: o 1º réu interveio na escritura de compra e venda em causa nos autos, por si e em representação da autora, sendo que quanto à actuação deste réu em nome próprio a mesma não é posta em causa, consequentemente a análise da nulidade do negócio jurídico só poderá incidir sobre a quota-parte indivisa da autora, continuando [esta] em compropriedade primeiro com a ré C e agora com a 3ª ré; impugnando de facto, diz estar convencida que as assinaturas apostas na procuração e reconhecimento são efectivamente da autora e feitas pelo seu punho, a não ser assim, ocorreu uma falsificação feita pelo próprio filho da autora; e estranha que a autora só tivesse tido conhecimento em 2013 do negócio em causa; e excepciona a sua boa fé: por não se lhe poder atribuir qualquer responsabilidade no negócio, tendo agido sem culpa, acreditando legitimamente que era verdadeira a procuração de que se fazia acompanhar o filho da vendedora que também outorgou em nome próprio, nada mais lhe sendo exigido quanto à diligência de uma pessoa normal; e para invocar o regime do art. 17 do Código do Registo Predial, enquanto adquirente onerosa de boa-fé com registo anterior ao registo da acção, não lhe sendo por isso oponível a invalidade do negócio jurídico. Conclui nesta parte no sentido da improcedência da acção.

A ré D contestou, alegando que a invocação de falsidade da procuração feita pela autora não parece credível, sendo o escopo desta acção a ilegítima reapropriação de um imóvel que a autora vendeu em estado deplorável e que agora se encontra recuperado e pronto a habitar; adquiriu o imóvel à 2ª ré para sua habitação própria e permanente, tendo tal aquisição decorrido num processo totalmente lícito, transparente, com a verificação de todos os requisitos e formalidades legais, registrais e notariais e com respeito por todos os princípios de confiança e boa-fé; pelo que é alheia e deverá ser legalmente protegida, contra os desadequados interesses da autora, designadamente os que possam decorrer de uma simples falta de prestação de contas entre mandatário e mandante, como hipoteticamente pode ter acontecido nos autos entre a autora e o seu filho, o 1º réu; sem prescindir e caso seja declarada a nulidade do primeiro contrato de compra e venda, o subsequente contrato celebrado entre si e a 2ª ré consubstanciará um contrato de venda de bens alheios, com os efeitos legais aplicáveis; conclui apenas no sentido da improcedência da acção.

No saneador, o tribunal julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa da autora.

Depois de realizado o julgamento foi proferida sentença, julgando procedente a acção, declarando falsa a procuração junta a fls. 123 a 124 dos autos e ineficaz em relação à autora o contrato de compra e venda titulado pela escritura de 29/06/2011 pelo Cartório Notarial de Lisboa, e ordenando o cancelamento dos registos de transmissão de propriedade do imóvel acima identificado, subsequentes ao registo de propriedade a favor da autora.

A ré D recorre desta sentença, arguindo a sua nulidade por decisão-surpresa e por omissão de pronúncia; impugnando a decisão da matéria de facto relativamente ao ponto provado sob 8 e a três outras afirmações de facto dadas como não provadas; e dizendo que: verifica-se uma preterição de litisconsórcio necessário passivo; o regime jurídico aplicável não devia ter sido o da ineficácia (por força do art. 268 do CC) mas o da venda de bens alheios (arts. 892 e segs do CC); ela, ré, devia beneficiar da protecção do art. 17/2 do CRP; a venda do imóvel, em vez de ser declarada ineficaz, devia ser reduzida ou convertida na venda de uma quota-parte desse imóvel.

A ré C também recorre da sentença arguindo a sua nulidade por decisão-surpresa e por se ter pronunciado sobre questões que não eram objecto da acção; e dizendo que: o regime não é o da ineficácia mas o da venda de bens alheios; ela, ré, devia beneficiar da protecção do art. 291 do CC; a venda, em vez de ser declarada ineficaz, devia ser reduzida ou convertida.

A autora limitou-se a dizer que as recorrentes não têm razão, porquanto a decisão recorrida não merece qualquer censura.

* Questões a decidir: as nulidades da sentença; se o facto sob 8 deve ser eliminado e se devem ser acrescentados aos factos provados três outros factos; se não devia ter sido declarada a falsidade da procuração e a ineficá-cia da venda, nem devia ter sido ordenado o cancelamento dos registos.

* Foram os seguintes os factos dados com provados (este acórdão alterou a ordem e a numeração dos factos): 1. A autora foi casada com J, no regime da comunhão geral de bens. 2. Pela apresentação xx de 16/06/1978, foi registada a aquisição, a favor da autora e de seu marido, do prédio urbano, edifício de um piso para habitação, com a área total de 1564m2, sito em limites do S, freguesia e concelho de Y, descrito na Conservatória do Registo Predial de Y sob o nº xxxx/20110609 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo xxxx.

  1. Aquando da aquisição o imóvel tinha a natureza de rústico, encontrando-se inscrito na matriz respectiva sob o artigo 150, secção J (parte).

  2. Aquele casamento foi dissolvido por óbito do marido em 10/11/2007.

  3. O marido deixou como seus únicos herdeiros a sua mulher, a autora, e o seu filho, o réu, que não outorgaram qualquer acto de partilha por sua morte, relativamente ao imóvel.

  4. Consta da escritura de compra e venda, lavrada no dia 29/06/2011 num cartório notarial de Lisboa, que o réu B, outorgando por si e como procurador e em representação da autora, no uso de poderes conferidos por procuração [toda ela escrita à máquina] datada de 28/06/2011, vendeu o imóvel à ré C, pelo preço de 46.000€ [tendo esta declarado que aceitava a venda e que o imóvel se destina a revenda] (a escritura consta a fls. 10 a 12 dos autos e a procuração consta de fl. 123 e ambas foram dadas por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, tal como o foi o documento de fl. 124 que é uma autenticação de documento particular feita por um advogado, que diz: “verifiquei a identidade da signatária do documento anexo, que é uma procuração, cuja assinatura foi feita na minha presença, por exibição do bilhete de identidade. Foi-lhe [à interessada signatária] explicado o seu conteúdo […] disse ficar ciente e que a mesma corresponde à verdade” – esta transcrição foi feita por este acórdão que também introduziu as partes em parenteses rectos que constam do documento dado por reproduzido).

  5. As assinaturas apostas na procuração e no termo de autenticação da procuração, atribuídas à autora, não foram apostas nesses documentos pelo punho da autora.

  6. A autora não constituiu seu procurador o 1.º réu nem lhe conferiu os poderes constantes na procuração.

  7. Após a realização daquela escritura a ré C recebeu as chaves e tomou a efectiva posse do imóvel, à vista de toda a gente e de boa-fé.

  8. No dia 19/09/2013, por escritura exarada a folhas 80 e seguintes do livro n.º 1xx, num cartório notarial de O, a ré C vendeu o imóvel à ré D, pelo preço de 49.000€, pago integralmente pela compradora, no acto da escritura.

  9. Este contrato teve a intervenção de N – Sociedade Mediação Imobiliária, Lda, titular da licença número xxxx-AMI, emitida pelo INCI.

  10. Pela apresentação xxx de 13/09/2013 foi inscrita a aquisição por compra do imóvel a favor da ré C e através da apresentação xxx de 20/09/2013 foi inscrita a aquisição por compra a favor da ré D.

  11. A ré D adquiriu o imóvel para sua habitação própria permanente e promoveu a execução de obras no mesmo.

    * Da impugnação da decisão da matéria de facto Na decisão da matéria de facto considerou-se como provado, sob 8, que “a autora não constituiu seu procurador o 1.º réu, nem lhe conferiu os poderes constantes na procuração.” A fundamentação desta decisão foi a seguinte: “Relativamente à […] falsidade da assinatura aposta na procuração e no termo de autenticação junto aos autos, decorrente da mesma não ter sido aí aposta pelo punho da autora, julgou o tribunal tal facto como provado em face do teor da prova pericial produzida.

    Com efeito da perícia feita às assinaturas apostas na procuração e termo de autenticação juntas aos autos e que foram apresentadas no cartório notarial […] com vista à celebração da escritura […] de 29/06/2011, resulta a admissão pelos Srs. peritos “como muitíssimo provável que as escritas suspeitas das assinaturas não sejam da autoria de A”. No anexo informativo junto pelos Srs. peritos pode ler-se que a conclusão de “muitíssimo provável não” é uma conclusão que se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT