Acórdão nº 1965/12.5TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA MANUELA GOMES
Data da Resolução22 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa1. N... intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra M..., pedindo que: - seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra N, correspondente ao terceiro andar B, com arrecadação na sub-cave, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua Augusto Costa (Costinha) n.° 2 tornejando para a Rua das Pedralvas, n.° 13, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Benfica, sob o art. n.° 2220, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 3240-N; - a condenação da Ré a entregá-la livre e desocupada, a pagar-lhe a quantia de € 800,00 de indemnização por cada mês de ocupação do imóvel (desde Novembro de 2008 e até efectiva entrega), uma indemnização por danos não patrimoniais, de valor não inferior a 2.500,00€ e a sanção pecuniária compulsória de 30,00€ por cada dia, a contar da citação e até efectiva entrega do imóvel.

O autor alegou, em síntese, que adquiriu a referida fracção autónoma por compra, em 06/09/1990 de 1/2 indiviso do imóvel e, em 22/10/2008, a restante parte; sucede que a R. ocupa o imóvel em causa e utiliza-o para a sua habitação, ocupação essa sem qualquer título que a justifique, ali permanecendo contra a vontade do A. e impedindo-o de dispor livremente do mesmo, tendo o A. desde que se tornou o único dono insistido junto da R. para que lhe entregue a fracção.

Mais alegou que a ocupação, indevida e ilegítima, que a R. faz do imóvel lhe causa prejuízos, uma vez que o impede de dispor livremente do seu bem, de o usufruir e de dele tirar rendimentos, pelo que a R. está constituída na obrigação de o indemnizar pela ocupação do referido imóvel., sendo que o valor da contrapartida mensal pela utilização desse imóvel é, pelo menos, de 800,00 €.

Invocou, ainda, que a conduta da R. causa ao A. desgosto e tristeza, já que o impede de dispor livremente do seu prédio, sentindo-se humilhado e vexado pela R., andando desgostoso e triste com o facto da R. permanecer no imóvel contra a sua vontade e afrontar o seu direito de propriedade, pelo que deverá ser ressarcido pelos danos não patrimoniais em quantia não inferior a € 2.500,00.

Pediu, por último, a condenação da R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega do dito imóvel ao A., no montante diário de € 30,00, a contar da citação.

A Ré contestou e deduziu reconvenção, pugnando pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, pedindo que seja declarada a nulidade da escritura de compra e venda, celebrada entre A. e R., da metade indivisa da fracção autónoma sub judice, com o regresso ao património da reconvinte dessa metade indivisa da dita fracção, ordenado o cancelamento do registo da propriedade - AP 17 de 2008/10/22 14:13:20 UTC – Aquisição - e o cancelamento do averbamento na matriz a favor do A. ainda ser este condenado a reconhecer o direito de propriedade da Ré reconvinte sobre metade da fracção.

Pediu, ainda, a condenação do A., a final, por litigância de má-fé.

Fundamentou, nuclearmente, a sua pretensão, nos seguintes factos: -. A. e R. constaram na respectiva escritura pública de compra e venda como sendo os compradores da fracção subjudice; todavia, quem escolheu o imóvel, decidiu adquiri-lo e procedeu ao pagamento do respectivo preço foi o pai de ambos, J..., sendo A. e R., à data da respectiva aquisição menores, sido representados na escritura de compra e venda, celebrada em 20-06-1990 no 16° Cartório Notarial de Lisboa, por seus pais J... e I...; à data, os pais do A. e da R. adquiriram o referido imóvel para casa de morada da sua família, tendo o respectivo agregado familiar ido viver para aí; mercê de contingências da vida de cada um, todos os restantes membros da família, à excepção da Ré, acabaram, por motivos de ordem pessoal, por abandonar a casa de morada de família; a Ré foi a única que nunca deixou, até à presente data, de aí viver; desde 06-09-1990 que a R. mantém no imóvel em questão o centro da sua actividade familiar, social e económica, de forma ininterrupta, ali comendo e confeccionando a alimentação, dormindo, recebendo familiares e amigos, bem como toda a correspondência, pagando os consumos de água, gás e electricidade, a prestação de condomínio e o IMI respectivos e taxas de conservação e esgotos, nunca tendo pago, até à presente data, qualquer contrapartida ao A., seja a título de renda, seja a qualquer outro título.

No ano de 2004, como o pai do A. e da R. não deveria ser gerente de mais de nenhuma sociedade, em virtude de ter sido condenado como autor de vários crime de abuso de confiança fiscal, solicitou à R. que esta constasse como gerente de direito da sociedade L... Lda., onde o A. também trabalhava; a Ré aceitou esse pedido de seu pai e passou a constar como gerente da referida sociedade.

Todavia, tal sociedade foi contraindo dívidas à Segurança Social desde 2004 e no ano de 2008 havia já um acumulado de € 64.443,71;constando como gerente da sociedade, a R. foi citada pelo Serviço de Finanças de Portimão como executada por reversão das dívidas da Limpalgarve, em 16.10.2008; a R. deduziu oposição no respectivo processo de execução fiscal, correndo os autos de oposição ainda termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé sob o n.°13/09.7BELLE, encontrando-se suspensos desde 16-03-2011; decorrente das referidas dívidas da sociedade Limpalgarve, a R. foi ainda constituída arguida no inquérito com o n° 2332/08.0TAPTM, num processo de abuso de confiança fiscal, tendo sido deduzida acusação contra a R. da referida acusação consta despacho de arquivamento relativamente ao A., o qual também chegou a ser constituído arguido nos referidos autos; em sede de instrução foi proferido despacho de não pronúncia, não chegando a ser julgada pelos referidos crimes que lhe tinham sido imputados; Após a citação como executada por reversão ocorrida em 16.10.2008, a R., juntamente com o A. e seus familiares, pai e mãe do A. e da R., antecipando uma eventual penhora da metade indivisa da R. sobre a fracção autónoma subjudice, que teria como consequência a perda da metade da casa de morada de família que pertencia à R., e ainda com a concordância do A. e da sua mulher decidiram, de comum acordo, simular a venda ao A. da metade da fracção pertencente à R., tendo em 22.10.2008 sido celebrada escritura publica de compra e venda de metade da fracção autónoma descrita acima referida; nunca foi intenção da R. vender a sua metade indivisa do imóvel ao A. como também nunca foi intenção do A. comprar a metade indivisa do imóvel â sua irmã, ora R. e, por isso, o A. não procedeu ao pagamento do preço da venda do imóvel, nem foi acordado esse pagamento entre A. e R. tal como a R. não procedeu à entrega do imóvel ao A./reconvindo, continuando a R. a habitar no referido imóvel, como sempre tinha feito, sem o pagamento de qualquer contrapartida, já que é dona de metade da referida fracção; Também não foi o A. na qualidade de adquirente que liquidou a importância do IMT, nem pagou a conta do notário, mas o pai do A. e da R. nem foi o A. quem procedeu ao registo da compra, mas sim a R. que pagou todas as despesas inerentes tal como não foi o A. quem procedeu ao averbamento na matriz, nem obteve os necessários documentos junta da Câmara Municipal de Lisboa, mas sim a R.

Tal negócio foi apenas formalizado entre A. e R. com o intuito de salvaguardar o património da R. e evitar que o mesmo fosse objecto de penhora e venda judicial, tendo sido formalizado com carácter transitório, ou seja, ficou acordado entre todos os intervenientes que logo que a ré resolvesse a sua situação se efectuava de imediato nova venda simulada da metade indivisa da R., que está registada a favor do A., para o seu nome.

Simultaneamente, foi acordado entre A., R. e seus pais, que a ré continuaria a utilizar a fracção, como sempre tinha feito até aí, ou seja, como sua habitação e domicílio ; de igual modo, também ficou acordado que o A. poderia utilizar a referida fracção sempre que quisesse, naturalmente, como chegou a fazer.

O A. omitiu factos relevantes para a decisão da causa, não obstante deles tenha perfeito conhecimento, com vista a fazer valer em juízo uma pretensão que sabe ser ilícita, ilegítima e, por isso, ilegal.

O A. replicou, tendo arguido a sua ilegitimidade, face ao pedido reconvencional, uma vez que que é casado, e pugnou pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi requerida e admitida a intervenção principal da mulher do A., F...

Corridos os subsequentes termos processuais, foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto julgo a presente acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente e, consequentemente: a) declaro que o A., N..., é titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, designada pela letra "N", correspondente ao terceiro andar B, com arrecadação na sub-cave, do prédio urbano, sito na Rua Augusto Costa (Costinha), n.° 2, tornejando para a Rua das Pedralvas, n.° 13, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Benfica sob o art.° 2220 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 3240-N; b) condeno a R., M..., a entregar ao A. a fracção autónoma referida em a), livre e devoluta; c) condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 2.500,00; d) absolvo a R. do demais peticionado pelo A.

  1. absolvo o A. do pedido reconvencional.

  2. Indefiro o pedido de condenação do R. por litigância de má-fé.

Custas da acção por A. e R., na proporção, respectivamente, de 40%, 60% e as da reconvenção e do incidente de litigância de má-fé pela R., sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.” A Ré apelou culminando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1) Vem o presente recurso interposto da douta decisão que, depois de concluir pela inexistência da simulação invocada na contestação, reconheceu o direito de propriedade a favor do...

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