Acórdão nº 457/11.4TBSCR.L1–2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução22 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I - O Estado Português, representado pelo Ministério Público, intentou acção declarativa sob a forma ordinária contra Jorge, Isabel, «Silva & Calaça, Construções, Lda.

», «Estímulo Concreto – Construções Unipessoal, SA»,Celso e Sérgio.

Alegou o A., em resumo: O A. é credor da R. “Silva & Calaça, Lda.” por um valor global de € 5.356.601,70, referente a impostos devidos e não pagos por aquela sociedade. O R. Jorge sabendo da inexistência de património da sociedade para liquidar essas dívidas e da possibilidade de reversão fiscal, dissipou todo o património que possuía e que podia garantir o pagamento dessa quantia, efectuando as disposições patrimoniais que concretiza.

Pediu o A. que se declarem ineficazes, em relação a si, os negócios de compra e venda dos veículos automóveis, do prédio rústico e das quotas sociais por si identificados, as doações efectuadas por Jorge a favor de seus filhos Celso e Sérgio, a escritura de partilha de bens celebrada entre Jorge e Isabel e a constituição de direito de usufruto a favor de Isabel. Pediu, ainda que se reconheça que pode obter pagamento do seu crédito através da execução de tal património.

Os RR., citados, contestaram impugnando factos alegados pelo A., designadamente referindo que a dívida alegada pelo A. não tem o valor por este alegado, uma vez que se encontram pendentes oposições às execuções instauradas e, bem assim, que o divórcio havido entre o R. Jorge e a R. Isabel foi causado pela ruptura da vida em comum e não por qualquer intuito de se esquivarem a eventuais responsabilidades fiscais. Acrescentaram que as escrituras de partilha e de doação foram efectuadas na sequência do divórcio litigioso e tiveram por intuito salvaguardar os interesses da R. Isabel e dos Réus Sérgio e Celso, menores e filhos do casal, face a uma eventual tomada de posição do R. Jorge, no sentido de beneficiar a pessoa com quem mantinha uma relação extraconjugal.

Concluíram pela improcedência da acção.

O processo prosseguiu tendo havido notícia no mesmo da declaração de insolvência da R. «Silva & Calaça, Construções, Lda.».

Realizada audiência final foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Em face de todo o exposto, julgo parcialmente provada, a presente a acção e, considerando preenchidos os requisitos legais para que a impugnação pauliana proceda, decido: a. Declarar, em relação ao Autor, a ineficácia: 1. Das vendas dos veículos de matrícula .....TE, ....QC, ...PI, ...PX, ...NB, ...TG, ...XQ, ...RM, ... QV, .... -XL e ...-AJ-...; 2. Da venda efectuada pelo Réu Jorge a Isabel da quota na sociedade “Estímulo Concreto – Construções, Unipessoal, Lda.”, no valor de € 935.000,00; 3. Da venda efectuada pelo Réu Jorge à “Estímulo Concreto, Lda.”, das quotas da “Nunes & Calaça, Lda.”, pessoa colectiva n.º 511.210.779, e na “Promocalaça – Promoção Imobiliária, Lda.”, pessoa colectiva n.º 511.213.212; 4. Da venda efectuada pelo Réu Jorge a Isabel da quota na sociedade “Pescaram, Lda.”; 5. Da doação efectuada pelo Réu Jorge a favor de Celso e Sérgio, da nua propriedade da fracção autónoma designada pela letra “C”, freguesia e concelho do Porto Santo, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Porto Santo e inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo 5158-C, com valor patrimonial tributário atribuído em € 62.410,00; 6. Da doação efectuada pelo Réu Jorge a favor de Celso e Sérgio, da nua propriedade do prédio rústico sito na Cova do Moreno, freguesia do Santo da Serra, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º 03443 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 75º, com o valor patrimonial tributário atribuído de € 38,85; 7. Do usufruto vitalício, constituído pelo Réu Jorge a favor de Isabel, incidente sobre o prédio rústico sito na Cova do Moreno, freguesia do Santo da Serra, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o n.º 03443 e inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo 75º; 8. Do usufruto vitalício, constituído pelo Réu Jorge a favor de Isabel, incidente sobre o prédio Fracção autónoma designada pela letra “C”, freguesia e concelho do Porto Santo, não descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 5158-C; b. Declarar o direito do Autor a obter a satisfação integral do seu crédito à custa deste património referido em a., praticando os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei, nos termos do artigo 616º, n.º 1, do Código Civil; c. No demais peticionado, julgar a acção improcedente».

Apelaram os RR., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: A. Decidiu o Tribunal a quo declarar a ineficácia da constituição de usufruto sobre 2 prédios a favor da Recorrente Isabel, por estas terem sido posteriores à partilha: i. Prédio rústico sito na Cova do Moreno, freguesia do Santo da Serra, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o n.º 03443 e inscrita na matriz predial respetiva sob o artigo 75º, com o valor patrimonial tributário atribuído de € 38,85; ii. Fração autónoma designada pela letra “C”, freguesia e concelho do Porto Santo, não descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 5158-C, com o valor patrimonial tributário de € 62.410,00;" B. Por sua vez, o Tribunal a quo não declarou a ineficácias das escrituras de partilha outorgadas entre os Recorrentes Jorge e Isabel por entender que não se provou a má-fé desta última à data de outorga das escrituras 19/03/2008 e 09/05/2008; C. Sucede que a constituição de usufruto a favor da Recorrente Isabel foi titulada por escritura de partilha parcial datada de 09/05/2008, conforme doc. 40 junto pela Requerida na sua Petição Inicial; D. Posto isto, e porque as escrituras partilhas não foram, e bem, julgadas ineficazes, não devem ser consideradas ineficazes a constituição de usufruto vitalício identificada em A.; E. Por outro lado, entendem os Recorrentes que os pressupostos legais para procedência da presente ação pauliana não estão cumpridos, e por esse motivo, a douta sentença não deveria ter julgado procedente a ineficácia dos negócios jurídicos pessoais do Réu Jorge, pelos seguintes motivos: i. O crédito da Administração Tributária reporta-se à data da sua liquidação, e que no presente caso, data mais antiga é 25/10/2008, tendo havido outras posteriormente; Assim sendo, não existe anterioridade do crédito.

ii. Por outro lado, e não menos importante, não existiu qualquer impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito, na verdade, se até à presente data a AF não recebeu o seu crédito na sua totalidade foi por suposta falta de competência; iii. O valor total do património do Réu Jorge e Ré Isabel à data do seu divórcio era de € 2.144.964 (facto provado OO).

iv. A meação que caberia ao Réu Jorge Silva seria de € 1.053.759,00, valor este que, na verdade corresponde ao seu património pessoal, naquela data; v. Neste sentido, seria este valor que Administração Fiscal conseguiria receber do Recorrente Jorge , pois também não teria qualquer outro património; vi. Deste modo, a responsabilidade do Réu Jorge , estava limitada no montante de € 1.053.759,00.

vii. Acontece que o valor que coube ao Réu Jorge pela adjudicação de património foi de € 1.130.000,00 (ver facto provado YYY).

i. Ou seja, o valor de património adjudicado ao Recorrente Jorge foi superior ao que lhe era devido.

ii. Deste modo, não ficou a administração fiscal impossibilitada de satisfazer o seu crédito. Na verdade, a Administração Fiscal estava limitada ao valor da meação do Recorrente Jorge ; iii. Ainda que, não tivesse havido partilha de bens, a verdade é que, a Ré Isabel, não sendo devedora de qualquer montante à Administração Fiscal, teria exercido o seu direito de requerer a separação de bens nos termos do nº 1 do art. 740º do CPC e art. 220º do CPPT, nunca teria a Administração Fiscal um recebimento superior ao valor da meação que caberia ao Recorrente Jorge , ou seja, superior a € 1.053.759,00.

iv. Na verdade, se o Recorrido quisesse se imiscuir de efetuar o pagamento à AF, aquando da partilha teria adjudicado a totalidade do seu património à Ré Isabel , o que não fez, tendo ainda ficado com bens no montante de € 1.130.000,00 (ver facto provado YYY).

F. Posto isto, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e a decisão do tribunal a quo revogada parcialmente, passando a ter o seguinte texto: "Declarar, em relação ao Autor, a ineficácia: 1. Das vendas dos veículos de matrícula .....TE, ....QC, ...PI, ...PX, ...NB, ...TG, ...XQ, ...RM, QV, .... -XL e ...-AJ-...; 2. Declarar o direito do Autor a obter a satisfação integral do seu crédito à custa deste património referido em a., praticando os atos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei, nos termos do artigo 616º, n.º 1, do Código Civil; 3. No demais peticionado, julgar a ação improcedente." Não foram apresentadas contra alegações.

* II – 1 - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: A. Os Réus Jorge e Isabel, entre Março de 1999 Março de 2008, foram sócios da sociedade comercial por quotas “Silva & Calaça – Construções, Lda.”, pessoa colectiva n.º 511131496, com sede na Rua ...., sítio da Terça, freguesia e concelho de santa Cruz, cuja actividade social consistia na “Construção Civil e Obras Públicas, Aluguer e Equipamento e Venda de inertes”; B. A sociedade comercial “Silva & Calaça – Construções, Lda.” foi constituída em 05 de Março do ano de 1999 e iniciou a sua actividade em 15/03/1999, sob o CAE 045211; C. À data de entrega da declaração de início de actividade, eram sócios da sociedade, de acordo com o declarado na declaração de início de actividade, Jorge e Isabel...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT