Acórdão nº 74963/15.5YIPRT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelARLINDO CRUA
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes Desembargadores da 2ª Secção da Relação de Lisboa o seguinte.

I–RELATÓRIO: 1–B.

, entretanto substituída (por habilitação) por H.

, intentou a presente acção especial para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato, em que se transmutou a providência de injunção que requereu contra JOSÉ, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €9.714,79 (nove mil setecentos e catorze euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros compensatórios no montante de €1.934,98 (mil novecentos e trinta e quatro euros e noventa e oito cêntimos), até à data da entrada da providência (28-5-2015), e vincendos à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento, devida pela utilização de dois cartões de crédito que identificou, cujas contas associadas o réu movimentou livremente, a crédito e a débito, mas não provisionou devidamente, originando o saldo devedor peticionado.

2–Notificado o Requerido/Réu, veio o mesmo deduzir oposição, alegando, em súmula, o seguinte: - Celebrou em tempos dois contratos relativamente á obtenção de dois cartões de crédito, mas não consegue identificar se são os aduzidos e identificados, pelo que, à cautela, impugna-os ; - Tem a certeza que nunca assinou nenhum contrato com a ora Requerente que tivesse um plafond da ordem de grandeza invocada na aludida dívida ; - Nem nunca efectuou qualquer movimento que pudesse provocar aquele saldo devedor ; - Pretendendo que a Requerente junte aos autos todos os documentos/contratos subscritos, de forma a que o Tribunal possa aferir acerca do valor contratado e, consequentemente, concluir acerca do saldo que tenha sido efectivamente utilizado ; - Desconhece, assim, o crédito reclamado, pelo que o impugna, dado não o dever.

Conclui pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição.

3–No prosseguimento dos ulteriores termos da forma de acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, foi designada data para a realização de audiência final, que veio a concretizar-se conforme actas de fls. 90, 91, 141, 154, 155 e 164.

4–Posteriormente, em 16/03/2017, foi proferida sentença – cf., fls. 170 a 186 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos: “pelo exposto e decidindo, julgo a ação procedente, por provada, e, em consequência, condeno o réu, José, a pagar à autora, B., substituída por H., a quantia de €9.714,79 (nove mil setecentos e catorze euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros compensatórios vencidos no valor de €1.934,98 (mil novecentos e trinta e quatro euros e noventa e oito cêntimos), até 28-5-2015 e de juros de mora contados dessa data à taxa legal em vigor, até efetivo e integral cumprimento.

Custas pelo réu, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Fixo o valor da causa em €11.649,77 (onze mil seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e sete cêntimos).

Registe e notifique”.

5–Inconformado com o decidido, o Requerido/Réu interpôs recurso de apelação, em 08/05/2017, por referência à sentença prolatada.

Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se resumem ou condensam, atendendo a que, grande parte das mesmas não se traduzem em verdadeiras conclusões, mas antes mera repetição, por decalque, das alegações apresentadas, atenta a inobservância da síntese imposta pelo nº. 1 do artº. 639º, do Cód. de Processo Civil): – De acordo com a prova testemunhal e documental produzida, o Tribunal “a quo” não poderia ter dado como provada a matéria constante de parte do referido 5.º da matéria de facto provada na sentença ; – Pelo que “deveria constar da matéria de facto não provada com relevância para a causa, que: a) O réu utilizou o cartão mencionado em 2. da referida conta a débito e a crédito nos termos constantes dos extractos de conta-cartão de fls. 112v-122, cujos teores se têm por integralmente reproduzidos, sendo certo que por não se encontrar devidamente provisionada, a mencionada conta passou a apresentar um saldo negativo que se cifrou no montante de €7.266,85 a 21-9-2012, data em que transitou para contencioso” ; – Devendo constar da matéria de facto provada, “com relevância para a causa, apenas que: 5) O réu utilizou o cartão mencionado em 2. operando a transferência do montante de € 3.000,00 (três mil euros) disponibilizado pela autora para conta de depósitos à ordem, constante do extracto de conta-cartão datado de 11-4-2011, junto a fls. 112” ; – Pelo que deverá “ser rectificada a matéria de facto provada eliminando-se dela a matéria constante em parte do artigo 5.º passando a constar esta da matéria de facto não provada e rectificando-se a matéria assente no citado artigo 5.º nos moldes supra citados para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais” ; – Relativamente á matéria de direito, “cumpre referir que a modificação das condições gerais e particulares de utilização do cartão traduz uma alteração das condições contratuais inicialmente estabelecidas, com o estabelecimento de diferentes obrigações e direitos. Ademais, também se infere do alegado e do teor dos docs. que as condições particulares do contrato de crédito ao consumo também foram alteradas, pois que inicialmente o montante máximo de crédito no cartão light era de 3.500,00 e actualmente é de, aparentemente, € 6.500,00” ; – pelo que ocorreu uma renovação do contrato de crédito e não uma simples ou uma mera emissão e substituição de cartões, a qual não foi reduzida a escrito, conforme impõe o art. 12.º, n.º 1 e 2 do DL 133/2009, de 02 de Junho ; – a questão que se coloca é a de saber se devem ou não ser considerados provados os factos a tal atinentes alegados pela autora, pois no artigo 13.º do citado Decreto-Lei “estabelece-se uma presunção de imputabilidade ao credor da inobservância da forma escrita e que a inobservância da forma legal constitui uma invalidade atípica, pois que apenas o consumidor (e não terceiros ou oficiosamente conhecida pelo tribunal) pode arguir a nulidade do contrato” ; – pelo que, não tendo ficado demonstrado que o R. solicitou tal aumento do limite de crédito deverá ser entendido que “a obrigação do consumidor quanto ao pagamento é reduzida ao montante do crédito concedido e o consumidor mantém o direito a realizar o pagamento nas condições que tenham sido acordadas ou que resultem dos usos.”, conforme aliás prescreve o artigo 12.º n.º 7.º al. b) do citado DL” ; – donde, ao decidir como decidiu violou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” o disposto no artigo 12.º e 13.º da citado DL D 133/2009 de 02/06 o artigo 615.º al. a), b), e d) do C.P.C.

Em conformidade, pugna o Apelante no sentido de ser dado provimento ao recurso, “revogando-se consequentemente a sentença ora recorrida substituindo-a por outra nos moldes supra citados para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devido efeitos legais”.

6 –A Apelada não apresentou quaisquer contra-alegações.

7 –Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

*** II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1–o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2–Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a)As normas jurídicas violadas ; b)O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c)Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”-.

Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões: 1.–DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência ao indicado artº. 5º da matéria factual dada como provada, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA ; 2.–DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

*** III–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte: 1.–Autora e réu celebraram um acordo de utilização de cartão de crédito denominado ‘Cartão Light’, associado à conta de depósitos à ordem de que o réu é titular n.º 0003.25112939020, nos termos da declaração escrita datada de 1-4-2011, subscrita pela autora e pelo réu, este na qualidade de mutuário, junta a fls. 67 e de que se extrai o seguinte: « (…) mutuário(s) de contrato de crédito por utilização do Cartão CARTÃO LIGHT a celebrar nesta data com o B………... declara(m) que o BANCO, pelo modo mais adequado à minha (…) compreensão, me (…) prestou os esclarecimentos necessários e os por mim (…) solicitados, tendo-me (…) colocado em posição de me (…) permitir avaliar se o referido contrato se adapta às minhas (…) necessidades e à minha (…) situação financeira, tendo-me (…) sido entregue pelo BANCO, antes de celebração daquele contrato, as informações pré-contratuais nelas incluídas a “Informação Normalizada Europeia em Matéria de Crédito a Consumidores” (…) em papel [documento junto a fls. 63-66], a...

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