Acórdão nº 181/13.3PAMTJ.L1 -3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução04 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–RELATÓRIO: C.A.A., solteiro, desempregado, nascido em 09/01/1956, filho de MA e de MEV, natural do Barreiro, residente no ………………Barreiro, foi julgado em processo comum com intervenção do Tribunal Singular e, a final, condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203º nº 1, 204º nº 1 al a) do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, substituída por multa ao abrigo do art. 43º nº 1 do Código Penal, em 180 dias de multa à razão diária de € 5,00.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1.ª– O arguido C.A.A. foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.° n.º 1, 204.° n.º 1 alínea a) todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por multa ao abrigo do artigo 43.º n.º 1 do Código Penal, em 180 (cento e oitenta) dias de multa à razão diária de 5,00 € (cinco euros).

  1. – A prova produzida em audiência de julgamento foi no entender do recorrente manifestamente insuficiente para sustentar uma condenação.

  2. – O arguido em sede de audiência de julgamento apenas prestou declarações onde negou expressamente a prática dos factos pelos quais vinha acusado e quanto à sua situação pessoal.

  3. – O arguido apresentou e foi admitida contestação escrita, apesar da mesma não ter sido sequer valorada, o que se reflete nos factos provados e não provados.

  4. – A boa decisão da presente causa reside numa prudente e criteriosa análise dos depoimentos das testemunhas de acusação ouvidas.

  5. – Uma vez que a condenação do recorrente foi feita com base nos depoimentos de testemunhas com laços familiares muito próximos com a ofendida e como se isto só por si não impusesse uma maior reserva e cautela na análise desses depoimentos, todas as testemunhas de acusação foram assistidas pela mesma ilustre mandatária que a ofendida.

  6. – Um exemplo bem elucidativo da excessiva valoração dos depoimentos das testemunhas em especial da ofendida, foi o facto de ter sido dado como provado os valores das alegadas peças em ouro indicados pela ofendida de forma totalmente arbitrária.

  7. – No que respeita às alegadas peças herdadas compreende-se que a ofendida não tivesse podido apresentar recibos de compra, já no que respeita às que alega terem sido por si compradas não se percebe como não foi apresentada prova documental dessa compra.

  8. – No que respeita às peças herdades poderia ter sido apresentada prova documental como documento de partilha judicial ou extra-judicial onde as peças fossem mencionadas ou até a relação de bens apresentada nas finanças por óbito da mãe da ofendida 10.ª– Pese embora existir liberdade na apreciação da prova, tal não significa que exista uma total discricionariedade por parte do julgador.

  9. – Atendendo à fragilidade e insuficiência da prova produzida pela acusação, teria de ser aplicado o princípio do Processo Penal in dubio pro reo e por via deste teria forçosamente o arguido que ser absolvido, não o aplicando ocorreu a violação do artigo 32.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

  10. – Tendo ocorrido no entender da recorrente uma incorrecta aplicação do artigo 127.° do Código de Processo Penal.

  11. – Acresce a tudo isto que o tribunal a quo deu como provado que o arguido reside com a sua mãe de 90 anos e é este quem lhe presta cuidados a tempo inteiro, o que revela uma nobreza de carácter e espírito de abnegação por parte do arguido.

  12. – O arguido tem 61 anos de idade não possuindo antecedentes criminais de qualquer natureza, o que é uma facto que abona muito a favor deste.

  13. – Pelo que ainda que todos os factos constantes da acusação tivessem sido correctamente dados como provados o por mera cautela de patrocínio se equaciona, teria ocorrido violação do artigo n.º 70 do Código Penal quando o tribunal optou por aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade (ainda que substituída por multa).

  14. – Por todo o supra exposto, deverá o recorrente ser absolvido do crime de furto qualificado pelo qual foi condenado.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUT AMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, NOS TERMOS EXPRESSOS NAS CONCLUSÕES QUE ANTECEDEM, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, ABSOLVENDO-SE O RECORRENTE.

FAZENDO DESTA FORMA V. EXAS JUSTIÇA O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo em síntese (nossa): Quanto à impugnação dos factos dados como provados a discordância não resulta de declarações ou prova documental evidenciadora do contrário, mas tão só, da forma como a prova foi apreciada pela Mmª Juíza, colocando assim em crise apenas a livre apreciação da prova e a convicção do tribunal.

Porém, a sentença não enferma de nenhuma omissão, nulidade ou vício que a possa inquinar, não merecendo qualquer reparo, pelo que é manifesta a falta de razão do recorrente, já que são indicados todos os elementos de prova e nenhuma contradição, insuficiência ou erro se verifica ou resulta da subsunção da matéria de facto direito aplicável e que originou a condenação do recorrente Quanto à pena aplicada constata-se a razoabilidade e a adequação da decisão recorrida, não tendo sido violado qualquer dispositivo legal.

O recurso foi admitido.

* Nesta instância foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi remetido à conferência.

II.

–FUNDAMENTAÇÃO.

As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428º do Código de Processo Penal) e, no caso em apreço o Recorrente manifestou o propósito de interpor recurso sobre a matéria de facto.

É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).

* Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a decidir são as seguintes: 1.

– Omissão de pronúncia; 2.

– Reapreciação da matéria de facto; 3.

– Violação do princípio in dubio pro reo; 4.

– Escolha da pena aplicável.

* Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada e a respectiva fundamentação: Factos Provados: 1.

– Desde Setembro de 2011 e até ao dia 11 de Fevereiro de 2013, o arguido C.A.A. manteve um relacionamento amoroso com a ofendida MJR, sendo visita assídua na residência desta, situada na Rua ………………, no Montijo.

  1. – Nas ocasiões em que se deslocava à residência da ofendida e onde por vezes pernoitava, o arguido tinha acesso aos vários compartimentos de toda a casa.

  2. – Assim, em data não concretamente apurada, mas anterior ao referido dia 11 de Fevereiro de 2013, o arguido entrou no quarto da ofendida e do interior do roupeiro aí existente retirou os seguintes objectos em ouro àquela pertencentes, os quais fez seus integrando-os no seu património: - um conjunto de 7 escravas em ouro amarelo com o valor de 4200, €; - 1 escrava única, lisa, em ouro amarelo, no valor de 1300,00€; - 1 escrava única, lisa, em ouro amarelo, no valor de 1700,00€; - 1 pulseira de senhora em ouro amarelo, no valor de 1200,00 €; - 1 pulseira de senhora em ouro amarelo, no valor de 1300,00 €; - 1 pulseira de homem em ouro amarelo, no valor de 1800,00 €; - 1 anel de noivado em ouro branco e com uma pedra branca no valor de 600 €; - 1 aliança de casamento em ouro amarelo, no valor de 350 €; - 1 anel de senhora em ouro branco e amarelo no valor de 400 €; - 1 gargantilha em ouro amarelo, no valor de 2000 €; - 1 par de brincos com pendentes, em ouro amarelo e pedras de diversas cores, no valor de 1300,00 €; - 1 broche que fazia conjunto com os brincos, também em ouro amarelo, no valor de 900,00 €; - 1 arco tipo medalha em ouro amarelo para emoldurar fotografias, no valor de 450 €; - 1 par de botões de punho, em ouro branco, no valor de 600 €; - 1 alfinete de gravata, em ouro branco no valor de 200 €; 4.

    – Tais objectos, cujo valor totalizava 18.300 €, foram depois vendidos pelo arguido a um indivíduo de identidade desconhecida, na Feira da Ladra em Lisboa, por valor não concretamente apurado.

  3. – O arguido C.A.A. agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de fazer seus os referidos objectos em ouro, tendo consciência que actuava contra a vontade da respectiva proprietária e violava a confiança que a mesma havia depositado em si, já que lhe permitia frequentar a sua residência.

  4. – O arguido sabia bem que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  5. – O arguido não tem antecedentes criminais.

  6. – O arguido reside com a mãe, de 90 anos de idade que aufere pensão de reforma.

  7. – O arguido não aufere qualquer rendimento.

  8. – O arguido tem o 4.° ano de escolaridade.

    Factos não provados.

    Da venda referida em 4. dos factos provados resultaram mil euros.

    Fundamentação da decisão de facto.

    Nos termos do art.° 205.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.

    O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97°, n.º 4 e 374°, n.º 2, exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.

    São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125° do Código de Processo Penal). A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (art. 127° do Código de Processo Penal).

    O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos vários elementos probatórios abaixo indicados, apreciados segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.° 127.° do Código de Processo...

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