Acórdão nº 25261-11.6T2SNT-D.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: No apenso de reclamação e graduação de créditos referente à insolvente R... Lda, foi proferida sentença em que se decidiu: «A)– Absolver da instância de impugnação a impugnada A..., Lda. na parte relativa ao reconhecimento dos direitos de crédito e de retenção sobre os imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão.

B)– Julgar reconhecido o crédito reclamado por A... Lda., no montante de € 280.000,00 de capital, acrescida da quantia de € 2.362,74, de juros de mora liquidados desde 08.01.2010 até à data da entrada da execução, em 26.03.2010.

C)– Julgar não reconhecido o direito de retenção invocado pelo reclamante A..., Lda. relativamente aos imóveis a que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão, em consequência qualificando como comum o crédito no montante global de € 159.348,00, proveniente do incumprimento das respectivas promessas de venda.

D)– Consignar que o direito de retenção de que beneficia A... Lda. relativamente aos imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão, garante o pagamento da quantia de € 60.326,00, relativamente a cada um dos referidos imóveis.

E)– Graduar os créditos reconhecidos nos seguintes termos: 1.

– Pelo produto da venda do veículo automóvel a que respeita a verba 1 do auto de apreensão, bem assim como de outros bens móveis ou direitos eventualmente apreendidos dar-se-á pagamento pela ordem seguinte: 1.º-Caixa ..., até ao montante de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros); 2.º-Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes; 2.

– Pelo produto da venda do imóvel a que respeita a verba 2 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte: 1.º-Autoridade Tributária, pelos montantes de IMI que corresponderem ao referido imóvel, de acordo com a especificação apresentada pelo Ministério Público em 25.11.2016, a fls. 197/198 do processo em papel.

  1. -Banco ...

  2. -Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes; 3.

    – Pelo produto da venda dos imóveis a que respeitam as verbas 3, 4, 5, 6 e 7 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte: 1.º-Autoridade Tributária, pelos montantes de IMI que corresponderem a cada um dos referidos imóveis, de acordo com a especificação apresentada pelo Ministério Público em 25.11.2016, a fls. 197/198 do processo em papel.

  3. -Caixa ....

  4. -Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes; 4.

    – Pelo produto da venda dos imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte: 1.º-Autoridade Tributária, pelos montantes de IMI que corresponderem a cada um dos referidos imóveis, de acordo com a especificação apresentada pelo Ministério Público em 25.11.2016, a fls. 197/198 do processo em papel.

  5. -A... Lda., até ao montante de € 60.326,00 de capital, acrescido dos juros correspondentemente liquidados, relativamente a cada um dos dois imóveis.

  6. -Banco ...

  7. -Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;».

    Inconformados, apelaram A..., Lda e Banco ....

    - Apelação de A..., Lda - Terminou a apelante a alegação com as seguintes conclusões: A– Como questão prévia, constata-se que a douta sentença a quo seguiu um raciocínio correcto para obter os valores que consigna nas alíneas C) e D) do seu ponto 5, mas que, a final, levam a um resultado errado, aparentemente, fruto de um erro de cálculo (assim, em vez de 159.348,00 € deverá considerar-se 153.644,00 € e, em vez de 60.362,00 € x 2 = a 120.724,00 €, deverá considerar-se 63.186,00 € x 2 = a 126.336,00 €).

    Quanto aos restantes fundamentos: 1– O presente recurso vem interposto da douta decisão a quo, na parte que julgou não reconhecido o direito de retenção invocado, pelo, ora, recorrente, relativamente aos imóveis que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão, qualificando, assim, como comum o crédito no montante global de 159.348,00 € (cento e cinquenta e nove mil trezentos e quarenta e oito euros), proveniente do incumprimento das respectivas promessas de venda.

    2– Tal decisão assenta na doutrina do “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, publicado no D.R. 1.ª série de 19.05.2014, que uniformizou jurisprudência no sentido de que apenas o promitente- comprador que assuma a qualidade de consumidor, está abrangido pela previsão da norma”.

    3– “Ficando assim demonstrado que, para os efeitos do disposto no art.º nº 755º, nº 1, al. f), do CC, não assume a qualidade de consumidor”.

    4– “Constituindo a qualidade de consumidor pressuposto do direito de retenção consagrado no art.º 755º, nº 1, al. f), do Código Civil, por falta do referido pressuposto, conclui-se pela não verificação de qualquer direito de retenção, relativamente ao credor impugnante”.

    5– “Relativamente ao impugnante Montepio Geral, o crédito reconhecido será assim de qualificar como comum”.

    6– A, ora, recorrente discorda da aplicabilidade no caso sub judice, da doutrina firmada no referido Acórdão.

    7– Desde logo, porque tal doutrina, atentas as opiniões que suscita (traduzidas, desde logo, em votos de vencido de Insignes Juízes Conselheiros), deverá ser, sempre, alvo de redobrada ponderação na sua aplicação.

    8– Devendo, considerar-se, nomeadamente, que em casos como os dos autos, não deverá penalizar-se o promitente-comprador, em virtude de uma via interpretativa de uma norma, que surgiu muito após a concretização da materialidade que, de acordo com o estatuído no Código Civil, lhe concederia a tutela retentória (que era conditio sine qua non para a concretização do negócio) e, mesmo, significativamente, após a sua invocação em Juízo.

    9– Aplicando-se, assim, o estatuído na alínea f) do nº 1 do artigo nº 755º do CC, sem a restrição derivada da jurisprudência firmada no Acórdão nº 4/2014.

    In casu, 10– A ora recorrente celebrou os contratos-promessa em causa, em Maio de 2008.

    11– Os contratos foram incumpridos definitivamente pela promitente vendedora e insolvente Rijoduto, no mesmo ano.

    12– Por sentença transitada em julgado em Fevereiro de 2010, foi reconhecido tal incumprimento, traduzido na condenação do promitente vendedor no pagamento de 280.000,00 € e na declaração do direito de retenção sobre os imóveis, objecto dos contratos.

    13– Em 6 de Março de 2012 e na sequência da declaração de insolvência foram reclamados os créditos, no âmbito do presente processo de insolvência.

    14– Em 19/05/2014 é publicado no Diário da República, o Acórdão Uniformizador nº 4/2014, que fixa jurisprudência no sentido de restringir, em determinado enquadramento fáctico, o acesso ao direito de retenção a quem, para lá de promitente-comprador, tenha a qualidade de consumidor.

    15– Factos pelos quais, atenta a sua cronologia, não deverá a, ora recorrente, ser penalizada, tendo em conta a imprevisibilidade de factos novos que poderiam, em tese, cercear o seu direito e que, a serem conhecidos, seriam condição essencial para não celebrar os negócios.

    16– Ou, quanto muito, para os celebrar, noutros termos.

    17– A admitir-se a aplicabilidade de um Acórdão Uniformizador, com tais pressupostos, colocar-se-iam em causa, princípios de segurança e estabilidade, constitucionalmente consagrados.

    Por outro lado, 18– Mesmo admitindo, em mera tese, a irrelevância da violação do princípio de segurança e estabilidade jurídica, sempre o Acórdão Uniformizador não tem aplicação aos factos constantes dos presentes autos.

    Assim, 19– O Acórdão Uniformizador fixou jurisprudência no sentido que “no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído na alínea f), nº 1, do artigo 755º do Código Civil”.

    Ora, 20– In casu, à data da declaração de insolvência da Rijoduto (promitente-vendedora) há muitos anos que se encontravam incumpridos definitivamente, resolvidos e, mesmo, objecto de reconhecimento judicial, os contratos-promessa, objecto dos autos.

    21– O âmbito de aplicação do referido Acórdão Uniformizador limita-se às situações em que o incumprimento só se veio a verificar por parte do Administrador de Insolvência e não estavam declarados nos autos.

    Pelo que, 22– “Se for provada a existência de uma resolução do contrato-promessa, mesmo que ilícita, anterior à declaração de insolvência, o promitente-comprador terá direito de retenção, nos termos dos artigos 755.º n.º1 alínea f) e 442.º do Código Civil, quer seja, quer não seja consumidor, não se aplicando o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014.” 23– O que se verifica, no caso sub judice.

    24– Razões pelas quais, sempre deverá ser reconhecido o direito de retenção no que respeita aos imóveis designados pelas verbas 5 e 6, nos termos do artigo nº 755º, nº 1, alínea f) e artigo 442º, ambos do CC, não se aplicando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014 e qualificando o referido crédito de 159.348,00 € (153.664,00 € depois de corrigido) como garantido, graduando-se e preferindo-se o mesmo, em relação ao do credor impugnante Caixa ....

    Por outro lado, 25– Atento o teor do nº 1 do artigo 805º e nº 1 do artigo 806º do CC, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia de constituição em mora.

    26– E nos termos do artigo 829º-A do CC “quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.

    27– In casu, a notificação da sentença em que a sociedade insolvente foi condenada a pagar 280.000,00 € à, ora, recorrente, data...

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