Acórdão nº 30822-16.4T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL RODRIGUES
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: P..., Advogado, intentou, em 16/12/2016, a presente acção popular civil, segundo as regras do processo comum de declaração, contra N... S.A,, pedindo seja: a)-Declarado contra a Ré e invocando-se, com efeitos erga omne, a prescrição de todas as facturas emitidas nos seis meses posteriores à prestação do serviço pela Ré detidas pela mesma à data da entrada desta acção em juízo, ou da data da publicação dos Editais da mesma, e que estejam abrangidas pelo art.º 10º,nº1 da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, contra a Ré por parte de todos os consumidores - devedores da Ré; b)-Declarada a caducidade contra a Ré com efeitos erga omnes, dos procedimentos caducados, nos termos do art.º 10º, nº 4 da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, referente às facturas de consumidores da Ré na titularidade da mesma; c)-A Ré condenada a destinar €18.225.000,00, a um Fundo Destinado à Pesquisa em Encriptação, Transmissão e Computação Quântica, dirigido por si e com a sua autoridade; d)-A Ré condenada a reter do valor referido em c) deste Pedido ao Advogado nestes autos 4,75% do valor do Fundo Destinado à Pesquisa em Encriptação, Transmissão e Computação Quântica; e)-Declarada a penhora dos bens móveis da habitação do executado, para satisfação do crédito da Ré, um procedimento ilegítimo, por Abuso de Direito: art.º 334º do Código Civil.

Alegou, em resumo, como fundamento da sua pretensão: O Autor é Advogado inscrito na Ordem dos Advogados; A Ré é uma sociedade resulta da fusão das sociedades Z... S.A. e O... S.A., que se dedica ao fornecimento e implementação, operação, exploração e oferta de redes e prestação de serviços de comunicações electrónicas e serviços conexos, bem como ao fornecimento e comercialização de produtos e equipamentos de comunicações electrónicas, distribuição de serviços de programas televisivos e radiofónicos; No âmbito da sua actividade, a Ré possui uma carteira de créditos, de valor elevado, não pagos, provenientes do fornecimento de serviços, tanto da O... como da Z...; Tais créditos sobre clientes correspondem a facturas de prestações de serviços com mais de 12 (doze) meses, sendo que €56.325.000,00 se referem a telefonia celular e € 19.850.000,00 a serviços audiovisuais; A Ré desenvolve uma estratégia judicialmente agressiva de cobrança de tais dívidas prescritas, muitas delas prescritas, designadamente notificando os devedores clientes com a cominação de “PENHORA E REMOÇÃO DE BENS”, bem como da “PENHORA DE TODOS OS BENS QUE SE VENHAM A APURAR”; Tal estratégia muitas vezes ameaçadora é do conhecimento público, como se comprova das notícias e portais existentes na net., que recebem diariamente queixas da Ré, por cobranças ilícitas e abusivas; A penhora dos bens móveis do executado, na sua casa de morada, para satisfação do crédito da Ré é um procedimento ilegítimo (…), por violar a dignidade do executado quanto à sua casa de habitação; A Ré serve-se, desde 2009, do PEPEX – Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo para convolar os créditos em penhora de bens da habitação do executado, com manifesto propósito de ganhar várias vezes o valor da dívida inicial, o que poderia ser evitado se a ré pura e simplesmente interrompesse o serviço e o acumular de dívidas; Estimando-se que mais de 50% das acções de cobrança e injunções interpostas pela Ré contra clientes e ex-clientes, devedores e consumidores estejam caducadas e os créditos prescritos; A Ré viola, assim, o fim económico ou social do direito à cobrança, destruindo o frágil equilíbrio dos consumidores, agindo com Abuso de Direito, ilegitimidade e eventual ilicitude, dado que a actuação da Ré é, na maioria dos casos um procedimento judicialmente agressivo, que extravasa o temor reverencial, mas constitui uma ameaça ilícita proprio sensu; Por outro lado, os direitos da Ré cobrar créditos prescritos, nos termos do artigo 10º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, caducam logo que sejam ultrapassados seis meses após “a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”; Caducidade que é do conhecimento oficioso, por respeitar a matéria subtraída da disponibilidade das partes, como se retira dos art.º 13º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho; O Autor, como Advogado, está sujeito a um poder-dever de interposição da presente acção, de acordo com o artigo 31º do CPC e os artigos 2º e 12º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto; O próprio artigo 90º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados obriga o Autor, Advogado, a “defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”; Tem o Autor um interesse e legitimidade para invocar contra a Ré a prescrição das facturas ainda não declaradas prescritas e cuja prescrição não foi invocada pelos próprios consumidores, por descrença na justiça ou falta de meios para suportarem os honorários de um advogado e respectivas taxas de justiça; Agindo o Advogado Autor em causa própria e alheia, defendendo interesse difusos, representando, assim, milhares de cidadãos e consumidores portugueses.

Sendo que a Ré, nos últimos três anos, ameaçou ou penhorou ilegitimamente cerca de 135.000 pessoas; Do valor da compensação devida a esses consumidores lesados, deve afectar-se 90% a um Fundo destinado à pesquisa em encriptação, transmissão e computação quântica, que deve ser constituído e gerido pela Ré, sob sua autoridade e direcção; E uma parte, não inferior a 4,75%, do valor final dos valores em que a Ré venha a ser condenada a constituir para o Fundo de Investigação Científica, deverá ser retida a favor do Autor, para lhe ser entregue, a título de justa renumeração do seu trabalho e investigação. O Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de 1ª Instância pugnou, no seu douto parecer constante de 23 verso a 26, pelo prosseguimento da acção, por entender que inexiste fundamento para que esta seja indeferida liminarmente e que antes da formulação de um juízo definitivo a tal respeito, deveria notificar-se a DECO (Associação de Defesa dos Consumidores), ao abrigo do disposto no art.º 17.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a fim de informar qual o número de queixas que a essa entidade foram apresentadas a essa entidade, nos últimos três anos, por clientes da Ré, relacionadas com a questão de cobranças indevidas e abusivas e, designadamente, com referência a créditos já prescritos.

O Sr. Juiz indeferiu liminarmente a petição inicial, por entender “ser manifesta a improcedência dos pedidos, face à ilegitimidade do autor para arguir a caducidade do direito da ré a cobrar créditos sobre os consumidores seus clientes e a prescrição do crédito da ré sobre as facturas emitidas há mais de seis meses e, à impropriedade da acção popular para obtenção da tutela dos clientes da ré sobre essa prescrição e caducidade” – cf. fls. 27 a 28 verso.

Inconformado, em 27/02/2017, o Autor interpôs recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Lisboa, nas quais formulou as seguintes conclusões: «1º –Dirigiu o Autor contra a Ré o pedido de “prescrição de todas as facturas emitidas nos seis meses posteriores à prestação do serviço pela Ré, à data da entrada desta ação em juízo.

  1. –A prescrição é matéria estabelecida na “disponibilidade das partes”, de acordo com o art.º 303º, do Código Civil, e a oponibilidade da prescrição por terceiros com legítimo interesse na sua declaração é pertinente, ainda que o devedor a ela tenha renunciado: art.º 305º, n.º 1 do Código Civil.

  2. –A política de cobrança da Ré contra os consumidores – devedores é feita de “forma atentatória contra as necessidades básicas dos mesmos”(…), “uma vez que promove maciçamente contra os seus devedores a ameaça de retirar os seus bens de habitação”(…) “em violação dos limites legais, previstos no art.º 737º,nº3 do CPC”: 4º –Na realidade a penhora de bens da casa do devedor – consumidor, constitui a manifestação de um direito ilegítimo, pois a lei não deveria permitir a agressão de qualquer domicílio de um devedor, salvo em casos muito excepcionais.

  3. –O pedido (aliás não considerado na douta sentença) de proibição de penhora de bens gerais da habitação dos clientes da Ré, são um bem jurídico geral e uno, que pretende tutelar um inaceitável venire contra factum proprium da Ré, em relação a consumidores desprotegidos, falidos, inadimplentes, para não lhes serem cobradas com violência cega dívidas na sua habitação.

  4. –O Autor tem um poder – dever, ao abrigo do art.º 90º, nº1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, de invocar a sobredita prescrição.

  5. –À declaração da caducidade contra a Ré e a favor dos consumidores, com efeitos erga omnes, dos procedimentos caducados referentes às facturas detidas pela Ré há mais de seis meses, após a sua prestação – art.º 10º, nº 4, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, aplica-se mutatis mutandis conforme se referiu em relação à prescrição.

  6. –É censurável a conduta da R em ter práticas de cobrança ilegítimas, e por vezes ilícitas.

  7. –A penhora de “bens móveis de habitação” do executado, para satisfação dos créditos da Ré, é um procedimento ilegítimo, por Abuso de Direito: art.º 334º do Código Civil.

  8. –O Tribunal A Quo considerou os fundamentos para indeferir o pedido quanto á prescrição e a caducidade como fundamento também dos demais pedidos, que indeferiu, pedidos os quais têm conteúdo distinto, sendo aqui a douta sentença omissa – art.º 615º, d) do CPC.

  9. –A douta sentença peca...

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