Acórdão nº 3375-16.6T8FNC.L2-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL RODRIGUES
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: R...

e J...

, em 17/05/2016, propuseram procedimento cautelar comum no âmbito de acção popular e preliminar a esta, contra I... S.A., pedindo que: a)-Para efeitos de permitir o acesso e fruição do parque de estacionamento existente junto à parte Oeste da Praia Formosa, São Martinho, Funchal, pela população da Madeira e dos seus visitantes, de modo público, livre e gratuito, tal como vinha acontecendo até ao dia 19/04/2016, seja determinada à Requerida a imediata e total desobstrução da entrada e da saída do referido parque, removendo tudo o que ali foi colocado, por si ou a seu mando, e recolocando toda a sinalização vertical que existia no estacionamento, concedendo-se para o efeito o prazo máximo de 10 dias corridos, findos os quais deverão os Requerentes ser autorizados a proceder à desobstrução daquelas, a expensas da Requerida, com recurso, se necessário, a acompanhamento e uso da força policial e remoção de quaisquer outros obstáculos a tal efeito; b)-Nessa sequência, e até à decisão definitiva a proferir no processo principal, seja a Requerida intimada a se abster da prática, por si ou por alguém a seu mando, de todo e qualquer acto que impeça ou dificulte o acesso e a utilização normal do parque de estacionamento em causa à população da Madeira e aos turistas.

Alegam, em síntese, que com a presente providência pretendem defender os interesses gerais da colectividade e também interesses difusos consubstanciados, designadamente, na respectiva qualidade de vida, sendo secundados, neste propósito, por diversos cidadãos residentes em diversas localidades da Região Autónoma da Madeira, os quais, para o efeito, subscreveram o abaixo-assinado que juntam. Referem, em substância, que no dia 19/04/2016, a Requerida, alegada proprietária, bloqueou e fechou o acesso ao parque de estacionamento da Praia Formosa, ambos sitos na freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, concretamente o existente a Noroeste da referida praia. Fê-lo à noite, inesperadamente, tendo para o efeito colado nos respectivos acessos de entrada e de saída barreiras de cimento. O fecho do parque de estacionamento em causa pela Requerida impediu de imediato, e vem impedindo desde então, completamente, o acesso e o estacionamento de veículos automóveis no mesmo. O parque de estacionamento em questão existe desde seguramente há mais 30 anos e desde o seu início sempre se destinou e esteve afecto ao uso público, tendo sempre sido livremente acedido e usado pela população madeirense, quer em apoio à mencionada praia pública, quer em apoio aos equipamentos desportivos públicos ali edificados (campo de futebol). Tal parque de estacionamento, inicialmente em terra batida, foi, há vários anos, alcatroado pela Câmara Municipal do Funchal (doravante CMF), que marcou no alcatrão os respectivos estacionamentos e as setas de orientação do trânsito a tinta branca, colocou a sinalização vertical e marcou no alcatrão, a tinta amarela, como reservados, lugares de estacionamento, designadamente para si, para a Polícia de Segurança Pública (PSP), para deficientes para o Serviço de Apoio no Mar (Sanas – Madeira), e bem assim proibiu o estacionamento, designadamente a bicicletas. Tem sido a CMF quem tem procedido à manutenção do parque de estacionamento em causa, reparando-o quanto necessário, o que aconteceu há menos dois meses. Nunca a Requerida impediu o arranjo do parque pela CMF ou a sua utilização pela população da Madeira em geral, a qual sempre o utilizou na convicção de que o terreno onde está implantado é público. A Praia da Formosa é a maior praia pública da Madeira, sendo o parque de estacionamento em causa um dos poucos locais existentes no concelho do Funchal cujo acesso pela população é gratuito. O outro estacionamento existente junto à Shell é manifestamente insuficiente para o estacionamento dos veículos do número de pessoas que ali diária e regularmente se desloca e utiliza quer a praia, quer a promenade, quer os restaurantes e bares das proximidades. O fecho do parque de estacionamento prejudica e põe em causa a segurança das pessoas que frequentam a Praia Formosa e a promenade, porquanto, designadamente o Sanas e a PSP, por um lado, deixaram de ter lugar reservado para ali estacionarem as suas viaturas em caso de emergência na zona, sendo que, por outro lado, as pessoas que ali se deslocam serão obrigadas a estacionar os respectivos veículos nas margens da estrada e nos passeios próximos, criando caos no trânsito na zona e obstruindo ou dificultando muito a passagem de veículos de socorro e de emergência e o acesso em si à praia e à promenade em caso de acidente.

Argumentam, ainda, que face à utilização do parque de estacionamento em causa pela colectividade em geral, e em particular pelo Município do Funchal, e pelos turistas, desde seguramente há mais de 30 anos, de forma ininterrupta, à vista de todos, e designadamente da Requerida, sem oposição de ninguém, sem qualquer violência e na ignorância de lesão do direito de outrem, das três uma: caso o terreno onde foi construído o referido estacionamento seja público, impunha-se ao Município do Funchal, ou esteja dentro do domínio público marítimo, impunha-se ao Município do Funchal, pugnar pela defesa dos interesses de toda a colectividade que lhe foram confiados; caso a Requerida prove que o terreno lhe pertence, impunha-se ao Município do Funchal, na defesa dos interesses da colectividade que representa e na prossecução do interesse público, que invocasse a usucapião sobre o mesmo, tendo em consideração a posse que vem sendo sucessiva e ininterruptamente exercida pelo próprio, através da população do Funchal, nos termos correspondentes ao direito de propriedade; subsidariamente à usucapião, competia ao Município, na defesa do interesse público, invocar a acessão industrial imobiliária sobre o terreno em causa, pois o valor das obras que realizou nele de boa-fé é maior do que o valor do terreno tinha antes. Entendem, ainda, que a obstrução total do acesso, com a consequente impossibilidade física do estacionamento no parque em causa, configura uma situação de esbulho violento, violência essa exercida pela Requerida sobre as coisas, impedindo a sua utilização, destinada a criar no possuidor Município do Funchal um estado psicológico de insegurança que afecta a liberdade e a tranquilidade dos respectivos munícipes.

Citada a Requerida deduziu incidente de impugnação do valor atribuído pelos Autores ao procedimento cautelar, e oposição, por excepção, invocando a incompetência do tribunal em razão do valor da causa, a ineptidão da petição inicial por falta de indicação do pedido[1] e a ilegitimidade dos Autores, e por impugnação, alegando, em substância, que a Requerida é proprietária e possuidora da parcela de terreno em causa, bem como de todo o imóvel na sua globalidade, há mais de 200 anos, e que sempre agiu como tal perante os particulares e entidades públicas, que a Câmara Municipal do Funchal está bem ciente disso e que as obras de melhoramento realizadas por esta autarquia bem como a utilização da referida parcela de terreno como parque de estacionamento foram-no mediante prévia autorização da antepossuidora e somente a título provisório, enquanto o destino final dos prédios não fosse concretizado. Referem, ainda, que não se verifica o pressuposto do periculum in mora que sustenta a urgência dos procedimentos cautelares, na medida em que a parcela de terreno que esteve afecta a parque de estacionamento não irá desaparecer, e que falta igualmente o pressuposto da acção popular quanto ao interesse invocado (direito da população em geral estacionar os veículos junto à praia) por não corresponder a qualquer interesse juridicamente tutelado.

Decidido o incidente, foi fixado o valor à causa.

Foi também decidida a excepção de incompetência do Tribunal em razão do valor da causa.

Procedeu-se à citação do Município do Funchal e, editalmente, dos “utentes regulares da Praia Formosa, na freguesia de São Martinho, Funchal, nos termos para os efeitos do artigo 15º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto.

Foi também notificada a pendência da presente acção ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 16º da citada Lei n.º 83/95, artigo 5º, n.º 4, do Estatuto do Ministério Público e 325º do Código de Processo Civil.

Realizada a audiência final, foi proferida, em 11-07-2017, decisão que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade activa invocadas e indeferiu a providência cautelar requerida.

Apelaram os Requerentes, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: «1ª–Deve ser dado como não provado o que consta sob o ponto 38. da matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo, devendo antes, e diversamente, ser dado como provado que, em 24 de Fevereiro de 1992 foi celebrado entre o Governo Regional da Madeira e a H... o Protocolo que consta junto à Oposição como doc. 7 - impondo-se a respectiva consideração na sua totalidade.

  1. –Efectivamente, e como consta de tal documento, a desistência da expropriação e a entrega do imóvel em causa efectuaram-se mediante determinadas condições e para determinados fins, e, designadamente, ao invés do que foi feito constar do mencionado ponto 38., está em causa um acordo no qual foi prevista a manutenção, em cada momento, das instalações balneárias de acesso e uso públicos (só assim se percebendo os factos dados como provados sob os pontos 6., 12., 13., 16. 18. a 22., 26. e 40.).

  2. –Deve ser dado como não provado o ponto 41. da matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo nos termos em que se encontra redigido, por não se mostrar minimamente concretizado, sendo que o que em concreto a esse respeito foi alegado (cfr. art.º 52º da Oposição) e nessa sequência provado (cf. ponto 42 da matéria de facto apurada) foi a promoção pela Requerida de procedimento administrativo de delimitação do domínio público marítimo.

  3. –Sendo isto que...

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