Acórdão nº 20120/16.9T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução03 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Em 3.08.2016, Joaquim ...

e esposa, ... ... ...

, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra Banco Espírito Santo, SA e Novo Banco, SA, pedindo a condenação solidária dos RR. a indemnizá-los pelos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença, e pelos danos morais que computaram simbolicamente em €5.000,00.

A fundamentar o peticionado alegaram, em síntese: Os AA. aplicaram €100.000,00 em papel comercial emitido pela ES INTERNAT, SA, com vencimento em 26.11.2014, através da conta DO do balcão de Celorico da Beira.

Efectuaram tal compra por influência do 1º R., através do gestor de conta em quem confiavam plenamente e que sempre os orientou na aplicação das suas poupanças, que não lhes deu qualquer explicação sobre o produto, bem sabendo que os AA., clientes de perfil conservador, não pretendiam produtos de risco, agindo os AA. na convicção de que estavam a fazer uma aplicação em depósitos a prazo.

O 1º R., na transacção referida, agiu em violação dos seus deveres enquanto banqueiro e intermediário financeiro, de forma enganosa, estando obrigado a ressarcir os AA. dos danos sofridos em consequência da referida conduta, sendo certo que os AA. não foram reembolsados do capital depositado, tendo sofrido forte abalo físico e psicológico quando souberam que não lhes seriam restituídas as quantias depositadas.

A responsabilidade do 1º R. para com os AA. transferiu-se para o 2º R. por força da medida de resolução aplicada ao BES e criação do banco de transição, o que foi reconhecido quer pelo 2ºR., quer pelo BdeP.

Citados, os RR.

contestaram: – O 1ºR., por excepção, invocando a inutilidade superveniente da lide por correr termos processo judicial de liquidação, e por impugnação, e termina pedindo a extinção da instância nos termos do art. 277º, al. e) do CPC, ou assim não se entendendo, a suspensão da mesma, e a improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos; – O 2º R., por excepção, invocando a sua ilegitimidade passiva, porquanto por via da medida de resolução do Banco de Portugal, de 3.08.2014, rectificada pela deliberação de 11.8.2014, e clarificadas pelas deliberações de 29.12.2015, o crédito aqui reclamado não se transferiu para o NOVO BANCO, mas manteve-se na esfera do BES, e por impugnação, e termina pedindo a procedência da excepção de ilegitimidade invocada, com a sua absolvição do pedido (ilegitimidade de mérito), ou, pelo menos, da instância (ilegitimidade processual), e, subsidiariamente, a improcedência da acção, com as legais consequências.

Convidados a pronunciarem-se sobre as excepções deduzidas, responderam os AA., propugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho que, ao abrigo do art. 277º, al. e) do CPC, declarou extinta a instância relativamente ao BES, SA.

Mais foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção de ilegitimidade invocada, e, em consequência, absolveu o R. NOVO BANCO da instância, nos termos do art. 278º, nº 1, al. d) do CPC.

Não se conformando com o teor destas decisões, apelaram os AA.

, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1.

–O BES não foi apenas intermediário na comercialização do papel comercial da ESI, mas assumiu uma garantia efectiva do seu pagamento.

  1. –A garantia de pagamento prestada pelo BES resulta directamente das responsabilidades assumidas pelo BES na venda do papel comercial aos seus balcões e não de qualquer garantia prestada à ESI ou Rio Forte, não estando, por conseguinte, abrangida pelos “passivos excluídos” em qualquer das deliberações do BdP.

  2. –Embora os poderes do BdP possam ser discricionários, não são arbitrários, pois, estão sujeitos aos princípios da adequação e proporcionalidade (art.º 139.º, n.º 2 do RGIF), bem como às regras enunciadas no art.º 145.º-H do RGIF e, naturalmente, aos princípios e direitos fundamentais garantidos pela Constituição.

  3. –A deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, com a clarificação/correcção da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, excluindo as responsabilidades para com os AA., violou direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, como o direito de propriedade.

  4. –O BES, não obstante conhecer o perfil e vontade dos AA., em vez de aplicar as poupanças em depósitos a prazo, convenceu os AA. a subscreverem papel comercial, dizendo que se tratava de um produto equivalente, com as mesmas garantias e segurança dos depósitos a prazo.

  5. –Quando os AA. adquiriram o papel comercial, fizeram porque o BES deu-lhes garantia de capital e juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo, pese embora tenham investido em papel comercial de empresas não financeiras do GES, garantias essas que acabaram reforçadas pelo próprio BdP, com a constituição da provisão e da escrow account.

  6. –Não se tratou, portanto, de uma mera operação de intermediação na venda de papel comercial de terceiros, mas de uma garantia efectiva de pagamento por parte do BES, o que levou o Banco de Portugal a obrigar o BES a constituir uma provisão especial para essa garantia e, mesmo, a constituir uma escrow account dedicada exclusivamente a esta finalidade, o que pressupõe a responsabilidade do BES pelo pagamento do papel comercial da ESI e Rio Forte vendido aos seus balcões.

  7. –O BES não informou os AA. sobre os riscos inerentes ao papel comercial, violando assim o disposto no art.17º n.º 2 do Dec. Lei nº 69/2004, nem alertou os AA. para o conflito de interesses, considerando que a entidade emitente pertencia ao Grupo GES.

  8. –O BES sabia perfeitamente que o investimento dos AA. no papel comercial da ESI era de risco muito elevado e, apesar disso, o BES não só vendeu papel comercial desta entidade nos seus balcões, como não alertou os AA. para o risco do investimento.

  9. –O BES violou o direito de informação, prestando falsas informações, para além de saber que estava a violar as instruções dos AA., que pretendiam depósitos a prazo ou equivalente, sempre com garantia de capital e juros, com a agravante de aquelas aplicações terem beneficiado empresas do GES, em conflito de interesses.

  10. –O BES é responsável, seja por responsabilidade pelos conselhos, por violação do dever de informação a cargo das instituições de crédito e dos intermediários financeiros, seja pela garantia, seja por assunção da dívida, seja por fiança.

    12–Tendo em atenção o contexto das declarações negociais, o BES assumiu perante os AA. o compromisso firme e efectivo de garantia de reembolso da importância aplicada, com juros, no período convencionado.

  11. –O BdP, ao exigir a constituição da provisão e da escrow account para o efeito, implicitamente reconheceu que existia essa garantia efectiva de pagamento por parte do BES, que intermediou a venda do papel comercial.

  12. –Aliás o BdP declarou no Relatório da CPI (pág. 174) (doc. 1 da réplica).

    “Foi remetido à CPI um conjunto de respostas dadas pelo Banco de Portugal, quando contactado por clientes detentores de papel comercial da ESI e RIO FORTE, de que se transcrevem alguns excertos representativos: «A provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes de retalho do BES de papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco. Compete ao Novo Banco decidir sobre o reembolso do papel comercial do GES.» «(…) a provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes do BES do papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco.»”.

  13. –Por conseguinte, o BES é responsável, como garante, como resulta do atrás exposto e a responsabilidade transmitiu-se para o Novo Banco, por efeito da operação de resolução, como à frente se demonstrará.

  14. –Quer o BES, quer o Novo Banco, na Presidência de Vitor Bento, efectuaram pagamentos a titulares de papel comercial da ESI e da RIO FORTE, o que implica o reconhecimento por parte do Novo Banco da sua responsabilidade para com os Clientes que adquiriram o papel comercial aos balcões dos BES.

  15. –Nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art.º 118.º, n.º 1 al. a) /CSC e por força do art.º 122.º, n.º 2/CSC: “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.” 18.

    –A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constitui uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62.º, n.º 1 da Constituição, conforme a seguir se demonstrará.

  16. –Com a força jurídica que lhe é conferida pelo art.º 18.º da Constituição: “1 - Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

  17. –Conforme resulta imperativamente do art.º 18.º, n.º 3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.

  18. –A deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, com a clarificação da Deliberação de 29 de Dezembro de 2015, no entendimento que transfere os activos do BES para o NB e deixa no BES-mau as responsabilidades, nomeadamente para com a ora A., constitui um verdadeiro confisco.

  19. –É certo que a deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos art.ºs 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H do RGIF, mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, ao excluírem a responsabilidade do Novo Banco para com os AA, constituem uma manifesta violação do art.º 62.º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.

  20. –E, constituem, ainda, uma clara...

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