Acórdão nº 89/17.3PGOER-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO ESTRELA
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – No proc.º n.º 89/17.3PGOER-A da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Cascais, Juiz 1, por despacho judicial de 21 de Junho de 2017, foi decidido que o arguido S...

aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva por existir perigo da continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito, em conformidade com os princípios constantes dos art.°s 191°. a 196°, 202° n°.1 al. b) e 204° als. b) e c), todos do CPP..

II – Inconformado, o arguido S...

interpôs recurso, concluindo, em suma, que a mesma deve ser revogada e substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com recurso a vigilância electrónica, cumulada, se assim se entender, com a proibição de não contactar por qualquer meio com a ofendida (e seus familiares) ou permanecer junto da residência ou local de trabalho desta, e, ainda, se se considerasse necessário, eventual sujeição a frequência de programa para arguidos em crimes em contexto da violência doméstica em instituição adequada, já que que a medida de coacção que lhe foi aplicada se mostra desadequada, desproporcional e violadora dos princípios da subsidiariedade e necessidade.

Alegou ainda o recorrente que a deficiência da gravação das suas declarações em sede de interrogatório impossibilita-o de colocar em causa a medida de coacção que lhe foi aplicada, coarctando as suas garantias de defesa.

III – Em resposta, o Ministério Público na 1.ª Instância veio manifestar-se no sentido da improcedência do recurso interposto.

IV – Transcreve-se a decisão recorrida.

( do 1.º interrogatório de arguido detido) “Em seguida, a Mma. Juiz informou o arguido dos direitos referidos no artigo 61°, n°. 1, do Código de Processo Penal, informando-o de que tem o direito de não responder a perguntas sobre os factos que lhe são imputados através da leitura integral do despacho da Digna Magistrada do M° P° que apresenta o arguido e que aqui se reproduzem e de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência ou não preste declarações em audiência de julgamento.

Após, passou a informar dos motivos pelos quais foi convocado para prestar declarações, factos concretamente imputados, e elementos do processo que indiciam os factos imputados e que são os seguintes: O arguido é casado com a ofendida A… há cerca de 30 anos.

Dessa relação nasceram D… em 25.04.1989 e E…, nascido em 03.12.1999.

O casal e os filhos viveram vários anos em França, tendo regressado a território nacional há cerca de 14 anos.

Por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, no interior da residência do casal, o arguido disse à ofendida: " Puta, sais à merda da tua família, cambada de ciganos".

Há cerca de dois anos, no interior da residência do casal, o arguido puxou os cabelos à ofendida e apertou-lhe o pescoço, provocando-lhe dores.

Por não aguentar mais as agressões e ameaças infligidas pelo arguido, em Abril do presente ano, a ofendida comunicou-lhe que iria mudar de residência.

O arguido persegue a ofendida com uma periodicidade quase diária, bem como a contacta telefonicamente várias vezes por dia e lhe envia mensagens.

No dia 19 de Abril de 2017, o arguido disse à ofendida: "Então ainda aí estás? Quando é que sais? Vens para aqui trazer pulgas?" Volvidos uns instantes, quando a ofendida começou a arrumar os seus objectos pessoais, o arguido mostrou-lhe uma faca e disse-lhe: "Tás a ver o que tenho aqui na mão? Tu sais mas já não entras".

Nesse dia, a ofendida dirigiu-se à esquadra da PSP, a fim de denunciar as agressões e ameaças de que vinha a ser alvo por parte do arguido.

Quando se encontrava a relatar o sucedido, o arguido ligou dezenas de vezes à ofendida.

Num desses contactos, o arguido disse à ofendida: "Vais ver agora quem é o homem de colhões. Isto é só o começo. Já estás na sinagoga não é?" No dia 23 de Abril de 2017, o arguido atirou objectos da ofendida pela janela e disse aos filhos de ambos que a iria matar.

No dia 25 de Abril de 2017, a ofendida verificou que um dos pneus do seu veículo se encontrava furado.

Nesse mesmo dia, o arguido enviou uma mensagem à ofendida com o seguinte teor: "A estrada estava boa?" A ofendida contactou telefonicamente o arguido e este disse-lhe: " Aquilo foi uma sobremesa, o pior está para vir." No dia 23 de Maio de 2017, pelas 6 horas e 20 minutos, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, dizendo que pretendia falar com ela.

No dia 4 de Junho de 2017, o arguido redigiu e enviou várias mensagens escritas para o telemóvel da ofendida com o seguinte teor: "És uma puta, vaca, drogada, vais morrer agarrada à farinha. És a vergonha dos meus filhos sua puta drogada, sua puta, sua vaca (...)" No dia 8 de Junho de 2016, pelas 9 horas e 30 minutos, o arguido dirigiu-se ao local de trabalho da ofendida e solicitou-lhe a entrega de um documento, não tendo esta acedido ao seu pedido.

Pelas 11 horas e 10 minutos, quando a ofendida se dirigiu a uma das janelas da residência onde trabalha verificou que o arguido ainda se encontrava junto à mesma.

Nesse momento, o arguido disse-lhe: "Vou te cortar o pescoço" e em simultâneo passou a sua mão direita pelo pescoço, simulando que o cortava.

No dia 11 de Junho de 2016, pelas 23 horas e 45 minutos, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida.

Aí chegado, disse-lhe: "Se não me deres o cartão de cidadão até ao próximo sábado queimo-te o carro, deito-lhe fogo mesmo que seja contigo lá dentro".

No dia 13 de Junho de 2017, o arguido agrediu o companheiro da ofendida F..., com um objecto perfurante, tendo o mesmo ficado internado no Hospital de S. Francisco Xavier em virtude de ter sofrido uma perfuração do pneumotórax.

No dia 14 de Junho de 2017, o arguido disse à ofendida que estava a ver a sua campa e que estava próximo do lugar onde tudo vai acontecer.

No dia 17 de Junho de 2017, o arguido exibiu uma lâmina à filha do actual companheiro da ofendida e disse-lhe: "A polícia já anda atrás de mim, não tenho nada a perder".

Por diversas vezes, o arguido disse à ofendida que lhe iriar a cabeça e a iria fazer sangrar.

Também por diversas vezes, nas últimas semanas, o arguido, através de contacto telefónico disse à ofendida que era uma puta, ladra c cigana e que a iria matar.

Entre os dias 5 e 9 de Junho de 2017, o arguido redigiu e enviou diversas mensagens telefónicas ao companheiro da ofendida, referindo além do mais que: "(...) No dia certo na hora exacta serás abatido corno um carneiro que além de drogado tuberculoso e bêbado também carneiro, calma amigo o teu dia está marcado; calma amigo...não quero que falta nada, vais ser sagrado e o sangue bebido...não tens noção da grandeza onde te metes T. amigo; Calma amigo estás perante um homem culto e civilizado, mas que não descansa enquanto não te abater... carneiro(...)".

O arguido ingere bebidas alcoólicas em excesso.

O arguido tem antecedentes criminais.

O arguido tem vindo a aumentar de forma exponencial a sua agressividade para com a mãe dos seus filhos, com quem se casou há 30 anos, sendo que esta tem um receio constante que o mesmo atente contra a sua integridade física ou até mesmo contra a sua vida e das pessoas que lhe são próximas.

Ao praticar os factos supra descritos, o arguido agiu com o propósito de molestar a saúde física e psíquica da sua companheira, mãe dos seus filhos, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu, não se coibindo de levar a cabo tal conduta no interior da residência de ambos.

Ao praticar os factos acima descritos sabia o arguido que o conteúdo das expressões por si dirigidas à ofendida era adequado a causar-lhes insegurança, medo e inquietação, o que, efectivamente, sucedeu.

Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Dos elementos de prova existentes nos autos resulta assim fortemente indiciada a prática pelo arguido ora detido de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.° 1, alínea a) e n.° 2 do Código Penal.

Prova: - Auto de denúncia de lis. 4 a 7; - Aditamentos de fls. 26, 33, 34, 217, 221, 223, 231, 233, 242/243 - Auto de inquirição de fls. 47 a 51; - Cópias de mensagens de fls. 52 a 77; - Ficha de avaliação de risco de fls. 224 a 226; - Auto de apreensão de fls. 247; - CRC de fls. 260 a 265: - Cópias dos autos de denúncia de fls. 284 a 287.

* Perguntado sobre estes, respondeu o arguido que deseja prestar declarações sobre os factos, encontram-se as suas declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, desde o minuto 00 ao minuto 27:45.

Seguidamente foi dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público que no uso dela disse: Indiciam os autos fortemente, a prática pelo arguido dos factos constantes do despacho de apresentação do mesmo a 1° interrogatório judicial, factos esses integradores da prática de um crime de violência doméstica agravado, p. c p. pelo artigo 152.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 do Código Penal.

Decorre dos autos que há algum tempo o arguido tem vindo a praticar actos de violência para com a sua mulher, agredindo-a e insultando-a, por diversas vezes.

O arguido tem vindo a aumentar a agressividade para com a vítima, gerando na mesma forte pavor e receio constante que o mesmo atente contra a sua integridade física ou até mesmo conta a sua vida.

Os actos de violência praticados pelo arguido estendem-se ainda às pessoas que são próximas da sua mulher, designadamente o actual companheiro desta, que terá sido agredido violentamente, bem como a sua filha.

Os factos descritos e a gravidade dos mesmos e o respectivo modo de execução aliada à indiciada personalidade violenta do arguido fazem, recear que o mesmo continue a praticar factos de idêntica natureza, factos estes que além de causarem...

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