Acórdão nº 1309/03.7TBSCR.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução24 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

1–RELATÓRIO: Fernando Jorge ... ... instaurou a presente ação declarativa de condenação contra VIA... – Concessões Rodoviárias da Madeira, S.A., alegando, em síntese, que no dia 18 de Novembro de 2001, cerca da 20h45, circulava na Via Rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, conduzindo a sua viatura automóvel, com a matrícula XX-XX-XX[1], quando embateu numa pedra de grandes dimensões que se encontrava no meio da hemi-faixa por onde seguia, atento o seu sentido de marcha.

Tratava-se de uma pedra que de desprendeu de um talude e que já se encontrava no solo estradal havia muito tempo, com referência à data atrás indicada.

Na sequência desse embate, o JB sofreu estragos que o impossibilitaram de circular, pelo que, desde então, o autor está privado da sua utilização.

A ré é a responsável pela operacionalidade e segurança da via estradal onde o JB embateu na pedra, não tendo realizado as diligências necessárias à prevenção do descrito acidente.

É, por isso, a ré, a responsável pelo embate do JB naquela pedra, já que não cuidou de vigiar as condições de segurança de circulação naquela via, pelo que deve reparar os danos sofridos pelo autor em consequência do sinistro.

O autor conclui pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe «uma quantia não inferior a € 29.383,12, sendo € 21.883,12 a título de danos materiais e € 7.500,00 a título de danos morais, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal contados a partir da data do acidente».

* A ré contestou, alegando, também em suma e com interesse, que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade na produção do acidente a que se reportam os presentes autos.

Uma patrulha da ré havia inspecionado o local do sinistro pouco antes do mesmo ocorrer, não tendo detetado a existência de qualquer pedra no solo.

Por outro lado, o autor seguia a uma velocidade «imoderada» que não lhe permitiu fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Por contrato de seguro celebrado com a Companhia de Seguros ...-..., S.A., à data do acidente a ré tinha transferido para aquela seguradora a responsabilidade civil decorrente da atividade que exerce, devendo, por isso, ser considerada parte ilegítima para os termos da presente causa.

Deduziu o incidente de intervenção principal provocada daquela seguradora.

Conclui pugnando para que: - seja julgada parte ilegítima para os termos da ação, com a sua consequente absolvição da instância; caso assim se não entenda, - a ação seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.

* O autor apresentou articulado de réplica, na qual: 1- pugna pela improcedência da matéria de exceção; 2- requer a alteração simultânea da causa de pedir e do pedido, acabando por pedir que a ré seja condenada a pagar-lhe: a)- a quantia de € 21.883,12, correspondente ao valor da reparação do JB, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento; b)- a quantia de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento; c)- a quantia diária de € 10,00, pela privação do uso do veículo, a contar da data do acidente e até à sua efetiva reparação, em total a liquidar em sede execução de sentença; d)- a quantia anual de € 1.500,00, pela desvalorização automática do veículo, de acordo com as regras do mercado automóvel, a contar da data do acidente e até à sua reparação, em total a liquidar em sede de execução de sentença, mas até ao limite máximo do valor do veículo à data do acidente (€ 25.000,00).

* Foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros ...-..., S.A., a qual aderiu ao articulado de contestação apresentado pela ré.

* Na sequência da fusão da interveniente Companhia de Seguros ...-..., S.A. na ... – Companhia de Seguros, S.A., foi esta última admitida intervir no processo em substituição daquela, nos termos do art. 276º, nº 2, do CPC/95-96.

* Foi dispensada a realização da audiência preliminar prevista no art. 508º-A, do CPC/95-96, tendo sido proferido despacho que: - saneou processo, julgando improcedente a exceção dilatória consistente na ilegitimidade da ré para os termos da ação; - admitiu a ampliação da causa de pedir e do pedido; - fixou a matéria de facto assente e elaborou a base instrutória.

* Na sequência da subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da ré e da interveniente, da totalidade dos pedidos formulados pelo autor.

* Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, concluindo as respetivas alegações do seguinte modo: 1.– O contrato de compra e venda de veículo automóvel não está sujeito a qualquer formalidade específica, operando a transferência da respectiva propriedade por mero efeito do contrato, o qual é válido mesmo quando celebrado verbalmente, sendo a obrigatoriedade do registo declarativa ou funcional e não constitutiva de direitos (cfr. acs. da RP de 21/09/2006 e do S.T.J. de 16/12/2010, supra citados).

  1. – Por outro lado, quem está na posse de uma coisa presume-se que é titular do direito correspondente aos actos que pratica sobre ela, pelo que que se alguém exerce a posse sobre um veículo automóvel e o vem usando e fruindo como seu dono, ininterruptamente, durante um certo lapso de tempo, à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém goza da presunção de que é titular do direito de propriedade sobre tal veículo (cfr. idem).

  2. – Mostra-se provado nos autos que Conforme resulta do Relatório de Turno, a Ré foi informada pelo menos às 20h12 horas do dia do acidente, por um utente, da queda da pedra na qual o veículo do Autor veio a embater; que No dia 18 de Novembro de 2001 (…), o A. circulava (…), na sua viatura (…), e que O A. circulava (…) quando (…), a sua viatura automóvel, embateu numa pedra que se encontrava no meio da hemifaixa da sua circulação (…) - (cfr. pontos 2.1.4, 2.1.5 e 2.1.7 da sentença, sublinhados nossos).

  3. – Tais factos mostram-se corroborados pelo depoimento da testemunha, Fernando ... ... da ..., e confirmados pelas declarações de parte do Recorrente, Fernando Jorge ... ..., ambos prestadas no dia 10/10/2016, supra transcritos e para os quais se remete.

  4. – Não obstante o depoimento da referida testemunha e as declarações de parte do Recorrente serem claros quanto à propriedade e à posse do veículo automóvel em causa, o Tribunal a quo veio a entender que a versão desta testemunha, bem como do A. em sede de declarações de parte, não foram credíveis, por vagas, imprecisas e contraditórias, ficando sem se perceber se o A. era funcionário da testemunha, ou se eram colegas de trabalho, não se percebendo como é que o A. fez o pagamento do preço da viatura, tendo em conta que apenas teria um ordenado de 150.000$00, e a decidir que os elementos dos autos não permitem concluir que o Recorrente era o possuidor do veículo (cfr. págs. 12 e 13 da sentença).

  5. – Assim, não só se verifica contradição insanável entre os factos dados como provados na sentença recorrida e o decidido, como se verifica que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, fazendo uma apreciação arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento no que à titularidade do veículo automóvel em causa diz respeito, ao arrepio das regras da experiência, existindo clara desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão proferida, o que consubstancia erro de julgamento, o qual o Recorrente invoca expressamente e para todos os efeitos.

  6. – Aliás, além de o aludido Fernando ... de ... ..., ouvido pelo Tribunal, ter inequivocamente afirmado não ser o dono da viatura em causa, mas sim o Autor, tendo apenas intervindo, no âmbito de uma relação de confiança, em nome e a pedido deste, ou seja, nos termos de um verdadeiro negócio fiduciário, tal descrição não só coincide com o depoimento do Autor, como também com as circunstâncias do próprio acidente, em que este conduzia o veículo, e ainda com as próprias despesas de manutenção do mesmo, reportadas a data anterior ao acidente.

  7. – Sendo que nenhuma prova foi produzida contrariando a versão unívoca dos factos do Autor e do aludido Fernando, mais se verifica que, além de juridicamente enquadrada no referido negócio fiduciário, a compra, designadamente por motivos bancários, formalmente em nome de terceiro, que não é o real dono, e, designadamente, não é quem efectivamente paga, quem efectivamente suporta os respectivos encargos, e quem efectivamente possuiu, corresponde a uma prática relativamente comum, e da qual, à luz das próprias regras da experiência comum, se impõe concluir que é dono quem efectivamente se comporta como tal – ou seja, no caso, o Autor.

  8. – Face ao exposto, deve ser dado como provado, não o que consta provado sob o ponto 2.1.6., desde logo no que toca às expressões “por Fernando ... de ... ...” e “ao referido Fernando ...”, mas sim e pelo contrário, o que especificamente constava do quesito 2 da Base Instrutória, reportado à propriedade do Autor sobre o veículo em causa, isto é, deve considerar-se provado o facto de que o Autor é o proprietário e o possuidor do veículo com a matrícula XX-XX-XX.

  9. – Do mesmo modo, e em conformidade, ao invés do ponto 2.2.3. da sentença ora recorrida, e em relação ao artigo 13º da Base Instrutória, deve ser dado como provado que “Desde a data do acidente que o A. ficou privado da sua viatura” (cfr. prova oral gravada supra transcrita e relatório pericial).

  10. – Em relação à matéria dos artigos 14º e 15º da Base Instrutória, deve ser dado como provado pelo menos que “com a colisão, o A. ficou atordoado” e “apanhou um susto enorme”, pois, no mínimo, é isso que resultou, confirmando o depoimento do próprio Autor, do depoimento das...

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