Acórdão nº 86/16.6 SPLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BACELAR
Data da Resolução17 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, os juízes, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. Relatório: 1.1.

    – No processo supra referenciado foi proferida sentença que, após julgamento, em processo comum e com intervenção do tribunal singular: –Condenou o arguido M.B. pela prática, como autor, e em concurso real: –de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. nos art.º 353º do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; –de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. nos art.ºs 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena 4 (quatro) meses de prisão; E, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, condenou o arguido na pena única de 9 (nove) meses de prisão, os quais serão cumpridos por dias livres, nos termos do art.º 45º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, em 54 (cinquenta e quatro) períodos sucessivos correspondentes a 54 (cinquenta e quatro) fins-de-semana entre as 09H00 de Sábado e as 21H00 de Domingo com início no segundo fim de semana subsequente ao trânsito em julgado da presente sentença; –Condenou o arguido na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 18 (dezoito) meses, nos termos do art.º 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, devendo o arguido entregar a respectiva carta/licença de condução no Tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a apreensão daquela carta/licença, de harmonia com o disposto no art.º 500º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, e de incorrer na prática de um crime de desobediência; 1.2.

    – Interpôs recurso o arguido alegando em síntese conclusiva: –Na impugnação da decisão, na observância do disposto no Código de Processo Penal, o recorrente está onerado a indicar as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; Assim, dir-se-á o seguinte: 1.- Consta da douta decisão como provado o seguinte facto: "c) No dia 06.08.2016, pelas 00H45, no Beco M... L..., em Lisboa, o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula ...-...-... quando foi interveniente em acidente de viação;" 2.- Resultando da douta decisão, que o julgador entendeu que tal facto seria verdadeiro, com base no depoimento da (única) testemunha J...M...V...V..., agente da Polícia de Segurança Pública.

  2. - Fundamenta a douta decisão, tal convicção, dizendo: "Depôs de forma clara, isenta e coerente, merecendo credibilidade, explicou que foi chamado ao local por haver um acidente de viação com ferido, que quando lá chegou, além de colegas seus, estava o arguido e o ciclomotor, apresentando este danos que descreveu, acrescentando que também viu risco na parede do prédio que atenta as suas características ficou convencido resultar do embate do ciclomotor na mesma, mas admitindo que não deu importância a este pormenor por o prédio estar devoluto. Explicou, ainda, que o arguido apresentava várias lesões, incluindo na cabeça, tendo sido o próprio a explicar-lhe, no momento em que chegou junto do mesmo, que ia a circular "na mota" e que quando bateu naquela parede caiu, tendo-se ferido ao tentar colocar o veículo em pé, assumindo que se o arguido não tivesse logo assumido assim a condução da viatura não teria elaborado o expediente nos termos em que o fez tendo-o inclusive submetido então ao teste de pesquisa de álcool o sangue, nunca o arguido tendo então dito que não ia a conduzir.

    Perguntado, explicou ainda esta testemunha ser o local onde ocorreu o sinistro uma rua "estreitinha" e íngreme, onde não há qualquer local para estacionar e que seria muito difícil levar o ciclomotor à mão atenta a inclinação da via e ao local onde estava, especialmente atento o estado de embriaguez do arguido.

  3. - Mas não atendeu a douta decisão ao depoimento da mesma testemunha, quando este afirma, por exemplo: –"quando lá cheguei já estavam outros colegas meus no local" (passagem 23:42) –À questão: O ciclomotor funcionava? – Responde: "não verifiquei(...) que visse nunca funcionou (...) não foi sequer experimentado " (passagem 29:25 e m. ss.) 5.- Resulta claro e inequívoco do depoimento da única testemunha ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento, que a mesma, na qualidade órgão de policia criminal, não foi o primeiro a chegar ao local.

  4. - Resulta também claro e inequívoco deste depoimento que não sabe dizer se o referido ciclomotor estava ou não a trabalhar.

    A testemunha afirma com toda a clareza que não ouviu o referido ciclomotor a trabalhar, nem sequer tão pouco verificou se o mesmo estaria ou não a funcionar.

  5. - Posto isto, porque razão se refere que não faz sentido a versão do arguido, quando afirma que o referido ciclomotor não tinha sequer bateria, não estava a funcionar e apenas o deslocava à mão?! 8.- Também se revela, com o devido respeito, incoerente, dizer-se que o arguido se encontrava visivelmente embriagado e que terá ele próprio dito que tinha conduzido o veículo. Utilizando tal argumento para consolidar a convicção da douta decisão.

  6. - O arguido, admitiu que tinha ingerido bebidas alcoólicas, e também a testemunha refere que o mesmo estava visivelmente alcoolizado.

    Uma taxa de alcoolemia, como aquela que o arguido apresentava, leva-nos necessariamente para uma situação de entorpecimento fisiológico de quase todos os sistemas, uma redução da capacidade de tomar decisões racionais ou de discernimento, transtornos graves dos sentidos, inclusive consciência reduzida dos estímulos externos e logicamente alterações graves da coordenação motora.

  7. - Assim, como interpretar tudo o que o arguido terá dito nessa data?! Realidade? Fantasia? Deficiência de expressão? Parece-nos que o mesmo estava numa situação clara de imputabilidade diminuída, na qual não se colocou propositadamente no intuito de à sua sobra poder praticar impunemente qualquer crime (excluindo-se assim a figura chamada de actio libera in causa).

    Invocando-se desde já, e para os devidos efeitos, a referida situação como causa de exclusão da culpabilidade.

  8. - Mas ainda em relação ao depoimento desta testemunha, diga-se também, que não resulta claro do seu depoimento a razão pela qual assumiu que o referido veiculo estava em circulação, conduzido pelo aqui arguido e terá embatido na parede de um prédio: quando não foi o primeiro a chegar ao local, não sabe dizer se a mota funcionava e ainda refere a existência de "riscos" da cor vermelha numa parede, quando o ciclomotor em causa é de cor cinza e preta, (cfr. passagem 35:15) 12.- A prova trazida aos autos, quanto muito criaria dúvida na convicção do julgador e deveria por essa razão o mesmo ser absolvido em observância ao principio in dúbio pro reo (artigo 32. °, n" 2, da Constituição da República Portuguesa).

  9. - Parece-nos que dúvidas não subsistem que o Tribunal a quo não possui elementos suficientes que permitam criar a convicção que criou no que, em concreto, diz respeito à imputação que faz ao arguido ora recorrente nos factos que dá como provados em relação a este.

  10. - Do princípio constitucional da presunção de inocência.

  11. - Não é toda a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo, mas apenas a dúvida razoável, positiva, racional, que impeça a convicção do tribunal, a analisar pelo...

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