Acórdão nº 2593/15.9T9FNC.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução25 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal singular, a arguida MCH, S.A. NIPC 5……….5, com sede social na Rua ……………..Senhora da Hora, foi condenada pela autoria de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios, p. e p. pelo artº 24, nºs 2 e 2, al.c) do D.L. 20/84, de 20/01, com referência ao artº 82º, n° 2, al. b) do mesmo diploma legal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos) euros, perfazendo um total de 10.000 (dez mil) euros. Foi determinada a publicação desta sentença por extracto, num dos dois jornais diários publicadas na Região Autónoma da Madeira.

A arguida T.A.T. foi absolvida do mesmo crime que lhe fora imputado.

* Inconformada, a arguida MCH, S.A recorreu, apresentando a seguinte síntese conclusiva: A.– Tiveram os presentes autos origem no Processo n° 959/15.3 T9FNC, onde pelos mesmos factos ora aqui julgados, para além da ora recorrente, eram arguidos os funcionários da sociedade "MCH ", T.A.T., G.R.P. e M.R.B..

B.– No âmbito do mesmo decidiu o Ministério Público promover a suspensão provisória do processo, impondo aos arguidos - pessoas singulares atrás nomeados, com excepção da T.A.T. - o cumprimento de infracções pecuniárias, que estes aceitaram e cumpriram.

C.– Contra a arguida foi deduzido despacho de acusação pelo MP, imputando-lhe a responsabilidade criminal resultante do disposto no nº2 do artigo 3° e artigo 7º do mesmo Decreto-Lei n° 28/84, de 20.01, por se entender que a infracção foi cometida em nome e no interesse da sociedade.

D.– Com interesse para o presente recurso resultaram provados os seguintes factos: E.– "3. A arguida T.A.T. é e era, à data dos factos, directora de loja daquele estabelecimento, e, por força destas funções, exerce todos os poderes relacionados com a gestão do mencionado estabelecimento, em cujo âmbito se incluem, entre outras coisas, dirigir e fiscalizar a actividade exercida pelos chefes de secção e demais trabalhadores.

F.– "4. À data dos factos, era funcionário da arguida "MCH, S.A.", o G.R.P., com funções de talhante e responsável pelo talho e, nessa qualidade, no cumprimento das ordens e sob a fiscalização da arguida T.A.T. , tinha por função, entre outras, providenciar pela efectiva manutenção em estado de conservação e de salubridade dos géneros alimentícios expostos para venda.

G.– "16. A arguida "MCH, S.A." estabelece regras de recepção, de armazenagem, de preparação, de exposição, de higiene, de controlo de validade e temperaturas, que garantem a qualidade e integral cumprimento de todas as normas de higiene e segurança alimentar dos produtos que comercializa." H.– "17. A arguida providencia formação adequada aos seus funcionários, emite circulares e ordens de serviço, visando que as exigências legais sejam respeitadas e fazendo incorrer qualquer funcionário que desrespeite as suas directrizes em procedimento disciplinar. " I.– "18. A arguida tem um pivô de segurança que elabora planos de acção para as lojas, desenvolvendo, para sua veiculação, acções de formação e auditorias diárias." J.– "19. Tais planos incidem sobre várias áreas da actividade da arguida, tendo um forte enfoque a nível da segurança alimentar, da higienização e do autocontrolo." K.– "20. No que respeita a sua colocação nos expositores de venda, são dadas ordens para que seja feita uma certificação da qualidade e características dos produtos." L.– Igualmente com interesse para o presente recurso, sob a epígrafe de "Fundamentação da matéria de facto": M.– "Em relação à carne apreendida nos autos, referiu que os produtos são colocados no próprio dia, durante o turno nocturno, antes da abertura do estabelecimento ao público e que as indicações - normas e procedimentos - que são dadas pela empresa, por ela própria e restantes chefias da loja aos colaboradores são para avaliar muito bem a qualidade de todos os produtos existentes na loja e em caso de dúvida a ordem é para dar quebra imediata.

N.– A par disso a empresa investe muitas horas de formação em segurança alimentar para que todos os colaboradores tenham as competências necessárias para fazer a avaliação da qualidade dos produtos. Refere ainda que a loja dispõe de um técnico de segurança alimentar que efectua diversas auditorias diárias às diversas áreas da loja ao nível da segurança alimentar. Quanto às características dos produtos alimentares apreendidos nos autos, desconhecia por completo. Tais declarações pelo modo como as prestou e não tendo sido contrariadas pela restante prova, mereceram inteira credibilidade. (...) O.– Teve, ainda, em consideração o depoimento das testemunhas G.R.P., responsável pela secção do talho e M.R.B., talhante, no referido estabelecimento, que referiram que em relação à carne apreendida não se tinham apercebido que a mesma estava imprópria para consumo, caso tivessem notado qualquer alteração na carne teriam tomado a decisão de colocá-la no lixo ou se tivessem dúvidas sobre a qualidade teriam chamado um responsável superior. Acrescenta ainda, a primeira testemunha, que caso estivesse a preparar a carne para servir a um cliente e a mesma estivesse imprópria jamais a servia.

P.– Por seu turno, a testemunha JLc, referiu que trabalhou no turno nocturno e quando colocou a carne e os embalados a mesma estava em condições, o que nos mereceu credibilidade, atendo que o processo de degradação, segundo a perícia e a testemunha JL estava no seu início. Referiu que recebe ordens expressas para não colocar produtos impróprios para consumo ou venda.

Q.– A testemunha L, técnica de controlo de qualidade, referiu-se aos procedimentos, regras, orientações e condutas da arguida "MCH , S.A." quanto às regras de segurança e higiene alimentar.

R. É um facto notório que a arguida "MCH , S.A.", é uma empresa com boa reputação estabelecida no mercado e que seguramente não quererá colocar em causa, vendendo produtos com as características apuradas, com a consciência de tal facto. Assim e segundo as regras da experiência, não se nos afigura que arriscasse a sua reputação, dando instruções no sentido de expor para venda e vender produtos avariados. O que está em causa é, manifestamente, não uma atitude dolosa, mas uma pontual falta de zelo e cuidado dos funcionários que a representavam, conforme provado. Note-se, a arguida tem um pivô de segurança que elabora planos de acção para as lojas, desenvolvendo, para sua veiculação, acções e auditorias diárias." S.– o mérito da decisão assenta, de forma sintética, em duas premissas básicas: por um lado, a convicção do Tribunal que estão preenchidos pela conduta dos funcionários da arguida todos os elementos típicos do crime, que terão actuado de forma negligente e não dolosa, como constava da acusação; e por outro, a conclusão de que a pessoa colectiva é criminalmente responsável pela autoria destes factos praticados pelos seus funcionários, que agiram em sua representação e no seu exclusivo interesse, nos termos do disposto no artigo 3° nº 1 do Decreto-Lei n° 28/84; T.– O que, no entender da recorrente, se afigura como um erro, que, ademais, fundamenta a existência de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

U.–Comecemos por analisar a matéria respeitante à responsabilidade das empresas e pessoas morais pelas infracções cometidas no âmbito da sua actividade. Em confronto estão duas teorias doutrinais diametralmente opostas: por um lado, a teoria organicista, que promete assacar responsabilidade civil e/ou criminal às pessoas colectivas; por outro lado, a corrente doutrinal afecta ao princípio da irresponsabilidade penal das pessoas colectivas, decorrente do velho brocardo latino "societas delinquere non potest".

V.– Esta nova tendência doutrinal, de ultrapassar o princípio da irresponsabilidade penal das pessoas colectivas, tem também expressão evidente na evolução legislativa ocorrida a partir do Código Penal de 1982, cujo artigo 11° dizia que "salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal." X.– Quando se procede à análise de um conjunto de instrumentos legislativos, há o que foi denominado como uma "(...) certa estabilidade de conceitos e terminologia", uma vez que em todos eles se encontram disposições semelhantes às do artigo 3° do Decreto-Lei n° 28/84, de 20.01.

Y.– De tal forma que o Parecer do Conselho Consultivo da PGR, de 1994.07.07, tendo em conta o conjunto de elementos e doutrina atrás expendidos, formulou as seguintes conclusões: 1– As pessoas colectivas ou equiparadas actuam necessariamente através dos titulares dos seus órgãos ou dos seus representantes, pelo que os factos ilícitos que estes pratiquem, em seu nome e interesse, são tratados pelo direito como factos daquelas, nomeadamente quando deles advenha responsabilidade criminal, contraordenacional ou civil; 2– A responsabilidade criminal ou por contra-ordenações que, nos últimos decénios, o legislador nacional vem imputando às pessoas colectivas em domínios, tais como, os de natureza fiscal (aduaneira ou não), cambial ou de circulação de capitais económica e de saúde pública, assenta numa fundamentação essencialmente pragmática de combate a esses tipos de criminalidade, em abandono progressivo do brocado societas delinquere non potest; 3– A responsabilidade da pessoa colectiva, que tale, normalmente cumula-se com a responsabilidade individual dos agentes que levaram a cabo a prática concreta de cada infracção; 4– Fica, porém, excluída essa responsabilidade se se demonstrar que o agente actuou contra ordens ou instruções expressas da pessoa colectiva ou que actuou exclusivamente no seu próprio interesse.

Z.– A recorrente discorda das conclusões a que se chega na douta sentença recorrida, entendendo antes pelo contrário que, dados os factos provados e o respectivo enquadramento jurídico-penal, há uma evidente...

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