Acórdão nº 2175/11.4TDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelVITOR MORGADO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO JC ...

, nascido a 22/7/1962, deputado na Assembleia Legislativa Regional da Assembleia Regional da Madeira, foi pronunciado pela prática de factos considerados suscetíveis de o constituir na autoria material de um crime de difamação agravada previsto e punido pelos artigos 180°, 183°, nº 1 e 2, ambos do Código Penal e 30.° e 31°, da Lei 2/99, de 13/1.

Os ofendidos, AM ... e GP ..., enquanto assistentes, formularam PIC contra o arguido, enquanto demandado cível, pugnando pela condenação deste no pagamento da quantia de €1,00 (um euro), a título de danos não patrimoniais que enumeraram.

Na contestação que apresentou, o arguido pediu a sua absolvição, por entender que as expressões em causa foram utilizadas ao abrigo do seu direito de liberdade de expressão, num contexto de combate político, onde a ilicitude se encontra excluída, alegando que não teve intenção de ofender os assistentes na sua honra ou consideração.

A fls. 671, o ofendido AM ... desistiu da queixa que apresentou contra o arguido e do correspondente pedido cível, prosseguindo os autos quanto aos factos relativos ao assistente GP ....

A final da audiência de julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu absolver o arguido da acusação e do pedido cível contra o mesmo deduzido.

* Discordando do assim decidido, o assistente GP ... veio interpor recurso, que motivou nos termos condensados nas seguintes conclusões: «1. A decisão proferida pelo Tribunal a quo é recorrível, o recorrente tem interesse e legitimidade para o recurso, que é tempestivo.

  1. O Tribunal a quo não interpretou e aplicou o direito do modo mais correto, quer face aos factos dados como provados pela sentença impugnada, quer face ao direito vigente, pelo que se impõe a sua alteração, com a consequente condenação do arguido pela prática do crime que se encontra pronunciado.

  2. Atenta a matéria de facto dada como provada sob as alíneas A), B), C), D), E) e F) da sentença recorrida, ocorre manifesta contradição entre aqueles factos dados como provados e a fundamentação da decisão, padecendo a sentença do vício da nulidade previsto no artigo 615°, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil (C.P.C.) aqui aplicável ‘ex vi’ art. 4°, do C.P.P..

  3. A atividade política ou a circunstância de uma pessoa ser uma figura pública não pode servir de respaldo para a compressão da tutela penal do direito à honra, dignidade e respeito, ainda para mais quando, na verdade, na sentença recorrida, nenhum facto resultou provado no sentido de que as expressões imputadas ao arguido resultaram do debate, contexto, luta, crítica ou opinião política.

    5 - As expressões proferidas pelo arguido e imputadas ao Assistente, nada têm que ver com combate político e não veiculam, encerram ou contêm, ainda que indiretamente, qualquer ideia, informação, pensamento ou mesmo facto político ou de natureza política.

    6 - Da factualidade dada como provada subsumida à lei penal em vigor, resulta que o arguido, de facto e de direito, praticou o crime pelo qual se encontrava pronunciado, pelo que o Tribunal a quo deveria ter decidido pela sua condenação nos termos do disposto nos artigos 180°, 183°, nºs 1 e 2, ambos do Código Penal e artigos 30° e 31° da Lei 2/99 de 13 de janeiro.

    7 - As expressões proferidas pelo arguido são totalmente desprovidas de sentido político, não encerrando qualquer juízo, comentário ou facto de natureza política, pretendendo atingir o Assistente na sua qualidade de pessoa, de cidadão nacional e, até, de Advogado.

    8 - A conduta do arguido trata-se, inequivocamente, face à matéria dada como provada, de um ataque pessoal ao Assistente, ao nível da sua vida pessoal e profissional e não enquanto político ou figura política.

    9 - Permitir face à lei penal que se diga de uma figura pública ou de um titular de um cargo público, que o mesmo é um agente espião de um serviço secreto estrangeiro e que persegue democratas, sem que tal afirmação consubstancie um facto verdadeiro, é abrir a porta à total compressão do direito à proteção da honra e da moral de qualquer pessoa, valor intrínseco das sociedades democráticas.

    10 - A decisão recorrida violou diversas normas legais, nomeadamente, artigo 29°, nºs 1 e 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 10°, nºs 1 e 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 19°, nº2 e 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigos 26°, nºs 1, 2 e 3, 37° e 38° da Constituição da República Portuguesa e, ainda, artigos 180°, 183°, nºs 1 e 2, ambos do Código Penal e artigos 30° e 31° da Lei 2/99 de 13 de janeiro.

    11 - Os artigos 180° e 183°, nºs 1 e 2, interpretados e aplicados no sentido da decisão recorrida, ou seja, de que é permitido a um cidadão imputar a outro cidadão factos ou juízos ofensivos da sua honra, sem que tal conduta seja considerada crime pelo facto de a vítima ser uma figura pública, constitui uma violação do disposto nos artigos 13°, nºs 1 e 2, e 26°, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.» Terminou o assistente o seu recurso requerendo a revogação da sentença em causa e a sua substituição por outra que condene o arguido pelos crimes de que se encontrava pronunciado.

    * Também o Ministério Público assumiu o seu inconformismo, deduzindo recurso autónomo, cuja motivação condensou nas seguintes conclusões: «1. O arguido JC ... foi pronunciado pelo cometimento de um crime de difamação agravada previsto e punido pelos artigos 180° nº 1, 183° nºs 1 e 2 do Código Penal e 30° e 31° da Lei 2/99 de 13.01, por em síntese, em escrito publicado no número do dia 1-04-2011, no "Diário de Notícias" da Madeira o arguido numa notícia que versava um alegado plágio por parte do PTP (partido Trabalhista Português), do qual o arguido faz parte, de comunicados elaborados pelo PCTP /MRPP, liderado pelo assistente GP ..., o arguido referiu "o GP ... e o AM ... eram agentes da CIA e fizeram aquele partido para desacreditar o Partido Comunista”; referindo-se ao assistente GP ... declarou “Jardim continua a ir buscá-lo para fazer processos aos democratas na Madeira.

    O objetivo deles (PCTP/ MRPP) é serem um cavalo de Troia dentro do movimento operário e socialista" e descreve o assistente GP ... como "um homem da CIA e maçónico, que instrui os processos que o Dr. Jardim põe aos democratas." 2. Submetido a julgamento o arguido foi absolvido do cometimento do citado crime, por em suma ter sido considerado pela Mmª. Juiz a quo que a factualidade dada como provada referente à conduta do arguido não é apta a integrar a prática daquele crime considerando que as expressões proferidas pelo arguido JC ... e publicadas na sobredita publicação periódica madeirense se inserirem no âmbito do ''direito à liberdade de expressão e em contexto de luta política” e que o arguido exerceu tais direitos à luz do disposto nos artigos 25° e 37° nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e da jurisprudência do TEDH à luz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  4. A liberdade de expressão na variante do direito de crítica não é um direito ilimitado, absoluto, sem restrições, pois a própria lei lhe estabelece garantias efetivas contra a sua utilização abusiva e contrária à dignidade humana (artigos 37° e 18° nº 2 da CRP), como refere o Professor Costa Andrade "uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à pessoa do seu criador' (in Liberdade de Imprensa e Inviabilidade Pessoal, Uma perspetiva Jurídico-criminal, p. 238 e seguintes).

  5. A interpretação da jurisprudência do TEDH à luz do preceituado no artigo 10° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em particular o nº 2 do preceito, reconhece que o exercício da liberdade de expressão está sujeito a restrições, não deixando o Estado Português de poder atuar ao nível do direito interno vigente em matéria de honra e bom nome decorrente do tipo penal em causa – artigo 180° do Código Penal.

  6. Não obstante o disposto no artigo 449° nº 1 alínea g) do Código de Processo Penal, afigura-se-nos que não existe uma vinculação imperativa, uma obrigatoriedade direta para os Tribunais Portugueses na observância da jurisprudência do TEDH.

  7. No contexto da Constituição da República Portuguesa, qualquer ponderação jurídica sobre o conflito entre a liberdade de expressão, opinião e crítica, ainda que de índole estritamente política, por um lado e, o direito ao bom nome e reputação, por outro lado, não pode assumir, como seu postulado axiológico, uma ideia apriorística de prevalência de um sobre o outro, pois, no rigor dos princípios consagrados na Lei Fundamental, não existem razões preponderantes que, salvo melhor entendimento, permitam acolher o entendimento de que o direito ao bom nome e reputação "é menos intenso na esfera política do que na esfera pessoal” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 466 e Acórdão da Relação de Lisboa de 08.05.2014, Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Ondina Alves, acessível em www.dgsi.pt).

  8. O legislador optou por consagrar um limite à liberdade de expressão nos casos em que essa liberdade ponha em causa a honra de terceiros, única explicação para a necessidade de criminalizar as condutas lesivas deste bem jurídico, admitindo, contudo, que o crime de difamação possa não ser punível desde que se verifiquem duas condições cumulativas: (a) que a imputação seja feita para realizar interesses legítimos e (b) que o agente faça prova da verdade da imputação, ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a considerar verdadeira, exceto quando se trate de imputação referente à intimidade da vida privada e familiar, sem prejuízo do disposto no artigo 31° nº 2 do Código Penal.

  9. Face ao ordenamento jurídico interno, o direito de expressão deve ceder, em regra, perante o direito à honra, com...

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