Acórdão nº 224/16.9T9LRS-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução17 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.Não se conformando com o despacho proferido em 12 de setembro de 2016 proferido na Secção de Instrução Criminal-J1 da Instância Central de Loures, Comarca de Lisboa Norte (fls. 9 e v.º destes autos), que não admitiu o requerente J.

a intervir nos autos na qualidade de assistente, veio o mesmo interpor recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões: 1-Vem o presente recurso por em causa o douto despacho de fls..., proferido em 12 de Setembro de 2012, que não admitiu o ora Recorrente a intervir nestes autos enquanto Assistente, por falta de legitimidade quanto aos crimes de falsidade de declaração e de depoimento, previstos e punidos nos artigos 359.º e 360.º do Código Penal.

2-Salvo o devido respeito, que é muito, o douto despacho ora Recorrido não apreciou devidamente o pedido do Recorrente ao decidir que o mesmo não podia ser considerado ofendido nos crimes de Falsas Declarações, por o objecto jurídico imediato do crime ser de natureza pública, já que a natureza do crime de falsidade de testemunho enquadrar-se nos crimes de perigo abstracto, cuja criminalização visa proteger em primeira linha o bem jurídico da realização ou administração da justiça como função do Estado.

3-Os tipos legais de crime podem visar a protecção de mais do que um interesse.

4-Sendo certo que o objecto mediato da tutela jurídico-penal do crime de falsas declarações ser sempre de natureza pública (na figura da “boa administração da justiça”), o imediato também pode simultaneamente tutelar interesses ou direitos da titularidade de um particular que se vê prejudicado com as ditas declarações.

5-Efectivamente, nos autos de processo com o n.º 2119/07.8TALRS, que corre termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Norte – Loures, Instância Local, Secção Criminal J3, vem a ser condenado pela prática de um crime. Para tal, o tribunal ouviu as declarações do ora denunciado, as quais julgou “determinantes” para a decisão tomada, considerando o mesmo credível.

6-Ora referidas declarações iniciaram-se desde logo, na resposta aos costumes, com uma inverdade declarativa, arrogando o denunciado da qualidade de Advogado, quando não o era.

7-Bem sabendo o denunciado, dado ser, ou ter sido, um Funcionário Judicial, que tinha o dever de responder com verdade ao que lhe era perguntado.

8-As declarações do denunciado não se trataram de um lapso da qualificação completa da sua actividade profissional e funções.

9-Nem o ora Recorrente não é um qualquer ofendido, mas sim pessoa concretamente prejudicada com a prática do crime.

10-O mesmo, em virtude das declarações não verdadeiras do denunciado é condenado pela prática de um crime.

11-Aliás, decorre da sentença que condena o ora Recorrente que as declarações do denunciado foram "determinantes" para a decisão do facto.

12-Não basta tão somente o facto de tipo de crime vir enquadrado nos crimes que visam a protecção de um interesse de ordem pública para afastar, sem cuidadosa análise, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesses individuais dos cidadãos.

13-Só caso a caso, e perante o tipo incriminador, se poderá avaliar se uma pessoa concreta, individual, que se tem como ofendida, em última análise tem legitimidade material para se constituir como assistente.

14-Sendo mais que evidente o especial interesse - que constitui o tal objecto imediato do crime - do ora Recorrente.

15-Repercutindo-se a falsidade de depoimento, directamente na esfera jurídica da pessoa que o agente visou prejudicar, causou ou procurou causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, então, a esta deve ser reconhecida legitimidade para intervir como assistente no respectivo processo penal, enquanto titular dos interesses que a lei penal também visou proteger.

16-Mal andou, por isso, o despacho recorrido ao ignorar por completo que o ora recorrente, que em virtude das declarações não verdadeiras do denunciado quanto a sua qualidade profissional -facto esse que foi essencial à credibilização das suas declarações -foi condenado pela prática de um crime também tem interesses que são protegidos pela criminalização do comportamento.

17-Como, ensina, e bem, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 18.7.2007, "(...) nos casos em que o legislador direcciona a tutela penal directamente para um bem jurídico de natureza pública, mas se verifica que os comportamentos proibidos pela norma incriminadora se repercutem directamente nas esferas jurídicas...

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