Acórdão nº 1731/11.5PBCSC.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA
Data da Resolução25 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

* I–Relatório: 1.

Por sentença de 25 de Maio de 2015, foi proferida a seguinte decisão: a)Condenar os arguidos J.T.V. pela prática, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 6,00 EUR, no valor global de 960,00 EUR (novecentos e sessenta euros); b)Condenar os arguidos P.D.G. pela prática, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 5,00 EUR, no valor global de 800,00 EUR (oitocentos euros); d)Condenar os arguidos a pagar ao HPP-Hospital de Cascais, S.A., a quantia de 108,00 EUR (cento e oito euros).

  1. -Inconformados, vieram os arguidos interpor recurso, alegando a violação do princípio da liberdade da apreciação da prova, consagrado no artº 127 do C. Penal, bem como do princípio in dubio pro reo.

    Subsidiariamente, invocam a verificação de estado de necessidade desculpante, nos termos do nº 2 do artº 35 do C. Penal.

    Terminam pedindo a revogação da decisão recorrida, a sua absolvição ou, subsidiariamente, a dispensa da aplicação de pena.

  2. -Os recursos foram admitidos.

  3. -O MºPº respondeu, entendendo que os recursos não merecem provimento.

  4. -Neste tribunal, a Srª. Procuradora-Geral apôs visto.

    II–questão a decidir.

    A.-Da violação do artº 127 do C.P. Penal e do princípio in dubio pro reo.

    B.-Do estado de necessidade desculpante.

    iii–Fundamentação.

    A.-Da violação do artº 127 do C.P. Penal e do princípio in dubio pro reo.

  5. -A decisão proferida pelo tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos: 1.-O arguido P.D.G. é legal representante da empresa “P …………., S.A.”, a qual é proprietária da fracção correspondente ao R/C ………………, em Cascais.

  6. -No âmbito do processo de execução para entrega de coisas certa movida pela referida sociedade “P….” contra a sociedade “PG – …………..”, da qual o assistente J. A. é legal representante, que correu termos pelo 1.º Juízo Cível desta comarca, sob o n.º 5900/11.0TBCSC, no dia 21/12/2011, teve lugar a entrega da referida fracção à exequente.

  7. -No dia 23/12/2011, pelas 19h20m, o assistente deslocou-se ao referido escritório, tendo constatado que no seu interior se encontrava o arguido J.T.V. que, ao deparar-se com a presença do assistente, solicitou a comparência de P.D.G. no local, o que este fez.

  8. -Após uma troca de palavras entre todos, os arguidos desferiram empurrões nas costas, pontapés nas pernas, murros nas costas e, pelo menos, um murro na cabeça de José Antero, colocando-o, por essa via, para fora do referido escritório.

  9. -Como consequência directa e necessária destes actos, o assistente sofreu traumatismo do pé esquerdo e região dorsal, escoriações nos membros e dor nas zonas atingidas, lesões essas que demandaram um período de quinze dias de cura, os primeiros três dos quais com incapacidade para o trabalho.

  10. -Ao actuarem do modo descrito, os arguidos quiseram atingir o corpo e a saúde de J.A., o que lograram fazer.

  11. -Agiu cada um dos arguidos de modo deliberado, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram e são proibidas e punidas por lei penal.

  12. -O assistente foi assistido, em 23/12/2011, no Hospital de Cascais.

  13. -Pelo tratamento hospitalar prestado no serviço de urgência ao assistente foi emitida pelo HPP Hospital de Cascais, S.A., factura no valor de 108,00 EUR.

  14. -O tratamento hospitalar prestado ao assistente foi consequência da conduta dos arguidos, descrita nos pontos 4 a 7.

  15. -Os arguidos não têm antecedentes criminais.

  16. -O arguido José P.D.G. é arquitecto e aufere a quantia mensal de 600,00 EUR por essa actividade.

  17. -Tem dois filhos maiores e independentes.

  18. Vive com a mulher, que se encontra desempregada e aufere o subsídio de desemprego.

  19. -Paga mensalmente prestação bancária no valor de 480,00 EUR devida como reembolso de mútuo contraído para aquisição de habitação própria.

  20. -O arguido P.D.G. é engenheiro civil e encontra-se desempregado.

  21. -Vive com a mulher, em casa arrendada pela qual suportam a renda mensal de 500,00 EUR.

  22. -Tem dois filhos maiores e independentes.

  23. -A mulher do arguido é fisioterapeuta e gerente de empresa e aufere quantia mensal variável de cerca de 1.200,00 EUR.

  24. -Os arguidos têm grau de licenciatura universitária correspondente às actividades que exercem.

    2.-O tribunal fundamentou tal decisão fáctica nos seguintes termos: A convicção do Tribunal quanto à factualidade considerada provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador.

    O Tribunal tomou em especial consideração para prova da matéria descrita na acusação as declarações prestadas pelos arguidos, as declarações do assistente J. A., os depoimentos prestados pelas testemunhas AC, motorista do assistente, à data dos factos, RA, filha do assistente, TF, enteado do assistente, MC, filha do arguido J.T.V., e MV, mulher do arguido J.T.V. e irmã do arguido P.D.G..

    A prova testemunhal acima identificada foi conjugada e cotejada com a prova documental junta aos autos, a saber, o auto de denúncia quanto às circunstâncias de tempo e de lugar (fls. 3 e 4), documentação e cópias de actos processuais relativos ao processo executivo referido nos factos provados (cfr. fls. 250 a 288), fotografias das lesões do assistente a fls. 57 a 61, relatório de exame directo ao assistente (fls. 28 e 29), documentação clínica (cfr. fls. 44 e 45), factura emitida pelo Hospital de Cascais (fls. 336) e certificados de registo criminal dos arguidos (fls. 355 e 356).

    O arguido José P.D.G. confirmou as circunstâncias de espaço e tempo em que ocorreram os factos (cfr. ponto 3, dos factos provados), bem como a matéria relativa à acção executiva proposta pela sociedade ““P …………., S.A.”” contra a sociedade PG – ………..” (cfr. pontos 1 e 2, dos factos provados).

    Segundo o arguido, em 23/12/2011, encontrava-se no escritório descrito nos factos provados, da titularidade da sociedade “P …………., S.A.”, uma vez que já tinha sido decretado o despejo do espaço.

    Os bens que ainda se encontravam no local da titularidade da sociedade “P.G. – …………….” tinham sido objecto de arrolamento e a ““P …………., S.A.”” nomeada fiel depositária dos mesmos, o que resulta da documentação junta aos autos a fls. 250 a 288.

    Nessa altura, o assistente e o motorista começaram a bater à porta com violência, através de pontapés, numa espécie de tentativa do arrombamento.

    Despois de lhes ter aberto a porta, o assistente encontrava-se muito exaltado, questionou o que aquele se encontrava a fazer no escritório e onde se encontrava uma quantia em dinheiro que tinha naquele escritório.

    Como o assistente se recusou a abandonar o escritório, telefonou a P.D.G., por ser legal representante da sociedade ““P …………., S.A.””, para comparecer no local.

    Nessa altura, o motorista do assistente saiu do local.

    Quando apareceu o segundo arguido, cerca de 20 minutos depois, os ânimos exaltaram-se, o assistente não acatou a ordem de saída do local que lhes foi transmitida e provocou-os com um tom ameaçador, sendo que, quando tentava aceder ao cofre que se encontrava no escritório para o abrir, os arguidos impediram-no e, um de cada lado, empurraram-no pelos braços até à porta da fracção e colocaram-no fora.

    Antes de retirarem o assistente da fracção, já tinha sido chamada a polícia ao local.

    Nega ter desferido murros e pontapés no corpo do assistente, alegando que a força empregue se cingiu à necessária para o empurrar para fora do local.

    Nega que o assistente tenha caído ao chão.

    O arguido P.D.G. corroborou as circunstâncias descritas nos pontos 1 a 3, dos factos provados.

    Acorreu ao local porquanto P.D.G. lhe telefonou por se encontrar no escritório o anterior arrendatário da fracção.

    Quando chegou ao local, o assistente estava sentado, apresentou-se e referiu que a empresa ““P …………., S.A.”” tinha sido nomeada fiel depositária dos bens que ali se encontravam e pediu ao assistente para abandonar o local.

    Houve alguma exaltação, o assistente acusou os arguidos de terem mexido no cofre, terem tirado dinheiro, enquanto fez vários telefonemas.

    A uma dada altura, tentou aceder ao cofre, e os arguidos colocaram-se à frente do assistente e empurraram-no até à porta.

    Quando aquele se agarrou à ombreira da porta de entrada com força e cada um pegou no assistente por um dos braços e puxaram-no para fora da fracção.

    Nega, igualmente, ter desferido murros e pontapés no corpo do assistente e que aquele tenha caído no chão.

    O assistente J.A. relatou uma versão manifestamente diversa da dos arguidos.

    Corroborou a factualidade vertida no ponto 1 dos factos provados, sendo que à data dos factos afirmou ser procurador da sociedade “PG”.

    No dia descrito no ponto 3, foi advertido pelo motorista de que se encontrava um papel à porta do escritório e tinha sido mudada a fechadura.

    Afirmou que, àquela data, a “PG” tinha problemas financeiros e tinha diversas acções pendentes, mas não se recordou da acção de despejo.

    Deslocou-se com o motorista ao escritório, não conseguiu ler o edital que se encontrava à porta da fracção, negou ter exercido violência contra a porta, mas sim que tocou à campainha e que aquela foi voluntariamente aberta pelo primeiro arguido.

    O primeiro arguido ter-lhe-á dito para desaparecer dali que aquilo não era nada dele.

    O escritório estava desorganizado, o que o irritou e ficou desesperado por não encontrar a quantia em dinheiro que deixara no escritório.

    Telefonou à mulher e ao advogado e o motorista saiu do local.

    Enquanto isso, o assistente tirou fotografias ao escritório sem oposição ou reacção do primeiro arguido, que se encontram a fls. 198 a 201.

    Pouco tempo depois, chegou o segundo arguido ao escritório, os ânimos exaltaram-se e os dois, em conjunto...

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