Acórdão nº 2296/11.3TVLSB-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelCARLA C
Data da Resolução07 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: JOAQUIM DE .... ...., intentou contra CORPORACION .... (SUCURSAL PORTUGAL), S.A., e FERNANDO …….., a presente acção, formulando os seguintes pedidos de condenação solidariamente dos Réus no pagamento: -Do montante de € 12.528,16, a título de danos patrimoniais emergentes de todas as despesas que o Autor efectuou na 1.ª Ré, reintegrando-o e reembolsando-o dessas mesmas despesas; -De um montante a liquidar nos autos ou em execução de sentença, consubstanciado nos dispêndios que o Autor tenha de efectuar para minimizar os danos causados pela conduta dos Réus; -De uma indemnização a título de dano não patrimonial a fixar em montante não inferior a € 15.000,00; -Dos juros moratórios sobre as quantias peticionadas, calculados à taxa legal desde a citação dos Réus e até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, ter contactado com a 1.ª Ré com vista a efectuar uma intervenção estética, tendo efectuado consulta realizada pelo 2.º Réu; Foi agendada cirurgia, sendo que a mesma correu mal, ficando a padecer de dor na zona intervencionada e deformação residual, com cicatrizes com retalho de avanço; Para correcção das cicatrizes, foi submetido a nova intervenção para correcção das cicatrizes médias e novamente a outra para correcção das cicatrizes pequenas e finalmente mais uma intervenção, tendo procedido ao pagamento das quantias respectivas. Posteriormente mantendo-se a situação foram-lhe administrados dois tratamentos. Mais alega que nem a cirurgia primitiva, nem as subsequentes foram efectuadas correctamente.

* O R. FERNANDO …….. não contestou a presente acção, tendo a R. .... ………., S.A. apresentado contestação.

* Por despacho de fls 164 e segs foi fixado à presente acção o valor de € 27.528,16, em consequência do que foi então alterada a forma do processo e determinada a remessa dos autos aos Juízos Cíveis.

Convidado, veio o A. apresentar petição inicial aperfeiçoada.

* Por despacho de fls. 483 e 484, foi julgada extinta a instância quanto à 1.ª Ré, prosseguindo os autos contra o 2.º Réu.

Face à falta de contestação, o Tribunal considerou confessados os factos articulados pelo Autor.

* Foi proferida sentença final que decidiu julgar improcedente a acção e consequentemente absolveu o Réu do pedido formulado pelo Autor.

* Não se conformando com a decisão, dela apelou o A., formulando as seguintes conclusões: 1.-DOS FACTOS PROVADOS: Face à falta de oposição, foram dados como provados todos os factos articulados pelo Autor, e que constam dos pontos 1 a 56, supra e que aqui se dão por reproduzidos.

  1. -DO NEXO DE CAUSALIDADE: Resultou provado nos autos que do relatório clínico, datado de 27 de Outubro de 2008, elaborado pela DR.ª ... FERREIRA, Ilustre Médica da ... ... em C..., após observação do resultado das intervenções e tratamentos ministrados pelos 1º e 2º RR, se extraem as seguintes conclusões, as quais foram dadas como assentes: g)-O A JOAQUIM .... de 65 anos de idade foi operado em 2005, sob anestesia geral a lipomatose cervical, tendo-lhe sido efectuada uma lipoaspiração sub mentoniana; h)-Posteriormente foi feita uma correcção da deformação residual e das cicatrizes com retalho de avanço, em 2006; i)-Em Março de 2008 fez nova intervenção cirúrgica para correcção de cicatrizes residuais; j)-Presentemente foi por nós observado em 17/10/2008, apresentando deformação cervical, com lipomatose sub mandibular e ptose cutânea cervico facial e cicatrizes cervicais sub mentonianas, resultantes das intervenções cirúrgicas anteriores; k)-Estas cicatrizes causam deformação estética e psíquica, sendo uma à esq.. com cerca de 8cm horizontal e 3cm obliqua, hipertrófica e vermelha; l)-O paciente encontra-se por isso insatisfeito, por não resolução da deformação cervical causado por ptose cervico facial e lipomatose sub mandibular e a presença de cicatrizes sub mentonianas; 3.-Nos termos relatório médico daquela Clínica, não só a intervenção estética a que primitivamente o Autor foi submetido não foi correctamente efectuada, o que emerge das conclusões a) a f) supra, extraídas do Relatório Clínico, e foi causa determinante das sequelas consubstanciadas nos subjectivos dolorosos acima enunciados, como também as subsequentes intervenções não foram efectuadas correctamente por forma a corrigir o erro emergente das anomalias verificadas e constantes das conclusões supra, dadas como assentes.

  2. -Verifica-se que a actuação do Réu Fernando ... foi causa determinante das sequelas consubstanciadas nos subjectivos dolorosos acima enunciados, como também, as subsequentes intervenções não foram devidamente efectuadas por forma a corrigir o erro emergente das anomalias verificadas.

  3. -É inequívoco o nexo de causalidade entre a actuação do Réu e os danos causados ao Autor, peticionados nos presentes autos, existindo nessa medida a obrigação de indemnizar.

  4. -O nexo de causalidade está também fundamentado nos factos provados em 1 a 4, 6 a 9, 13, 18 a 20, 22, 31 e 32, 40 a 42 e 54 a 56, supra.

  5. -III – DA CULPA: A responsabilidade do Réu, ora Recorrido, é apreciada à luz dos artigos 799º e seguintes do Código Civil (CC).

  6. -A responsabilidade do Réu ora Recorrido é uma responsabilidade de natureza contratual, pelo que se presume o comportamento culposo do Réu ora recorrido, nos factos dados como provados.

  7. -Nesse sentido o acórdão do STJ, processo 08B1800, de 15-10-2009, que dispõe: “I - Em regra, a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual preenchem integralmente o campo da responsabilidade civil do médico no exercício da sua profissão, sendo irrelevante que o mesmo tenha a seu cargo uma obrigação de meios ou de resultado. II - Ao médico, seja qual for a sua obrigação, esteja ou não vinculado por contrato, exige-se que cumpra as Ieges artis com a diligência normal de um médico médio (reasonable doctor). III - Aplica-se à responsabilidade contratual médica a presunção de culpa contida no art. 799.º, n.º 1, do CC, presunção esta que fica ilidida com a demonstração pelo médico do cumprimento diligente das leges artis. (…).” 10.-O Réu recorrido, não demonstrou o “cumprimento diligente das leges artis.” 11.-No caso dos autos trata-se de uma cirurgia estética que é uma especialidade médica, facto notório que não carecia de ser alegado, mas que resulta dos pontos 43 a 45, da matéria de facto assente supra.

  8. -O acórdão do STJ, processo 1364/05.5TBBCL.G1, de 07-10-2010, dispõe que: I. A responsabilidade médica (ou por acto médico) assume, em princípio, natureza contratual. II. Pode, todavia, tal responsabilidade configurar-se como extracontratual ou delitual por violação de direitos absolutos (v.g os direitos de personalidade), caso em que assistirá ao lesado uma dupla tutela (tutela contratual e tutela delitual), podendo optar por uma ou por outra. III. A tutela contratual é, em regra, a que mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória, face às regras legais em matéria de ónus da prova da culpa (art.ºs 344.º, 487.º, n.º 1 e 799.º, n.º 1, todos do CC). IV. Agirá com culpa ou negligência (cumprindo defeituosamente a obrigação) o médico que, perante as circunstâncias concretas do caso, e face às leges artis, tenha feito perigar (ou lesado de modo irreversível,) o direito do paciente à vida ou à integridade física e psíquica do paciente. Culpa essa «a ser apreciada pela diligência de um bom pai de família (art.ºs. 482.º, n.º 2, aplicável ex vi do n.º 2 do art.º 799°, ambos do CC). V. Em regra, a obrigação do médico é uma obrigação de meios (ou de pura diligência), cabendo, assim, ao lesado fazer a demonstração em juízo de que a conduta (acto ou omissão) do prestador obrigado) não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do almejado resultado. VI. Já se se tratar de médico especialista, (v.g. um médico obstetra) sobre o qual recai um específico dever do emprego da técnica adequada, se torna compreensível a inversão do ónus da prova, por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o mesmo ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base uma presunção da censurabilidade ético jurídica da sua conduta.”, (negrito nosso).

  9. -Mais, nos termos do citado acórdão: “(…) Já poderá não ser assim se se tratar de médico especialista, que ao pôr em prática a sua técnica e os seus conhecimentos técnico-científicos especializados (justamente o pressuposto da contratação do seu serviço), actua de modo contrário ao que dele era esperado e exigível, atentas as suas habilitações específicas para o concreto acto médico. O dever do emprego da técnica adequada vincula, de resto, o médico, mesmo após a alta do paciente, nomeadamente no que concerne ao dever de informação quanto ao tratamento e cuidados a observar - conf. Revista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, n° 44 - Ano 2000 - Julho/ Setembro, pp. 37 e s. Relativamente a um médico especialista (v.g. um médico obstetra a quem é cometida a tarefa de proceder, com êxito, à extracção de um feto ou executar as manobras próprias de um parto), já se torna compreensível a aludida inversão do ónus da prova por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o especialista em causa ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base a sobredita presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta (sem embargo, todavia, de ele poder provar o contrário) (…)”, (cfr. acórdão citado supra, sublinhado nosso).

  10. -Sendo o Réu especialista em cirurgia estética, pois de outra forma não exerceria funções na 1ª Ré, há uma inversão do ónus da prova por se tratar de uma obrigação de resultado.

  11. -Resultando provado nos autos que a finalidade da cirurgia não foi alcançada, e que em função disso o Autor, ora Recorrente...

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