Acórdão nº 2341/13.8TFUN.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução07 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Em 30.05.2013, Vina …E…L… intentou o presente processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de W…A…E… L…, falecido a 9.5.2010, na freguesia do ..., com residência na Casa Branca, nº 9, São Martinho, ....

Foi nomeada cabeça de casal Oksana B…, que prestou declarações, em 7.11.2013.

Em 3.03.2014, a cabeça de casal veio requerer a rectificação das suas declarações, bem como a consequente inutilidade superveniente da lide.

A requerente pronunciou-se no sentido da improcedência do requerido, ao que a cabeça de casal respondeu.

Foram juntos pareceres jurídicos e requerida documentação após o que foi proferida sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Não se conformando com o teor da decisão, apelaram as interessadas Vina L… e Mary C… ..., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões: a.-O presente recurso vem interposto pelas interessadas Vina … E…L…e Mary S…E…e L…C…R… da decisão proferida pelo Tribunal a quo a 27 de Fevereiro de 2016, nos termos da qual se decidiu que a lei aplicável à sucessão por morte de William … … ... é a lei inglesa e, em consequência, se considerou inexistirem quaisquer bens a partilhar no âmbito do presente processo de inventário, na medida em que o falecido outorgou testamento através do qual declarou deixar todos os seus bens à cabeça-de-casal, Oksana B….

b.-A primeira questão sobre a qual o Tribunal a quo proferiu decisão no âmbito da sentença recorrida respeita precisamente à determinação da lei aplicável à sucessão por morte de William ... ... L... e, consequentemente, à avaliação sobre a validade legal do testamento por este outorgado, tendo, quanto a esta matéria, concluído, de forma simplista e, salvo o devido respeito, sem fundamentação concreta e consistente, que a lei aplicável será a lei inglesa.

c.-Tal entendimento – não podendo deixar de se salientar que a sentença recorrida contém, no que à sua fundamentação diz respeito, duas meras páginas de texto – decorre exclusivamente da circunstância de o falecido ter nacionalidade britânica e de os artigos 62º e 63º do Código Civil disporem que, à sucessão por morte e especificamente quanto à capacidade de disposição por morte, é aplicável a lei pessoal, a qual corresponde, nos termos do disposto no artigo 31º do Código Civil, à lei da nacionalidade.

d.-A referida decisão judicial, para além de simplista e escassamente fundamentada, ignora por completo circunstâncias específicas do caso sub judice e disposições concretas da Lei, em matéria de normas de conflitos, em particular, o facto de as regras de conflitos do nosso sistema jurídico apontarem, no que concerne a lei da nacionalidade, para o direito de um Estado que não possuiu um ordenamento jurídico unitário. Assim, uma questão que podia revelar-se de grande simplicidade – determinação da lei pessoal do inventariado nos termos, conjugadamente, do disposto nos artigos 62º e 31º, nº 1 do Código Civil – traduz, no caso concreto sub judice, um factor de complexidade adicional, uma vez que o inventariado é nacional de um Estado em que coexistem diferentes ordenamentos jurídicos locais, i.e., um ordenamento jurídico plurilegislativo.

e.-Impunha-se ao Tribunal a quo ter apreciado a questão concreta em decisão com recurso às normas legais aplicáveis, i.e. com recurso ao disposto no artigo 20º do Código Civil, o qual prevê, precisamente, os critérios de decisão a adoptar no tipo de situação em apreço.

f.-Decorre do disposto no artigo 20º, nº 1 e 2 do Código Civil que o nosso ordenamento jurídico estabelece um mapa claro a seguir na eventualidade de estarmos perante a atribuição de competência em razão da nacionalidade, sendo esta a de um Estado em que coexistem diferentes sistemas legislativos, a saber: (iv)-em primeiro lugar, deve averiguar-se se o direito interno do Estado da nacionalidade determina, para o tipo de caso específico em análise, qual o sistema aplicável; (v)-em segundo lugar e caso o referido em (i) não ocorra, determina a Lei que deve recorrer-se ao direito internacional privado do Estado em apreço, ou seja, devem aplicar-se aos conflitos de leis interlocais os princípios aplicáveis no Estado à solução dos conflitos de leis em situações privadas internacionais; (vi)-em terceiro lugar e caso não tenha sido possível recorrer a qualquer das formas previstas em (i) e (ii), a Lei é clara ao determinar que deverá considerar-se como lei pessoal a lei da residência habitual, ou seja, que deverá abrir-se uma excepção à regra geral do artigo 31º nº 1 do Código Civil quanto à determinação da lei pessoal do interessado.

g.-O Reino Unido é precisamente um dos casos em que se revela impossível, por inexistente, o recurso a regras unificadas de direito interlocal e de regras de conflitos num sistema internacional privado, o que obriga, precisamente, ao recurso à solução prevista na parte final do nº 2 do artigo 20º do Código Civil.

h.-Independentemente dos argumentos doutrinários que possam ser aventados na defesa de uma ou outra solução, não é possível ignorar que estamos aqui perante uma escolha concreta e expressa do legislador, depois de ponderadas as diversas soluções possíveis para os casos em apreço, i.e., o legislador português, em face das diversas opções que podiam legitimamente ter sido adoptadas no que concerne a determinação do direito material aplicável (como sejam a aplicabilidade da lei vigente na capital do Estado da nacionalidade ou da tentativa de determinação da subnacionalidade do interessado) optou por definir como lei pessoal a lei da residência habitual do interessado, sempre que a lei da nacionalidade do mesmo remetesse para um ordenamento de um Estado plurilegislativo onde não existem normas de conflitos de direito inter-regional ou de direito internacional privado comuns às várias circunscrições legislativas.

i.-Esta determinação legal impõe, salvo o devido respeito, que no caso concreto sub judice o Tribunal a quo tivesse concluído que a lei pessoal do inventariado é a lei do Estado onde o mesmo tinha a sua residência habitual, ou seja, a Lei Portuguesa.

j.-Optar por ignorar o disposto no artigo 20º nº 2 do Código Civil, nomeadamente por recurso à denominada interpretação revogatória ou ab-rogante, mais não é do que incumprir a Lei e, dessa forma, ferir de morte a decisão recorrida.

k.-Neste sentido pronunciou-se a melhor e mais abrangente doutrina (acima parcialmente transcrita) – entre os quais J. Baptista Machado, A. Ferrer Correia, Manuel Almeida Ribeiro e António Marques dos Santos - bem como o Prof. Luís Barreto Xavier no parecer junto aos autos pelas Recorrentes e para o qual se remete, por uma questão de economia processual.

l.-No que concerne a aplicação da lei do país da residência habitual como lei pessoal, importa deixar claro que não existe nenhum factor que possa determinar tal solução como inaceitável ou chocante.

m.-Bem pelo contrário, não podia o Tribunal a quo ignorar que a residência habitual desempenha, no nosso sistema jurídico, tal como em muitos outros, uma importância fundamental, estando, em todos os campos relativos aos elementos de conexão, ao mesmo nível que a lei da nacionalidade.

n.-O facto de o legislador nacional ter optado por escolher como lei pessoal a lei da nacionalidade, não implica nenhum desfavor ou desconsideração pela conexão (em muitos casos até mais estreita) decorrente da residência habitual. Bem pelo contrário, muitos casos concretos – entre os quais o caso sub judice, conforme infra se demonstrará – apontam precisamente em sentido oposto, uma vez que, em não poucas situações, a ligação, o vínculo, entre uma pessoa e o Estado onde a mesma escolheu estabelecer-se e residir com carácter de permanência e estabilidade, é muito mais relevante e significativo do que o vínculo de natureza política decorrente da nacionalidade.

o.-Chegados aqui, importa, por último, salientar a importância da residência habitual como elemento de conexão em face do caso concreto em apreço.

p.-Conforme resulta da factualidade assente, para além de William ... ... L... ter nascido em Portugal (mais precisamente no ...) onde a sua família residia estavelmente há várias gerações, residiu aí praticamente durante toda a sua vida e aí faleceu. Contrariamente, atente-se que o inventariado residiu no Reino Unido durante curtos períodos de tempo da sua vida, motivados por questões específicas como os estudos, embora tenha retornado sempre a Portugal, onde desenvolveu a sua actividade empresarial, onde constituiu família e onde, conforme acima se referiu, veio a morrer.

q.-Ademais, as únicas três filhas do inventariado nasceram igualmente no ..., tendo duas delas nacionalidade (exclusiva) portuguesa e uma dupla nacionalidade (portuguesa e britânica) em virtude de casamento com nacional britânico, sendo que apenas esta última reside fora de Portugal.

r.-Com efeito, ainda que se estivesse perante um caso de residência habitual em Portugal baseada em critérios meramente formais, ou seja, em que pudesse ser colocada em causa o significado e profundidade da conexão concreta entre o interessado e Portugal, tal questão seria manifestamente irrelevante do ponto de vista jurídico. No entanto e sem prejuízo de tal questão ser irrelevante em face do disposto no artigo 20º do Código Civil, nada disso pode sequer ser invocado ou argumentado no presente caso concreto, uma vez que, conforme amplamente demonstrado, a ligação do inventariado e da família deste a Portugal é manifesta, duradoura e estável.

s.-Por tudo o supra exposto, resulta evidente que a sentença recorrida não se pode manter por manifesta violação da Lei, em particular do disposto no artigo 20º do Código Civil.

t.-No entanto, mesmo que assim não se entendesse – o que se considera a mero benefício de raciocínio, sem conceder – nunca a decisão em causa se poderia manter, uma vez que a aplicação da lei substantiva inglesa ao...

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