Acórdão nº 574/14.9PLLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelCONCEI
Data da Resolução15 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.–RELATÓRIO: 1.–No âmbito dos presentes autos supra identificados, a correr termos na Comarca de Lisboa -Lisboa -Instância Local -Secção Criminal –Juiz 12, os assistentes/arguidos J..... e ... deduziram cada um deles acusação particular, imputando, reciprocamente, a prática de um crime de injúrias, previsto e punido pelo artº 181º do Cód. Penal, e o assistente J.... imputando ainda ao arguido P.... a prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artº 142º, do Código Penal.

  1. –Remetido o processo para a fase de julgamento, o Mmº Juiz rejeitou as acusações particulares deduzidas.

  2. –Inconformados com este despacho de rejeição vieram recorrer o Ministério Público e o Assistente P....

    3.1.–O Ministério Público terminou a motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “1.-O princípio da acusação impõe que o juiz apenas deva controlar os vícios estruturais graves da acusação, referidos nos arts. 311º , nº 3 do Código de Processo Penal.

  3. -A acusação só deve ser considerada manifestamente infundada, e consequentemente rejeitada, com base na al. d) do nº 3 do artº 311º do CPP, quando resultar evidente, que os factos descritos, mesmo que porventura viesses a ser provados, não preenchem qualquer tipo legal de crime, sendo que a previsão da al. d) do nº 3 do artº 311º não pode valer para os casos em que só o entendimento doutrinal ou jurisprudencial adoptado, quando outro diverso se poderia colocar, sustentou a não qualificação dos fatos penalmente relevantes.

  4. -Analiticamente, o dolo desdobra-se num elemento intelectual e num elemento volitivo ou emocional que devem ser plasmados na acusação sob pena de a mesma ser considerada manifestamente infundada.

  5. -No caso dos presentes autos, na acusação de fls. 236 e ss (assistente J....), após a descrição objectiva de todos os factos imputados ao arguido, do descrito que o mesmo “ao dirigir-se ao assistente: “vocês são uma merda, não valem nada”, visou ofender a honra e consideração do assistente”, objectivamente considerando o assistente como pessoa uma merda, o arguido coloca em causa a personalidade daquele, entrando num puro juízo insultuoso “ e “agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

  6. -No que se refere, por seu lado, à acusação de fls. 241 e ss, ( assistente P....), após a descrição objectiva dos factos imputados ao arguido, referiu que o mesmo “agiu livre, voluntária e conscientemente e “não ignorava que a sua conduta era reprovável e contrária à lei penal”.

  7. -Não se poderá, portanto, em nosso entender, concluir, como se fez no despacho recorrido, que as supra referidas acusações são, manifestamente infundadas no que respeita aos crimes de injúrias, uma vez que as mesmas contém a efectiva descrição dos componentes volitivo e intelectual do elemento subjectivo dos crimes imputados ao arguidos, não sendo, de todo, “omissas, no que respeita ao facto de os mesmos saberem que as expressões eram aptas a atingir a honra e consideração dos assistentes e que, conhecedores de tais circunstâncias, ainda assim as quiseram proferir”, tanto que as expressões constantes de ambas as acusações são objectivamente ofensivas e consta de ambas as acusações que ou proferirem as mesmas os arguidos agiram de modo livre e consciente e estavam conscientes da proibição de tal comportamento.

  8. -Por todo o exposto e por considerarmos que as acusações deduzidas no âmbito dos presentes autos, no que se refere aos imputados crimes de injúrias, não são manifestamente infundadas, tanto mais que resulta claro e evidente, salvo o devido respeito, que os factos nelas descritos preenchem o tipo legal dos crimes imputados aos arguidos, deverá, em nosso entender, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine a admissão das supra referidas acusações, no que se refere aos imputados crimes de injúrias e a designação de data para julgamento dos arguidos, no âmbito dos presentes autos.

    3.2.–O Assistente P.... terminou a motivação com a formulação das seguintes conclusões: “1.-As expressões proferidas pelo Arguido e dirigidas ao Recorrente, reproduzidas no artigo 1.º da acusação particular, têm um significado objectiva e inequivocamente ofensivo da honra e consideração do Recorrente.

  9. -Tais expressões preenchem o elemento objectivo do crime de injúria imputado ao arguido.

  10. -O crime de injúria é doloso.

  11. -Pelo que, para que exista o crime de injúria é, ainda, necessário que se verifique o elemento subjectivo.

  12. -Devendo constar da acusação particular pelo crime de injúria também os factos consubstanciadores do dolo.

  13. -Da leitura da acusação particular formulada pelo Recorrente, com relevo para a questão em análise, resulta que: a) o Arguido agiu livre, voluntária e conscientemente ao fazer as afirmações supra descritas (artigo 2.º); e b) não ignorava que a sua conduta era reprovável e contrária à lei penal (artigo 3.º).

  14. -Resulta, assim, suficientemente demonstrado na acusação particular que o Arguido quis ofender o Recorrente quando lhe dirigiu as expressões que lhe são imputadas, actuou com a consciência do carácter ofensivo das expressões proferidas e sabia da ilicitude da sua conduta.

  15. -Estes factos consubstanciam o elemento subjectivo do crime imputado ao arguido.

  16. -Da acusação particular constam todos os factos que consubstanciam os elementos objectivo e subjectivo do crime de injúria que o Recorrente imputa ao Arguido.

  17. -Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo no artigo 311.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea d), do CPP.

  18. -Pelo exposto, a acusação particular deduzida pelo Recorrente deverá ser admitida, por conter todos os elementos elencados no mencionado artigo 311.º do CPP.

    Nestes termos, e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, substituindo-se por outro que admita a acusação particular e o pedido de indemnização civil deduzidos pelo Recorrente nos presentes autos.

  19. –Os recursos foram admitidos, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (cfr. despacho de fls. 302).

  20. –O Ministério Público veio responder á motivação de recurso apresentada pelo assistente/recorrente P...., manifestando a sua concordância com a fundamentação do recurso, referindo ter recorrido de per se do mesmo despacho e cujos argumentos deu por reproduzidos (cfr. fls. 306).

  21. –Neste Tribunal, a Exmª Procuradora Geral Adjunta na oportunidade do artº 416º apôs Visto.

  22. –Após os Vistos legais, procedeu-se á Conferência * II.–Fundamentação: 1.-O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas conclusões (cfr. artº 412º, nº 1, do CPP), coloca a questão de saber se as Acusações Particulares deduzidas pelos Assistentes, por crime de injúria previsto e punido pelo artº 181º do CP...

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