Acórdão nº 1596/03.0JFLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.–Na decisão instrutória proferida no processo com o nº 1596/03.0JFLSB em 27 de Outubro de 2016, o Tribunal Central de Instrução Criminal julgou extinto por prescrição o procedimento criminal quanto a factos praticados pelos arguidos A.D.M. e F.M.C., com os seguintes fundamentos (transcrição): “ (…) II–Da prescrição invocada pela arguida R.S..

Esta arguida está acusada da prática de um crime de fraude fiscal qualificada p e p pelo artº 103º e 104º nº 2 do RGIT.

A arguida alegou, em resumo, que a imputação feita pelo artigo 104º nº 2 do RGIT teve em vista estender o prazo de prescrição de 5 para 10 anos. Que foi constituída arguida em 2011 por factos de 2003, sendo que a acusação só lhe foi notificada em 12-10-2015.

Conclui que os factos que lhe são imputados preenchem apenas o crime previsto no artigo 103º do RGIT razão pela qual o procedimento criminal já se encontra prescrito pelo decurso do prazo de 5 anos.

O MºPº respondeu, conforme consta de fls. 14304, pugnado pela improcedência da excepção.

Cumpre apreciar: A propósito da prescrição diz o Prof. Figueiredo Dias ”...na consideração de que a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, e por outro lado, e com maior importância, as exigências de prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos, encontrando ainda fundamento ao nível processual, porquanto o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados duvidosos a investigação do facto e da culpa do agente”(in, As Consequências Jurídicas do Crime, pág.699/670).

A requerente R.S. foi interrogada e constituída arguida no dia 22-11-2011, conforme resulta de fls. 5074.

A arguida foi notificada da acusação no dia 12-10-2015.

A arguida está acusada da prática de um crime de fraude fiscal qualificado p e p pelo artº 103º nº 1 al. c) e nº 2 e 3 e 104º nº 2 al. a) do RGIT por, segundo a acusação, ter utilizado as facturas indicadas no artigo 1022 da acusação, na sua contabilidade, no anos de 2006, sabendo que essas facturas não correspondiam a aquisições ou prestação de serviços reais, portanto, falsas.

O Crime em causa, à data dos factos, era punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Dispõe o artigo 5º do RGIT o seguinte: 1–As infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2–As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários.

3–Em caso de deveres tributários que possam ser cumpridos em qualquer serviço da administração tributária ou junto de outros organismos, a respectiva infracção considera-se praticada no serviço ou organismo do domicílio ou sede do agente.

Questão relevante é sabermos, antes de mais, o momento em que se consuma o crime, dadas as implicações que tal resposta tem em termos de prescrição.

Desde logo, o momento da consumação do crime marca o início da contagem do prazo prescricional, assim o determina o artº 119º, nº1 do Código Penal quando estabelece que “O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado”.

Para isso, importa verificar o tipo de ilícito em causa.

A fraude fiscal materializa-se numa defraudação que visa a obtenção de um benefício fiscal ou de causar um prejuízo ao fisco.

Trata-se de um crime de execução vinculada que só pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas a), b) e c) do artº 103º do RGIT, ou seja, o tipo objectivo apenas se preenche com a adopção de condutas que visem a obtenção de uma situação tributária mais favorável, como sejam o não pagamento de um imposto, a sua redução ou a obtenção de benefícios fiscais, de reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

Assim, para a punição do agente basta comprovar que este quis as respectivas acção ou omissão e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e á consequente diminuição da receita tributária.

O artigo 104º do RGIT acolhe a forma qualificada do crime de fraude fiscal, prevendo o nº 2 “a fraude que tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes”, sendo esta a forma de fraude fiscal imputada aos arguidos em co-autoria no caso dos presentes autos.

Quanto á natureza do crime de fraude fiscal, o STJ tem entendido tratar-se de um crime de perigo na modalidade de crime de aptidão. Isto porque não se exige a obtenção da vantagem patrimonial em prejuízo do fisco, mas apenas a conduta tipificada que vise essa vantagem ou prejuízo.

Assim, o crime consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente. É o que resulta da expressão “susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias” (corpo do nº1 do artº 103º do RGIT).

Tendo em conta os factos imputadas à arguida, conclui-se que a data da prática dos mesmos ocorreu aquando da emissão das facturas, e não na data da apresentação das declarações de IVA e IRC, como defende o Mº Pº. Com efeito, «o Mº Pº entende que o momento da consumação verifica-se quando o contribuinte dá conhecimento ás autoridades fiscais da declaração fraudulenta, já que só aí as induz em erro susceptível de provocar prejuízo patrimonial para as receitas, ou ainda quando a administração fiscal efectue a liquidação.

Com efeito, o crime de fraude fiscal, na modalidade de utilização de facturas de venda a que não corresponde verdadeira transacção (que é, indiscutivelmente, a dos autos), consuma-se no dia da emissão das facturas (neste sentido, veja-se o cit. acórdão da Relação do Porto, de 05/01/2011).

Na verdade, a obtenção de vantagem patrimonial não é um elemento do tipo, bastando apenas que as condutas do agente sejam preordenadas à obtenção de tal vantagem, não sendo de exigir para a consumação do crime que o agente represente com exactidão o montante da vantagem ou benefício patrimonial indevido, bastando a representação da consequência da diminuição da receita fiscal.

Deste modo, o ilícito consuma-se quando o agente, com a intenção de lesar o Fisco, atenta contra a verdade e transparência exigidas na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades de falsificação, previstas no artº 103º, nº 1 do RGT.

Assim, o momento a partir do qual começa a contar o prazo de prescrição é o momento da acção delituosa, com vista ao não pagamento da prestação tributária ou seja, a consumação ocorreu na data da prática da última conduta (emissão da última factura) – 30-09-2006.

Dispõe o artigo 21º do RGIT.

1–O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.

2–O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.

3–O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.

4–O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º Nos termos do artigo 118º nº 1 al. b) do CP, o procedimento criminal extingue-se dez anos, quando se tratar de crime punível com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cincos anos, mas que não exceda 10 anos.

Assim, o prazo em causa é de 10 anos.

Tendo em conta o disposto no artigo 121º nº 1 al. a) do CP, em 22-11-2011, teve lugar uma interrupção da prescrição com a constituição como arguida o que fez com que, a partir dessa data, tivesse começado a correr novo prazo de prescrição, por força do nº 2 do mesmo preceito.

Assim sendo, tendo em conta o prazo de prescrição previsto para o crime imputado à arguida (10 anos), a data da prática dos factos (30-9-2006), verifica-se que o prazo dos anos 10 anos, sem a interrupção, ocorreu 30-9-2016, razão pela qual improcede a alegada prescrição do procedimento criminal, a qual só terá lugar 30-9-2021.

Para além disso, cumpre referir que não merece acolhimento o argumento da arguida quanto à pretendida desqualificação da conduta na medida em que, para a verificação da qualificativa do nº 2 do artigo 104º do RGIT não é necessário o preenchimento de duas das agravantes do nº 1 do mesmo preceito.

Assim sendo, improcede a invocada prescrição.

Das demais prescrições.

O arguido A.D.M. está acusado pelos factos descritos na acusação, a fls. 524 a 543, da prática de um crime de fraude fiscal qualificada p e p pelo artº 103º e 104º nº 2 do RGIT.

Os factos imputados a este arguido traduzem-se, igualmente, na utilização de facturas falsas, sendo que a sua consumação ocorreu na data da emissão das facturas, neste caso no dia 27-6-2003 (factura 129), data da última factura.

Assim sendo, é partir de 27-6-2003 que se inicia a contagem do prazo de prescrição de 10 anos o qual ocorreu, sem interrupções, no dia 27-6-2013.

No dia 29-7-2013, conforme resulta de fls. 7196, teve lugar a constituição como arguido o que, por força do artigo 121º nº 1 al. a) do CP, teria como consequência a interrupção do prazo de prescrição, o que não aconteceu, dado que essa causa apenas teve lugar após já estar consumado o prazo de 10 anos.

Assim, não tendo ocorrido qualquer facto interruptivo nem suspensivo da prescrição em relação ao arguido A.D.M. o prazo prescricional ocorreu em 27/06/2013, importando...

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