Acórdão nº 13079/16.4T8SNT.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.–Relatório: J..., nos autos m.id., veio intentar contra M..., também nos autos m.id., a presente acção especial de prestação de contas, nos termos do artigo 941º e seguintes do CPC.

Alegou em síntese que pelo falecimento da mãe de ambos, M..., em 2003, se não procedeu ainda a inventário, apesar de se encontrar a correr o correspondente processo no Cartório Notarial do Estoril, aguardando a junção da relação de bens; que após o falecimento do cônjuge sobrevivo em 2012, o cargo de cabeça de casal pertence à Ré, por ser a herdeira mais velha. Aberta a herança e até hoje, a Ré não ofereceu nem prestou quaisquer contas da sua administração, não obstante lhe terem sido solicitadas.

Contestou a Ré excepcionando a sua ilegitimidade, relativamente ao tempo pelo qual foi cabeça de casal o cônjuge sobrevivo, J..., e excepcionando ainda a incompetência do tribunal em razão da matéria pois que, nos termos do artigo 947º do CPC, as contas do cabeça de casal são prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita, e o inventário se encontra a correr no Cartório Notarial do Estoril/Cascais, no qual a Ré foi nomeada cabeça de casal. Nos termos do artigo 45º nº 1 e 2 da Lei 23/2013 de 5 de Março, o cabeça de casal deve apresentar a conta do cabecelato podendo haver impugnação cuja competência de decisão pertence ao notário. Invocou ainda a Ré a não obrigação de prestação de contas no período que medeia entre 13.5.2012 e 23.2.2016 e defendeu-se ainda por impugnação.

Respondeu o Autor à contestação pugnando, além do mais, e para o que aqui interessa, pela competência do tribunal.

Foi então proferido o seguinte despacho: Da incompetência do tribunal: A Requerida apresentou contestação onde excepcionou a competência do tribunal em razão da matéria, porquanto correndo termos um inventário no cartório notarial do Estoril, serão esses autos os competentes para a apresentação destas contas, na medida em que foi nesses autos que a Requerida foi investida da qualidade que a legitima a prestar contas.

Mais alegou que tal interpretação é conforme com o disposto no art. 947.º do CPC, que estipula a prestação de contas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita, e bem assim, com o art. 45.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que aprovou o regime jurídico do inventário (RJI) o qual no n.º 2 do mesmo preceito, inclusive estende ao Notário a competência para decidir sobre a impugnação das contas apresentadas.

Alegou ainda que nessa sequência, deverá ocorrer absolvição da Requerida da instância, por incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria.

O Requerente respondeu à excepção apresentada, alegando que o art. 45.º do RJI não se encontra coadunado com o Código Civil, na parte em que prevê a prestação anual de contas (art. 2093.º, n.º 1 do Cód.Civil), sendo que também não abrange o período decorrido desde a abertura da herança até à prestação de compromisso de honra, pelo que só o processo de prestação de contas judicial é idóneo para os fins pretendidos.

Mais alegou que nessa medida, sendo incompatível a duplicação de processos, deve considerar-se que é o tribunal competente para obrigação da prestação de contas relativamente ao período decorrido desde a abertura da herança até ao fim do cabecelato.

Cumpre apreciar e decidir: A obrigação legal de prestação de contas impende sobre o cabeça-de-casal desde a sua nomeação e até à liquidação e partilha (art. 2079.º do Cód.Civil).

O cargo de cabeça-de-casal pode ser deferido por via judicial (art. 2083.º do Cód.Civil) ou por acordo dos interessados (art. 2084.º do Cód.Civil) abrangendo a sua prestação de contas toda a administração dos bens do falecido, cabendo ao cabeça-de-casal, aprovar ou rejeitar qualquer administração de facto ocorrida antes do seu investimento nessa qualidade.

Nessa medida, a obrigação de prestação de contas é única e, em regra de carácter anual (art. 2093.º do Cód.Civil) o que não conflitua com a obrigação de a apresentar antes da conferência de interessados, na medida em que a mesma, pese embora diga respeito a eventos verificados já após a abertura da sucessão, pode influir com a composição das verbas da relação de bens, seja por aumento de receita no activo, seja por diminuição do passivo.

Nessa medida, veio o art. 45.º do RJI consagrar aquela que já era uma recomendação jurisprudencial, quanto ao momento da referida apresentação de contas, com vista a facilitar a percepção dos interessados na conferência preparatória Assim, deve entender-se, na esteira de Tomé Ramião, in “O novo regime do processo de inventário, notas e comentários”, da Quid Juris, Lisboa, 2014, pág. 123, que o novo regime do processo de inventário veio excluir a necessidade do processo de prestação judicial de contas, devendo na conjugação com o art. 947.º do CPC ser interpretado no sentido de que “(…) a prestação de contas será processada por apenso ao processo de inventário, dele constitui apenso, processado autonomamente como um incidente (…)”.

Tal interpretação surge reforçada com a expressa referência à competência do notário para decidir a impugnação sobre a prestação de contas apresentada no n.º 2 do art. 45.º do RJI, o que inculca que o legislador pretendeu mesmo que notário tivesse efectivo controlo sobre todas as questões debatidas nos autos, sem prejuízo do poder-dever do mesmo de remessa do processo no caso de a complexidade das questões suscitadas o aconselhar (art. 3.º, n.º 4 RJI).

Por conseguinte, deve entender-se que são os autos de inventário do cartório notarial, a sede própria para a apreciação da prestação de contas do cabeça-de-casal da herança, devendo ocorrer absolvição da instância da Requerida, por motivo de incompetência material (art. 64.º CPC).

Pelo supra exposto, nos termos do art. 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a), 578.º e art. 278.º, n.º 1, alínea a), todos do CPC, julgo verificada a excepção de incompetência material da Instância Local Cível de Sintra, para conhecer da presente causa, e em consequência, absolvo a Requerida da instância.

Custas pelo Requerente”.

Inconformado, interpôs o Autor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: A.-Por Douta Sentença datada de 07/11/2016, o Tribunal a quo decidiu, nos termos dos art.ºs 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a), 578.º e 278.º, n.º 1, alínea a), todos do CPC, julgar verificada a excepção de incompetência material, da Instância Local Cível de Sintra, para conhecer da presente causa, e em consequência, absolveu a Ré da Instância, entendimento este com o qual o Autor, ora Recorrente, não se conforma, na medida em que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação das normas aplicáveis ao presente caso.

B.-De facto, uma leitura apressada do art. 45.º do RJPI poderia levar a tal conclusão.

C.-Sucede, contudo, que o art. 45.º do RJPI não está coordenado com a norma geral da prestação anual de contas, prevista no art. 2093.º, n.º 1, do Código Civil.

D.-Na verdade, tem vindo a ser entendido que a apresentação da conta do cabecelato nos termos do art. 45.º do RJPI visa “preparar” a nova “conferência preparatória”, pois doutro modo não seria entendível que tenha de cumprir-se “até ao 15.º dia que antecede” essa conferência.

E.-Por outro lado, a prestação das contas quanto à administração que tenha exercido quer desde a abertura da herança até à prestação daquele compromisso de honra, quer posteriormente à apresentação daquelas contas no processo de inventário até à decisão homologatória da partilha, não cai na competência do notário, e só pode ser pedida através do processo especial regulado nos actuais arts. 941.º e ss. do CPC de 2013, isto é, no tribunal do domicilio do réu, nos termos do art. 80.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

F.-Ora...

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