Acórdão nº 696/13.3PDCSC.L1 -9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO ESTRELA
Data da Resolução02 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - No Processo Comum n.º 696/13.3PDCSC, da Comarca de Lisboa Oeste, Instância Local de Cascais, Secção Criminal, Juiz 1, por sentença de 21 de Junho de 2016, foi decidido julgar a pronúncia improcedente por não provada e consequentemente: 1.

Absolver a arguida H...

da prática do crime de violência doméstica pelo qual vinha pronunciada.

  1. Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante improcedente e, em consequência, absolver a demandada do mesmo.

    II – Inconformado, o assistente J...

    interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

    1. Na óptica do Assistente, o tribunal a quo andou mal ao proferir sentença de absolvição da Arguida, pelos seguintes motivos: i) porque não deu como provados factos cuja ocorrência foi demonstrada em sede de julgamento; e, mesmo que assim não se considerasse, ii) porque os factos provados, só por si, são suficientemente atentatórios da dignidade da M..., e consubstanciam, sem margem para dúvida, um crime de violência doméstica.

    2. Nesta medida, o Assistente impugna não só a matéria de facto, mas também a orientação jurídica seguida pelo tribunal a quo na sentença de que se recorre.

    3. A impugnação da matéria de facto dirige-se ao facto considerado provado sob o n.° 4, e aos não provados, supra reproduzidos no número 7 da motivação do recurso, os quais deviam, e devem, ser considerados provados nos seguintes termos: i) Em relação ao facto provado sob o n.° 4, em vez do que consta da sentença, deve dar-se como provado o seguinte: em número não apurado de vezes, mas com uma frequência em regra semanal, desde pelo menos 2007, e até 2013, a Arguida, quando se desentendia com a filha M... (ou porque esta não fazia o que ela queria, ou por qualquer outro motivo), dirigindo-se a ela, apelidava-a de "cabra", "estúpida", "burra", `"porca" e "nojenta", tendo-a ainda, pelo menos por duas vezes, apelidado de "puta"; ii) Em relação aos factos não provados que dizem respeito às agressões dirigidas à filha, deve dar-se como provado o seguinte: em número não apurado de vezes, mas com uma frequência em regra semanal, desde pelo menos 2007, e até 2013, a Arguida, quando se desentendia com a filha M... (ou porque esta não fazia o que ela queria, ou por qualquer outro motivo), batia-lhe, com pontapés nas pernas e no rabo e pancadas com as mãos, designadamente na nuca, na cabeça, nas costas e na cara; iii) Em relação aos factos não provados que dizem respeito à intenção das ofensas e das agressões, deve dar-se como provado o seguinte: ao agir da forma descrita, tendo a arguida o propósito conseguido e reiterado de humilhar e maltratar física e psiquicamente a filha M..., com quem coabitava, bem sabendo que, por força da sua tenra idade, esta esta não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à actuação da arguida, circunstância de que se prevaleceu, agindo sempre livre, voluntária e conscientemente.

    4. Os concretos meios de prova em que se funda a supra referida impugnação da matéria de facto são os seguintes: i) Queixa apresentada pelo Assistente, em 19 de Novembro de 2007, à CPCJ, constante de fls. 71, e subsequente desistência, de fls. 72; ii) Declarações para memória futura da Ofendida M..., prestadas em 09 de Julho de 2014, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, conforme consignado em Auto de declarações para memória futura do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas no Anexo A, que faz parte integrante desta motivação de recurso; iii) Declarações do Assistente, em representação da Ofendida, J..., prestadas em audiência de julgamento de 25 de Fevereiro de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas no Anexo D, que faz parte integrante desta motivação de recurso; iv) Declarações finais da arguida, prestadas em audiência de julgamento de 23 de Maio de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se transcrevem integralmente infra; v) Declarações da testemunha MF..., prestadas em audiência de julgamento de 1 de Março de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas no Anexo C, que faz parte integrante desta motivação de recurso; vi) Declarações da testemunha H..., prestadas em audiência de julgamento de 8 de Março de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas no Anexo B, que faz parte integrante desta motivação de recurso; vii) Declarações da testemunha I..., prestadas em audiência de julgamento de 7 de Abril de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais, nos segmentos relevantes, se encontram transcritas infra; viii) Declarações da testemunha S..., prestadas em audiência de julgamento de 7 de Abril de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais, nos segmentos relevantes, se encontram transcritas infra.

    5. Sumariando a argumentação utilizada pelo tribunal a que, é referido o seguinte: • A acusação apenas relata factos posteriores a 2007, os quais foram, no essencial, confirmados por M... e J..., não tendo, no entanto, as pessoas inquiridas presenciado qualquer agressão, à excepção da testemunha H..., que viu a Arguida desferir dois socos no ombro da Ofendida; • Nenhum dos inquiridos viu qualquer marca no corpo da menor (à excepção daquela que resultou do episódio de 28 de Outubro de 2013, dado como provado), o que seria estranho, uma vez que se estaria num contexto de alegadas agressões reiteradas; • Os vizinhos da Arguida e do Assistente nunca teriam ouvido nada de anormal, pese embora a má insonorização do local; • O depoimento de J... teria a sua credibilidade abalada, porque: i) a situação dos autos está directamente relacionada com a regulação do poder paternal e por isso repleta de subjectividades; ii) o Assistente e a Arguida têm uma relação que é tudo menos pacífica, sendo a questão das responsabilidades parentais motivo de grande litigiosidade; iii) o facto de ser estranho o Assistente, no dia do episódio de 28 de Outubro, ter decidido tocar primeiro à campainha dos vizinhos, e só depois inteirar-se da situação da filha; • O depoimento de M... teria a credibilidade abalada "por arrasto" da falta de credibilidade do depoimento do Assistente, uma vez que vivem juntos e mantêm uma relação privilegiada, e ainda porque o tribunal não ficou convencido de que "a menor tenha conseguido reproduzir com rigor e isenção os factos ou que deles tivesse urna noção exacta quanto ao seu significado e alcance".

    6. A argumentação despendida não convence, porquanto: • Relativamente à circunstância de apenas a testemunha H... ter presenciado uma agressão, não pode retirar-se qualquer conclusão relativamente à inexistência de outras agressões, atendendo ao enquadramento doméstico em que elas ocorriam, muitas vezes apenas com a presença da vítima, como é comum em crimes de violência doméstica; • Como é sabido, o crime de violência doméstica é um crime muitas vezes "silencioso", de que terceiros não têm conhecimento, ou só têm conhecimento quando as situações chegam a um tal extremo que não é mais possível à vítima esconder a violência de que é alvo; • Nos crimes de violência doméstica, a vítima tem sempre a "esperança" de que o agressor mude, tentando desculpar a sua conduta violenta ("é só uma fase", "é normal, está chateado", etc); • A regra é a de que os actos de violência doméstica são praticados em casa, longe do olhar de familiares, amigos ou outras pessoas, sendo natural que, na grande maioria dos casos, não haja testemunhas directas dos factos ocorridos; • Relativamente à questão da ausência de marcas, a argumentação despendida ainda menos se compreende, atendendo a que, em grande parte, as agressões eram verbais, noutra parte, porque pontapés nas pernas ou no rabo, pancadas na nuca, nas costas, na cabeça ou na cara, frequentemente não deixam qualquer marca; • Relativamente ao facto de os vizinhos não terem ouvido nada de anormal, também não se vislumbra a estranheza, porque, no dia-a-dia, pais a falarem alto com os filhos ou o choro destes, pode não significar (e geralmente não significa) qualquer situação de maus-tratos; • Relativamente à falta de credibilidade de J..., pela circunstância de existir um conflito com a arguida, relativamente a uma questão de responsabilidades parentais, a queixa apresentada em 2007 é por si só esclarecedora quanto ao facto das suas denúncias nada terem a ver com a disputa sobre a regulação do poder paternal, situação que na altura nem se colocava; • Quanto à concreta questão suscitada de "se estranhar que ao chegar a casa e ao pôr a chave à porta, o queixoso tenha imediatamente tocado à porta dos vizinhos. mesmo antes de se inteirar da situação da filha", a explicação é muito simples e foi dada pelo...

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