Acórdão nº 32983/15.0T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução22 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

1–RELATÓRIO: AAA, contribuinte fiscal n.º (…), cozinheiro de primeira, residente na Rua (…), Loures, veio através do preenchimento e entrada do formulário próprio, propor, em 30/11/2015, ação especial regulada nos artigos 98.º-B e seguinte do Código do Processo do Trabalho, mediante a qual pretende impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo pela sua entidade empregadora BBB, SA, pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua (…), Lisboa.

* Designada data para audiência de partes, por despacho de fls. 36, que se realizou, com a presença das partes (fls. 47 e 48) - tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 39 e 150 por carta registada com Aviso de Receção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.

* Regularmente notificada para o efeito, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento nos moldes constantes de fls. 43 e seguintes.

Na sua motivação de despedimento alegou a Ré, em síntese, que o trabalhador era cozinheiro e no dia 2 de agosto de 2015 estava encarregue do posto de saladas e ovos tendo servido a um cliente um ovo que não estava em condições de ser servido. Nesse mesmo dia serviu ainda a uma cliente uma salada que não estava própria para consumo.

Alega ainda que no dia 23/8/2015 preparava-se para servir um prego com um ovo, o qual estava com depósitos de resíduos decorrentes de falta de zelo na confeção, não tendo sido servido por ter sido impedido para tanto pela chefe de cozinha.

Por fim, pugna pelo facto de no dia 6 de Setembro de 2015 o Autor revelar um comportamento individualista, de total isolamento, com uma postura nada cooperante, não ajudando os colegas e com atraso no serviço, fingindo não ouvir os pedidos dos colegas.

Refere que o trabalhador tinha tido já duas sanções disciplinares anteriores pelo que conclui pela improcedência da ação, devendo, em conformidade, ser declarada a licitude e regularidade do procedimento disciplinar e da sanção aplicada.

Foi junto o procedimento disciplinar (fls. 69 a 144). * Notificado para o efeito, o Autor contestou a motivação da Ré pela forma expressa no articulado de fls. 151 a 166, impugnando os factos imputados e deduzindo pedido reconvencional de indemnização por danos não patrimoniais, no valor de €1.000,00 e ainda no valor de € 1.562 de compensação correspondente às prestações que se venceram desde o despedimento até à apresentação da contestação, requerendo também, em alternativa, a sua reintegração ao serviço da Ré ou a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade calculada nos termos do artigo 391.º do Código de Trabalho de 2009, opção que fará até ao encerramento da discussão da causa.

Mais pede € 125,00 a título de quatro dias de férias não gozadas de 2014, € 31,25 correspondente à diferença a respeito de 22 dias de férias vencidos em Janeiro de 2015 e ainda € 416,85 equivalente a 35 horas de formação profissional vencida.

* A Ré apresentou resposta ao articulado do trabalhador, reiterando que o despedimento do Autor foi lícito pelo que a mesma não tem direito ao que peticiona, pugnando assim pela procedência da motivação de despedimento e pela inadmissibilidade, em parte, e improcedência da reconvenção, na parte restante (fls. 168 a 179).

* Foi proferido, a fls. 184 a 187, despacho saneador, onde se dispensou a realização de Audiência Prévia, se considerou válida e regular a instância, se admitiu a reconvenção do Autor, se fixou o objeto do litígio e se enunciaram os temas da prova, se admitiu os róis de testemunhas (fls. 64 e 160), tendo-se determinado a gravação da prova a produzir na Audiência de Discussão e Julgamento, cuja data designada na Audiência de Partes se manteve.

Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata, tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio e o Autor optado pela reintegração em caso de procedência da ação.

* Foi então proferida a fls. 212 a 231 e com data de 14/09/2016, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: a)-Declaro ilícito o despedimento que o Autor foi alvo; b)-Condeno a Ré a reintegrar o trabalhador; c)-Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de e 573,1, sendo € 125 devidos relativos a quatro dias de férias não gozadas de 2014, € 31,25 correspondente à diferença a respeito de 22 dias de férias vencidos em Janeiro de 2015, e ainda € 416,85 equivalente a 35 horas de formação profissional vencida, quantia à qual acrescem juros legais desde a data de vencimento de cada uma delas até efetivo e integral pagamento; d)-Condeno a Ré a pagar ao Autor, a compensação que representa as retribuições que deixou de auferir desde 30/11/2015 até ao trânsito em julgado da presente sentença, às quais acrescem os juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e descontados os valores que tenha recebido a qualquer título, incluindo a título de subsídio de desemprego; e)-Absolvo a Ré do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

Custas a cargo da Ré na proporção de 90%, e 10% para o Autor (art.º 527.º do Código do Processo Civil).

Registe e notifique.” * A Ré BBB, SA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 181 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 198 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

* A Apelante apresentou, a fls. 182 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões: “a)-A gravação dos depoimentos realizados impõe uma decisão sobre a matéria de facto diversa da assente no sentido do seu alargamento; b)-Deve ser aditado, à matéria de facto dada como provada, o seguinte facto: A empregadora ministrou formação profissional ao colaborador na área de higiene e segurança alimentar ao longo do seu percurso profissional; c)-Constata-se um desinteresse repetido do trabalhador pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do seu cargo – cozinheiro - o qual é determinante para o sucesso e imagem da sua empregadora; d)-A atuação do trabalhador não foi pontual e representa uma conduta continuada, foi reincidente e optou por não rever o seu comportamento com a instauração dos primeiros processos disciplinares (factos provados t) e u)), decidindo continuar a praticar atos que bem sabia serem alvo de reprovação por parte da sua empregadora e prejudiciais para o negócio; e)-As funções adstritas a um trabalhador com a categoria profissional de Cozinheiro denotam extrema e particular importância no seio de uma empresa que tem como objeto social a exploração de estabelecimentos de restauração; f)-A preparação e/ou confeção de alimentos em condições impróprias para consumo por um trabalhador com a antiguidade do recorrido é intolerável, haja ou não reiteração de comportamentos; g)-O juízo de censura sobre o trabalhador é agravado pelo facto do colaborador ter consciência da situação e conformar-se com a mesma; h)-E se não fosse suficientemente grave a falta de cuidado com a preparação e confeção de alimentos, o trabalhador revelou um comportamento individualista, de total isolamento, e que contraria o espírito de equipa necessário em qualquer estabelecimento de restauração, em particular na sua cozinha; i)-O espírito de equipa, a solidariedade e cooperação ao mesmo inerente, permite superar as exigências de celeridade e qualidade impostas pelo sector da restauração em geral e da Portugália em particular. A quebra do espírito de equipa na unidade tem consequências irreversíveis para a eficiência e qualidade do serviço prestado; j)-A Recorrente explora restaurantes de renome, com uma imagem construída ao longo de mais de nove décadas e essa sua imagem e a sua história não permitem falhas com a gravidade das descritas no procedimento disciplinar as quais podem colocar irremediavelmente em causa a viabilidade do negócio; k)-A gravidade e reiteração dos comportamentos culposos praticados pelo trabalhador, os quais foram objeto de sucessivas reações disciplinares conduzem, necessariamente, à quebra da confiança no trabalhador em termos tais que tornou imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho; l)-Face à crise irreparável da relação laboral que vinculava o Recorrido à Recorrente, outra sanção disciplinar não podia aplicar que não o despedimento sem indemnização ou compensação, afigurando-se a mesma adequada e proporcional face aos comportamentos violadores (ilícitos e dolosos) de diversos deveres laborais; m)-O despedimento promovido pela Recorrente foi, por isso, lícito, atenta a verificação de justa causa, não tendo, assim, o Recorrido direito à reintegração, como peticiona, nem tampouco ao pagamento de qualquer quantia, seja a que título for.

Termos em que se requer a V. Exas. seja dado integral provimento ao presente Recurso e, consequentemente seja a decisão recorrida alterada, nos termos expostos. Assim se fazendo JUSTIÇA!” * O Autor apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, sem ter, contudo, formulado conclusões, limitando-se a pugnar pela manutenção da sentença recorrida (fls. 187 e seguintes).

* O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 295 a 298), não tendo o Autor se pronunciado acerca do referido Parecer, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificado para o efeito, ao contrário do que aconteceu com a Ré que, através do seu requerimento de fls. 301 a 305, veio opor-se ao teor do mesmo e reiterar a motivação das suas alegações de recurso, com a inerente alteração da sentença recorrida.

* Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS.

Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância: a)-O Autor foi admitido ao serviço da BBB, S.A. em 09 de Setembro de 2002, sendo...

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