Acórdão nº 249/15.1PDOER.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução22 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO APA, filho ABA e de MMP, natural de Angola, nascido a 26 de Fevereiro de 1964, solteiro, operador de armazém, residente na Rua ---------------------, em Paço de Arcos, foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal singular e, a final, condenado pela prática, em 07.07.2015, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º nº 1 e 145º nº1 al. a), com referência ao disposto no art. 132º nº 2 al. l), todos do Código Penal em uma pena de dois meses de prisão, a qual, nos termos do disposto nos art.s 44º nº 1 do Código Penal, foi substituída por pena de sessenta dias de multa, à razão da taxa diária de € 8, perfazendo o montante total de € 480,00 e absolvido da prática dos três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.s 181º e 184º, com referência ao disposto no art. 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal de que também fora acusado.

* Inconformado, o Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso limitado à absolvição, apresentando as seguintes conclusões: 1. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar que constam da acusação, o arguido dirigiu-se aos três agentes da PSP ali presentes, devidamente uniformizados, e no exercício das suas funções, e disse-lhes, entre outras coisas, “Vão para o caralho”.

  1. Tais factos constam como provados da douta sentença ora recorrida.

  2. Simplesmente entendeu-se que tais palavras não têm tipicidade criminal, e considerou-se não provado que o arguido sabia que as expressões proferidas eram ofensivas da honra e da consideração pessoal e profissional dos agentes, e que agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

  3. Tal decisão não assenta na prova produzida e viola as regras de experiência.

  4. O arguido confessou os factos de forma livre, integral e sem reservas, razão pela qual tal prova impunha solução diversa da que foi acolhida em sede de sentença, ou seja, obrigava à sua condenação pela prática deste crime.

  5. A expressão em si mesma é, objectivamente, ofensiva da honra e da consideração devidas a qualquer um, sendo que as vítimas eram agentes da PSP, devidamente uniformizados, no exercício das suas funções.

  6. O arguido dirigiu-lhes tais palavras, de forma livre, deliberada e consciente, precisamente visando atingi-los, o que conseguiu, e ciente do teor do que dizia.

  7. Independentemente da origem da palavra, a verdade é que a expressão em causa é hoje entendida, comummente, como sendo ofensiva e lesiva da honra e da consideração devidas a qualquer pessoa, muito mais quando se trata de agente imbuído de cargo de autoridade.

  8. Verifica-se, assim, erro notório na apreciação da prova, quando a douta sentença ora recorrida dá como provado um facto que contraria toda a evidência, a lógica mais elementar e as regras de experiência comum.

    Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que, considerando como provados os factos não provados, julgue totalmente procedente a acusação deduzida contra o arguido e, em consequência, o condene pela prática dos três crimes de injúria agravada por ele praticados.

    V. Exas., contudo, farão conforme for de JUSTIÇA.

    O arguido respondeu ao recurso concluindo: A. O arguido, ora recorrido, foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade tisica qualificada p. e p. pelos arts. 143.° n.º 1, 145.° n.º 1 alínea a), por referência ao artigo 132.° n.º 2 alínea 1) todos do CP e absolvido da prática de três crimes de injúria agravada p. e p. pelos arts. 181.°, 184.°, por referência ao artigo 132.° n.º 2 alínea 1) todos do CP.

    1. Ora, vem o Ministério Público recorrer da Sentença por entender que o arguido não deveria ter sido absolvido da acusação da prática dos três crimes de injúria agravada, discordando das conclusões retiradas pelo Mm. Juiz na Sentença.

    2. No entanto, parece-nos não assistir razão ao entendimento da Digna Magistrada do Ministério Público uma vez que além da conclusão que é retirada pelo Mm. Juiz (a nosso ver acertada), consta em nota de rodapé na Sentença a origem quer linguística quer histórica que justificam o facto de a palavra "caralho" não ser ofensiva da honra e consideração dos agentes da PSP.

    3. O arguido proferiu aquelas palavras num contexto em que se encontrava embriagado (portanto com a sua imputabilidade severamente diminuída).

      E.O arguido não disse apenas para os agentes da PSP a expressão "vão para o caralho" mas sim "ninguém me tira daqui pois não obedeço nem a polícias nem a caralho nenhum! Vão para o caralho". Ora, este último "vão para o caralho" quando enquandrado com o que foi dito pelo arguido na sua totalidade enquadra-se mais num desabafo.

    4. Na senda do mui douto Acordão da Relação de Lisboa de 20-10-2010 também mencionado pela Digna Magistrada do Ministério Público nas suas Alegações de Recurso se diz: "Segundo as fontes, para uns a palavra "caralho" vem do latim "caraculu" que significava pequena estaca, enquanto que, para outros, este termo surge utilizado pelos portugueses nos tempos das grandes navegações para, nas artes de marinhagem, designar o topo do mastro principal das naus, ou seja, um pau grande. Certo é que, independentemente da etimologia da palavra, o povo começou a associar a palavra ao órgão sexual masculino, o pénis. E esse é o significado actual da palavra, se bem que no seu uso popular quotidiano a conotação fálica nem sequer muitas vezes é racionalizada".

    5. No caso em concreto o arguido não racionalizou a conotação fálica que vem associada à palavra "caralho". Aquela expressão, no nosso entendimento, não atinge valores relevantes do ponto de vista do direito penal.

    6. Finalmente, entende o Ministério Público que a confissão feita pelo arguido impunha decisão diversa da que foi proferida, no entanto, cabe ao Mm. Juiz o enquadramento jurídico-penal dos factos confessados pelo arguido, entende-se neste caso que as expressões proferidas pelo mesmo não têm relevância penal, devendo a sua análise ser feita apenas no campo da normas de convivência social.

      I. Assim, deverá ser mantida a Sentença proferida pelo Tribunal a quo absolvendo-se o arguido da prática de três crimes de injúria agravada.

      Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso e, em consequência, ser a decisão do Tribunal a quo mantida, absolvendo-se o arguido da prática de três crimes de injúria agravada, só assim se fazendo a habitual e necessária JUSTIÇA.

      O recurso foi admitido.

      O Mmº Juiz a quo, indevidamente, proferiu despacho de sustentação. Efectivamente, apenas “se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão” (art. 414º nº 4 do Código de Processo Penal).

      Consequentemente não será considerado o teor de tal despacho.

      * Nesta Relação foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal. Em douto parecer o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pugnou pela procedência do recurso.

      Não foi apresentada resposta ao parecer.

      Foram colhidos os vistos, após o que o processo...

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